Categoria: Crise migratória

Coluna Crise Migratória. Editor responsável: Hanin Dawud

  • O dia da barbárie

    O dia da barbárie

    Por: Rodrigo G. M. Silvestre

    No dia 28 de outubro de 2025, o Brasil testemunhou a operação policial mais letal de sua história, com 132 mortos registrados no Rio de Janeiro, superando em apenas 24 horas o número de vítimas do mais recente episódio de rompimento do cessar-fogo em Gaza promovido por Israel. Enquanto o mundo acompanhava o drama humanitário do Oriente Médio, com denúncias de sucessivas violações de direitos humanos e elevado número de civis mortos em bombardeios sobre Gaza, o cenário brasileiro converteu-se em um campo de batalha urbano, com a letalidade policial ultrapassando números globais de conflitos armados.cnnbrasil+4

    Paralelo Trágico: Rio e Gaza

    A rápida escalada de mortes no Rio ultrapassou, em um único dia, os dados noticiados sobre o mais recente ataque israelense à Faixa de Gaza — onde, na quebra do cessar-fogo, as principais fontes relatam aproximadamente 90 a 120 mortes civis e militares em 24 horas, número inferior ao contabilizado após a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão. Se em Gaza o rompimento das tréguas com bombardeios intensificou o debate internacional sobre a urgência de acordos de paz, no Brasil, a letalidade policial, validada pelo governo do Rio como um “sucesso operacional”, suscitou cobranças por prestação de contas, investigações sobre execuções sumárias e comoção nacional.exame+3

    Impacto Social e Humanitário

    Imagens de dezenas de corpos levados por moradores à praça pública, relatos de famílias em desespero reconhecendo vítimas e denúncias de fraude processual – com suspeita de remoção de coletes e roupas para descaracterizar a natureza dos mortos – marcaram tanto a cobertura jornalística como o debate político. Especialistas, entidades de direitos humanos e lideranças comunitárias classificaram o episódio brasileiro como um massacre de dimensões históricas, equiparando-o aos dramas internacionais de guerra, desafiando o país a rever instrumentos de segurança pública e exigir dignidade e respeito à vida mesmo em tempos de enfrentamento ao crime organizado.cartacapital+2

    Repercussão Política

    A reação do governo estadual foi imediata, com defesa enfática da operação e declaração de que a letalidade foi resultado do confronto, não de excesso policial. No curto período em que o país superou Gaza em números de mortos, o Brasil viu sua crise de segurança pública tornar-se referência negativa, ligada aos recordes históricos de ações policiais, e provocou questionamentos sobre a legitimidade e os limites do uso da força pelo Estado.correiobraziliense+2

    O paralelo entre Rio de Janeiro e Faixa de Gaza transcende fronteiras: ilustra como, dentro de cenários distintos, a mesma lógica de guerra pode se manifestar em territórios de exclusão, desigualdade e ausência de garantias mínimas à população civil. Enquanto em Gaza o terror é exportado pelas bombas, no Brasil, a estatística desnuda uma guerra interna em que o número de mortos em um único dia supera o saldo de conflitos declarados fora do país.istoedinheiro+2

    O uso político das ações letais tanto no Rio de Janeiro, lideradas por Cláudio Castro, quanto em Israel, sob comando de Benjamin Netanyahu, revela estratégias de sobrevivência para ambos em cenários de baixa eficiência administrativa e desgaste de suas imagens públicas.esquerdaonline+2​youtube​

    Cláudio Castro: Popularidade e Segurança

    No Rio, a megaoperação que culminou em 132 mortes foi utilizada por Castro como resposta à cobrança por resultados frente ao avanço do crime organizado e à pressão eleitoral, especialmente da base conservadora. A ação, que aprofundou o modelo bélico na segurança pública, serviu para mobilizar o eleitorado de direita, agitar bases bolsonaristas e fortalecer seu projeto político, sendo Castro pré-candidato ao Senado. Analistas avaliam que, apesar da ineficiência histórica do enfrentamento direto ao narcotráfico, operações de alto impacto criam repercussão favorável em pesquisas e impulsionam o sentimento de ordem para setores que veem o Estado como único agente capaz de “fazer frente” às organizações criminosas.youtube​gazetadopovo+2

    Netanyahu: Sobrevivência Política em Gaza

    Em Israel, Netanyahu ordenou ataques intensos à Faixa de Gaza logo após a quebra do cessar-fogo, em parte para se reposicionar politicamente, já que enfrentava impopularidade motivada pelo fracasso de segurança em 2023, com o ataque-surpresa do Hamas, além do desgaste causado pela longa duração do conflito. A adoção de postura agressiva, mesmo sob críticas internacionais, é lida como instrumento para retomar apoio da ala conservadora e militarista de seu eleitorado. O apoio dos EUA à mediação do cessar-fogo e ao endurecimento contra o Hamas tem fortalecido o premiê nas pesquisas recentes, apesar do prolongado desgaste interno.cnnbrasil+3

    Paralelo de Ineficiência e Popularidade

    Ambos líderes se valem de ações de força — ainda que pouco efetivas no enfrentamento estrutural dos problemas de segurança — para reforçar suas imagens junto às respectivas bases eleitorais. O uso político da violência, muitas vezes classificada como “necessária” ou “inevitável”, opera como narrativa de Estado forte diante da ausência de resultados concretos na pacificação social ou policial. Por outro lado, a alta letalidade evidencia a persistente falta de eficiência em políticas públicas que atacam causas profundas dos conflitos, gerando ciclos de violência prolongada e crises de popularidade em ambos os contextos.gazetadopovo+2​youtube​

    1. https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2025/10/29/operacao-policial-no-rio-com-132-mortos-sera-investigada-pela-comissao-de-direitos-humanos
    2. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/29/atualizacao-numero-mortos-operacao-rio-de-janeiro.ghtml
    3. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/rj/numero-de-mortes-em-megaoperacao-no-rio-passa-de-120-diz-defensoria/
    4. https://exame.com/brasil/numero-de-mortos-sobe-para-132-em-megaoperacao-do-rio-diz-defensoria/
    5. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/dezenas-de-corpos-sao-levados-por-moradores-a-ruas-do-rio-mortos-em-operacao-podem-passar-de-100/
    6. https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2025/10/7281295-balanco-da-policia-civil-confirma-119-mortes-em-megaoperacao-no-rio.html
    7. https://istoedinheiro.com.br/as-operacoes-policiais-mais-letais-da-historia-do-rio-de-janeiro
    8. https://www.dw.com/pt-br/megaopera%C3%A7%C3%A3o-policial-deixou-121-mortos-no-rio-diz-governo/a-74541208
    9. https://www.instagram.com/p/DQXXIH7EYD2/
    10. https://www.instagram.com/reel/DQaayYyAcCj/
    1. https://esquerdaonline.com.br/2025/10/29/massacre-de-claudio-castro-pl-quantos-mais-tem-que-morrer-para-essa-guerra-acabar/
    2. https://www.youtube.com/watch?v=Qg5DJIOo1EA
    3. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/analise-trump-encurralou-netanyahu-mas-tambem-pode-ter-salvado-o-premie/
    4. https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/acordo-fortalece-netanyahu-pesquisas-eleitorais-apontam-para-crescimento-do-governo/
    5. https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/guilherme-macalossi/rio-janiro-faixa-gaza-carioca-pistoleiros-ideologicos/
    6. https://tvtnews.com.br/mortes-rj-passam-130-castro-sucesso-tortura/
    7. https://www.dw.com/pt-002/m%C3%A9dio-oriente-netanyahu-ordena-fortes-ataques-na-faixa-de-gaza/a-74531006
    8. https://cnnportugal.iol.pt/aominuto/652125bed34e65afa2f62245
    9. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-10/governador-reconhece-excesso-das-competencias-do-estado-em-operacao
    10. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/rj/analise-claudio-castro-mostra-irritacao-com-adpf-das-favelas/
    11. https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/10/28/declaracoes-de-autoridades-sobre-operacao-no-rio-revelam-falta-de-coordenacao-entre-governos-estadual-e-federal-no-combate-ao-crime-organizado.ghtml
    12. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/rj/policia-civil-faz-megaoperacao-no-complexo-de-israel-na-zona-norte-do-rio/
    13. https://www.brasildefato.com.br/2025/10/29/a-brutalidade-do-exterminio-legalizado/
    14. https://www.gazetadopovo.com.br/republica/confronto-e-alta-letalidade-eram-inevitaveis-em-operacao-policial-contra-o-comando-vermelho-no-rio/
    15. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/imprensa-internacional-repercurte-megaoperacao-no-rj-cenas-de-guerra/
    16. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-10/premie-israelense-ordena-ataques-poderosos-em-gaza
    17. https://www.dw.com/pt-br/o-que-se-sabe-sobre-a-opera%C3%A7%C3%A3o-policial-mais-letal-do-rj/a-74539036
    18. https://noticias.r7.com/cidades/claudio-castro-pede-dez-vagas-em-presidios-federais-apos-operacao-mais-letal-da-historia-do-rio-29102025/
    19. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgknnjgmrxo
    20. https://sbtnews.sbt.com.br/noticia/politica/moraes-exige-explicacoes-de-claudio-castro-sobre-megaoperacao-no-rio
  • 80 anos da ONU e o 194º Estado Membro

    80 anos da ONU e o 194º Estado Membro

    Por: Rodrigo G. M. Silvestre

    O Brasil, ao abrir novamente a Assembleia Geral da ONU, reafirma uma das tradições mais marcantes da diplomacia internacional. Desde 1955, o país é o primeiro a discursar no principal palco de debates globais, uma prática que nasceu menos de um regulamento formal e mais de um hábito consolidado quando ninguém queria abrir os trabalhos, papel que o Brasil assumiu por tradição e neutralidade, até se tornar símbolo do multilateralismo e do compromisso com o diálogo internacional. A continuidade desse protocolo expressa não apenas respeito institucional, mas também a confiança no papel do Brasil como mediador e construtor de pontes no cenário global.bbc+4

    O contexto deste ano destacou ainda mais a posição brasileira em relação ao conflito entre Israel e Palestina. Com mais de 140 dos 193 países-membros da ONU reconhecendo oficialmente a Palestina como Estado soberano — movimento que ganhou força inclusive entre países do G7 como Canadá, Reino Unido e Austrália em 2025 — o reconhecimento internacional tornou-se a única resposta capaz de dar dignidade ao povo palestino diante do genocídio comprovado por comissões independentes da ONU. Relatórios recentes afirmam que Israel cometeu, em Gaza, quatro dos cinco atos tipificados como genocídio pelo direito internacional. A recomendação, inclusive, foi clara: os países-membros têm obrigação legal de prevenir e punir o genocídio, e o reconhecimento pleno da Palestina é parte central desse processo de justiça e reparação.globo+4

    No Brasil, o último fim de semana foi marcado por manifestações em mais de 30 cidades em defesa da democracia, contra a tentativa de anistia para golpistas e movimentos que buscam blindagem criminal do Congresso Nacional. A mobilização popular e institucional, liderada por frentes amplas e pelo próprio governo, reforça que a sociedade brasileira não aceitará retrocessos, reafirmando o país como uma das maiores democracias em vigor no hemisfério sul. Este crédito na vitalidade democrática nacional serve de exemplo e contraponto ao retrocesso institucional e aos movimentos de extrema direita que ainda ameaçam as instituições no Brasil.pt+2

    Como exemplo dessa força democrática, a foto do posto trás Oswaldo Aranha, diplomata brasileiro, foi presidente da II Assembleia Geral da ONU em 1947, cargo em que desempenhou papel decisivo durante a sessão que votou a histórica Resolução 181, responsável pela partilha da Palestina e criação do Estado de Israel. Sua liderança, mediando intensos debates em um momento de clivagem internacional, foi marcada pela busca de consenso e neutralidade, o que lhe rendeu respeito mundial e até a indicação ao Prêmio Nobel da Paz. A honra de abrir os debates internacionais foi concedida ao Brasil em reconhecimento à atuação de Aranha como símbolo de equilíbrio e comprometimento com o diálogo, além de uma solução diplomática para as disputas entre as grandes potências durante a Guerra Fria. Desde então, a abertura dos trabalhos da Assembleia Geral é vista como parte indissociável da tradição e prestígio brasileiros na ONU, como reconhece a própria organização em seus registros históricos oficiais.

    Ao subir à tribuna da ONU, o presidente do Brasil enviou um duplo recado. Para o mundo, pontuou a necessidade de defender o multilateralismo e repudiar o unilateralismo representado por líderes como Donald Trump, que promovem soluções isoladas e sancionam países como o Brasil na contramão do esforço global por justiça, paz e clima. Para a sociedade brasileira, foi um marco simbólico e político, sinalizando que não haverá espaço para golpismos ou para a destruição dos marcos democráticos do país, por mais que a extrema direita insista nessa agenda. O Brasil, ao abrir a ONU, fala não apenas por si, mas por todos que defendem uma ordem internacional baseada em justiça, autodeterminação dos povos e respeito às democracias.youtubegov+2


    Fontes consultadas:

    • BBC Brasil, “Por que o Brasil sempre abre a Assembleia Geral da ONU”bbc
    • G1, “Assembleia Geral da ONU: Brasil será o primeiro a falar”globo
    • R7, “Entenda por que Brasil abre discursos na ONU”noticias.r7
    • G1, “Países que reconhecem a Palestina: Lista atualizada!”globo
    • CNN Brasil, “Veja quais países reconhecem o Estado Palestino”cnnbrasil
    • CNN Brasil, “O que acontece após comissão da ONU concluir que Israel comete genocídio?”cnnbrasil
    • BBC Brasil, “Israel cometeu genocídio em Gaza, diz comissão de investigação da ONU”bbc
    • BBC Brasil, “O que é genocídio, e quem está usando o termo no conflito Israel-Gaza?”bbc
    • PT.org.br, “Domingo (21): Brasil vai às ruas pela agenda do povo e contra a anistia golpista”pt
    • Gazeta do Povo, “Esquerda faz protestos em capitais por soberania e democracia”gazetadopovo
    • Agência Brasil, “Multidões ocupam capitais contra anistia e PEC da Blindagem”agenciabrasil.ebc
    • Governo Federal, “Discurso do presidente Lula na Conferência Internacional para a Solução Pacífica da Questão Palestina”gov
    • CNN Brasil, “Lula discursa hoje na abertura da Assembleia Geral da ONU”cnnbrasil
    • UOL, “Lula e Trump transferem crise inédita para Assembleia da ONU”noticias.uol
    1. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgj1gqydlw7o
    2. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/09/23/assembleia-geral-da-onu-brasil-sera-o-primeiro-a-falar-nesta-terca-entenda-por-que.ghtml
    3. https://noticias.r7.com/brasilia/entenda-por-que-brasil-abre-discursos-na-onu-e-se-tensao-com-eua-pode-mudar-tradicao-23092025/
    4. https://www.dw.com/pt-br/por-que-o-brasil-%C3%A9-o-primeiro-a-discursar-na-assembleia-geral-da-onu/a-74096555
    5. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2knznvpwqpo
    6. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/09/21/quais-paises-reconhecem-o-estado-palestino.ghtml
    7. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-acontece-apos-comissao-da-onu-concluir-que-israel-comete-genocidio/
    8. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/veja-quais-paises-reconhecem-a-palestina-como-estado/
    9. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cre5925rgryo
    10. https://www.bbc.com/portuguese/articles/crrj7kypl2vo
    11. https://pt.org.br/domingo-21-brasil-vai-as-ruas-pela-agenda-do-povo-e-contra-a-anistia-golpista/
    12. https://www.gazetadopovo.com.br/republica/protestos-esquerda-7-de-setembro-2025/
    13. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-09/multidoes-ocupam-capitais-contra-anistia-e-pec-da-blindagem
    14. https://www.youtube.com/watch?v=LxJdH9RR_m0
    15. https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2025/09/discurso-do-presidente-lula-na-conferencia-internacional-para-a-solucao-pacifica-da-questao-palestina-e-a-implementacao-da-solucao-de-dois-estados
    16. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/lula-discursa-hoje-na-abertura-da-assembleia-geral-da-onu/
    17. https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/09/23/lula-onu-discurso-trump-abertura-assembleia-geral.htm
    18. https://www.infomoney.com.br/politica/assista-lula-e-trump-discursam-na-assembleia-geral-da-onu-em-meio-a-sancoes/
    19. https://exame.com/mundo/por-que-o-brasil-abre-os-discursos-da-assembleia-geral-da-onu-ha-70-anos/
    20. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/09/23/o-que-significa-na-pratica-o-reconhecimento-do-estado-da-palestina.ghtml
  • Como a mudança no perfil de estrangeiros revela uma integração maior entre Brasil e países latino-americanos

    Como a mudança no perfil de estrangeiros revela uma integração maior entre Brasil e países latino-americanos

    Por: Rodrigo G. M. Silvestre

    A mudança no perfil dos estrangeiros residentes no Brasil, com a ascensão de latino-americanos — especialmente venezuelanos — à condição de maior contingente de imigrantes, ilustra uma integração regional cada vez mais concreta. O fenômeno rompe com o padrão histórico, no qual europeus — sobretudo portugueses — ocupavam o topo das estatísticas migratórias brasileiras. Agora, a aproximação se dá entre vizinhos, compartilhando não apenas fronteiras, mas experiências, desafios e uma convivência cotidiana que transforma cidades e comunidades.

    Dados do censo mais recente mostram que a participação de latino-americanos entre os estrangeiros saltou expressivamente, passando de cerca de um quarto do total em 2010 para mais de 70% em 2022, graças à migração venezuelana, mas também ao aumento de bolivianos, haitianos e outros grupos latino-americanos. Essa reconfiguração demográfica revela que o Brasil, tradicionalmente visto como destino para europeus e asiáticos, tornou-se um polo de atração para pessoas que já compartilham laços culturais, idioma similar e questões sociais próximas1.

    Esse movimento migratório acelerado vai além da mera convivência. Ele representa a busca por refúgio, oportunidades de trabalho, laços familiares e melhores condições de vida, mas também fortalece a ideia de pertencimento regional. Na realidade urbana, bairros com forte presença de imigrantes latino-americanos, serviços multilíngues e uma maior troca cultural tornam o Brasil um verdadeiro mosaico da América do Sul.

    A integração é vista ainda em setores simbólicos, como o futebol. Jogadores latino-americanos, com destaque para colombianos, argentinos, uruguaios e, mais recentemente, venezuelanos, tornaram-se protagonistas nos principais clubes brasileiros. Esse intercâmbio esportivo espelha a dinâmica de integração: talentos compartilhados, rivalidades transformadas em cooperação, e uma presença latina que reforça laços além-diplomáticos2.

    Assim, a mudança no perfil dos estrangeiros não só reflete os fluxos migratórios motivados por crises ou oportunidades, mas expressa uma aproximação efetiva entre o Brasil e seus vizinhos, promovendo integração social, cultural e econômica, e consolidando o país como espaço de convivência plural dentro da América Latina123.

    O movimento migratório recente dos latino-americanos, liderado pelos venezuelanos, tem impactos profundos sobre a cultura e a economia brasileira. Culturalmente, a chegada de novos fluxos fortalece o multiculturalismo e promove uma troca rica de experiências e tradições. Em cidades que concentram comunidades imigrantes, surgem novos restaurantes, festas típicas, expressões artísticas e idiomas nas ruas, ampliando a diversidade cultural e o repertório do próprio brasileiro. Manifestam-se festas tradicionais venezuelanas, haitianas, bolivianas e colombianas, assim como hábitos culinários e práticas religiosas, que se somam ao mosaico já plural do país.

    Essa convivência cotidiana renova o tecido social, incentiva a tolerância e o respeito às diferenças e contribui para que o Brasil aprofunde sua identidade latino-americana, para além do discurso oficial. A música, a moda, o lazer e, especialmente, o futebol têm sido fortemente influenciados por essa troca, com o aumento da presença e da popularidade de jogadores estrangeiros em clubes do país, transformando o perfil das torcidas e a dinâmica do esporte mais popular do Brasil4.

    Na economia, o impacto é igualmente notável. Migrantes latino-americanos ocupam nichos de trabalho essenciais em setores como agricultura, construção civil, serviços domésticos, indústria, gastronomia e comércio. Muitos abrem pequenas empresas e contribuem para inovar nos serviços urbanos, dinamizam a economia local e ajudam a suprir carências do mercado de trabalho em determinadas regiões. Além disso, remessas para o exterior e o consumo interno dessa nova população fortalecem setores de comércio, moradia e serviços, gerando renda e arrecadação para o Estado.

    O fluxo migratório ainda contribui para enfrentar desafios demográficos, como o envelhecimento da população, ao injetar força de trabalho jovem e disposta. Iniciativas de integração, ensino de português e reconhecimento de diplomas, além da valorização da cultura de origem e do acolhimento, ampliam os benefícios desse processo tanto para imigrantes quanto para brasileiros. O resultado é um país mais aberto, resiliente, inovador e conectado com a América Latina, do ponto de vista cultural e econômico546.

    1. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/en/agencia-news/2184-news-agency/news/43850-2022-census-number-of-immigrants-resumes-growth-for-the-first-time-since-1960
    2. https://www.espn.com/soccer/story/_/id/41110565/south-americas-top-10-players-looking-transfer-window-moves-january
    3. https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/direitos-humanos/noticia/2025-02/brazil-welcomed-194331-migrants-2024
    4. https://www.espn.com/soccer/story/_/id/41110565/south-americas-top-10-players-looking-transfer-window-moves-january
    5. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/en/agencia-news/2184-news-agency/news/43850-2022-census-number-of-immigrants-resumes-growth-for-the-first-time-since-1960
    6. https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/direitos-humanos/noticia/2025-02/brazil-welcomed-194331-migrants-2024
  • Um genocídio anunciado: a discriminação determina o alvo da guerra

    Um genocídio anunciado: a discriminação determina o alvo da guerra

    Por: Hanin Majdi Dawud Al Najjar

    A mesma imprensa que glorifica a resistência dos ucranianos retrata como terrorismo a tentativa de transposição do regime de apartheid imposto pela ocupação israelense aos palestinos. A comunidade nativa vive hoje sitiada entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza desde a determinação britânica pela criação de um Estado exclusivamente judeu, em apoio a um movimento político nacionalista denominado sionismo.

    A ocupação, que a principio se estabeleceu sustentada pela profecia do retorno dos judeus a terra santa, em seus bastidores expropriou massivamente árabes palestinos, culminando na quase erradicação desse povo e transformando a rotina dos sobreviventes na mais viva experiência de terror.

    Sob a segregação de um cerco aéreo, marítimo e terrestre, bloqueio das nascentes de água, prisões arbitrárias, mutilação e massacre, a Faixa de Gaza tornou-se um gueto sob constante abuso e violência, assombrado pelas forças armadas mais brutais do mundo.

    Diante da dramaturgia coercitiva da mídia, as reivindicações palestinas seguem ignoradas pelos chefes de Estado e comunidade internacional, encenação que condicionou os mecanismos de enfrentamento do Hamas- organização política que administra a região da Faixa de Gaza, a orquestrar o rompimento do cerco israelense, ativando a maquina de guerra.

    Em resposta, o primeiro ministro de Israel Benjamin Netaniahu, prometeu uma reação assentada nas aniquilações de uma “vingança poderosa” que “mudará o Oriente médio”, anunciada pelo ministro da defesa Yoav Gallant, como um cerco total: “Nem eletricidade, nem comida, nem água, nem gás. Tudo bloqueado. Estamos lutando contra animais humanos e agindo de acordo”, declarando em seu discurso supremacista, o ato de limpeza étnica.

    Acompanhado de seu exército de colonos, em sua maioria imigrantes europeus e norte-americanos rebatizados em hebraico e financiados por doações bilionárias do governo estadunidense, declaram que a solução final é o extermínio total do povo que ousou cruzar a linha do mais longo campo de concentração a céu aberto da história moderna.

    Para saber mais:

    https://www.aljazeera.com/tag/israel-palestine-conflict

     

    Butler, Judith. “Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?.” (2015)

    Said, Edward. “A questão da Palestina.” São Paulo: Unesp (2012)..

  • Do horror à vida: a marca do 31º Festival de Curitiba

    Foto: Portal Cultura 930

    Texto postado no Portal de Cultura 930

    Na manhã de 27 de março de 2023, na Sala Jô Soares, no 10º andar do Hotel Mabu, em frente à Praça Santos Andrade, iniciou-se o 31º Festival de Curitiba. Com uma atmosfera carregada de expectativas, a outrora “Cidade Sorriso” dava início ao maior evento de Teatro da América Latina, com a participação de diretores, curadores e de dezenas de jornalistas numa plúmbea manhã curitibana. Mas, para nossa sorte, a luz radiante das diversas trupes que por aqui “baixaram” nos presentearam com um veranico há muito tempo não visto e, principalmente, com a expressão artística que se refletiu durante a semana numa cidade cheia, alegre, retumbante, que dia a dia apagava a fuligem de dois anos de pandemia e de um modelo antigo de se governar uma nação.
    “Que Curitiba é essa?” foi a pergunta feita por Giovana Soar: atriz, diretora e uma das três curadoras do Festival que anunciava o mote principal desta edição. De cara, podemos pensar que deva ser o espaço que atenda ao impacto entre aquele que faz e aquele que recebe a arte, e com isso buscar o aspecto mais genuíno dessa expressão: atender aos ditames da perseguição da perfeição. Mas, seria isso possível ou apenas uma utopia a mais para sanar as dores do viver?
    Podemos pensar que se a arte é, por si só, a expressão fenomênica do encontro com o divino (afinal, ninguém faz uma música ou pinta um quadro para ser nota 7), a busca pelo absoluto, pelo inimaginável, pelo imarcescível e, por vezes, pelo inatingível, revela uma proposta inalcançável. Porque impossível. Mas, se virmos a arte como a possibilidade de profanar e de corromper o status quo e nos mostrarmos humanos, demasiadamente humanos, podemos pensá-la como a expressão extraordinária das várias possibilidades de se viver a vida que são possíveis. E foi esse o caminho escolhido pela curadoria. Isso está explícito nas peças que se apresentaram durante a primeira semana: uma mistura de ficção e realidade, seja pela voz da aclamada atriz Vera, em sua apresentação na peça “Ficções”; seja pela tensão e pela instabilidade produzida pela peça “Chão”; ou seja pela diversidade de pessoas fotografadas diariamente transitando pela praça na impressionante peça Square.
    É preciso dizer, também, que a organização do evento começou seus trabalhos durante o período de administração da extrema direita e acabou no começo do novo governo, mais amplo e democrático. Este arco temporal, entre essas duas formas antagônicas de políticas públicas no tratamento da Cultura, é o ponto zero para entender o que é a 31ª edição do Festival. O resultado disso é a entrega feita pela curadoria de 32 peças na mostra oficial, extrapolando o número de 25 que foram requisitadas pelos patrocinadores do evento.
    A aposta da curadoria foi em manter um número majoritariamente feminino em sua organização, assim como em peças que abraçaram toda sorte de gêneros, de classes, de etnias, de temas e apostou na ocupação pública de uma cidade viva que se misturou, que se amou, que se cuidou e que fez da rua seu templo, mesmo sendo uma cidade que precisa de muito mais inclusão, onde a passagem de ônibus é a mais cara do Brasil, tem muito o que fazer para retirar esses freios. Mas, as ruas, como visto, também, em diversas noites nas calçadas do Restaurante Nina, refúgio dos participantes para atender necessidades gastronômicas e afetivas dos encontros tanto dos visitantes, dos turistas, quanto dos habitantes desse ninho de esperança, parece agora ser ocupada por gentes, diálogos, culturas e ideias.
    O rompimento com aquilo que não serve mais foi tarefa do Festival, principalmente aqui na “capital madrasta” (expressão do multifacetado agitador cultural Vitor Salmazo, elenco da peça Square), útero gravídico do Golpe de 2016. Isso mostra que estamos rasgando as vestes e as máscaras do horror das trevas e indo em direção ao que já colocamos acima: a pluralidade da vida, das várias possibilidades de afeto, do expressar e do sentir.
    A curadoria, com seu “olhar de ciclope” para a proposta deste Festival, promoveu o encontro entre artista e público e alçou um arco muito maior do que contradição e certeza, ou tempo e espaço, ou branco e preto; lançou, sim, um arco-íris resistente, diverso, colorido e alegre para um futuro de uma nova esperança apoteótica.

    Autores:

    Carla Françoia é psicanalista, feminista, amante dos cães e Doutora em Filosofia pela PUCPR.
    Felipe Mongruel é especialista em Ética pela PUCPR, foi advogado da Vigília Lula Livre, liderou o coletivo que ia semanalmente durante 14 meses em frente ao MPF cobrar explicações dos procuradores da força tarefa Lavajato, foi professor de filosofia, apresenta o programa Vamos à Luta e é um dos diretores do Jornal América Profunda.

  • Antecedentes da Guerra na Ucrânia

    Por: Célio Roberto

    Batalhão neonazista Azov da Ucrânia (Imagem: Reuters)

     

    Nenhum conflito surge porque em um belo dia um estadista acordou de péssimo humor e decidiu invadir um país.

    Embora a mídia ocidental queira dar a impressão que seja dessa forma, dando à guerra um caráter moral ou psicologizante dos atores envolvidos. Dividindo o mundo entre “mocinhos” e “vilões”. Contudo, a situação é muito mais complexa.

    Para entendermos a guerra na Ucrânia é imprescindível voltarmos para o período da Guerra Fria. Quando do surgimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949.

    Essa aliança militar – encabeçada pelos EUA – tinha o objetivo de proteger os países capitalistas europeus de supostas investidas políticas e militares da antiga União Soviética e aliados.

    O que resultou em uma divisão geopolítica da Europa entre socialismo e capitalismo, que ficou conhecida como Cortina de Ferro.

    Em resposta à OTAN, a URSS organizou o Pacto de Varsóvia em 1955. Com o mesmo objetivo de salvaguardar os países socialistas do Leste Europeu e a própria URSS.

     

     

    Decisões Geopolíticas Caras no Futuro

     

    A grande questão é: se a OTAN foi criada para combater o socialismo, por que mesmo com o fim da URSS e do socialismo no Leste Europeu, a aliança militar continuou a existir?

    Aliás, não apenas continuou a existir como também incorporou mais países. E o que é pior, agregou ex-repúblicas do bloco socialista e ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com a Rússia.

    Se desde 1991 não existe mais a URSS, quem é o novo inimigo da Europa capitalista? A Rússia capitalista? Se ela não é o inimigo a ser combatido, por que não a convidam para compor a OTAN?

    Obviamente, os estadistas russos sabem muito bem que o Ocidente ainda encara a Rússia como sua inimiga.

     

     

    Breve Histórico da Ucrânia (subtítulo)

     

    A região que hoje é a Ucrânia esteve por séculos sob o domínio dos czares russos e em 1922 foi incorporada à URSS. A Ucrânia só se tornou um Estado independente após a desintegração da URSS em 1991.

    Com o fim do socialismo na Europa, ficou acordado entre os membros da OTAN que a organização não deveria mais se expandir em direção à Rússia. Como mencionado acima, isso não ocorreu.

    A Ucrânia é o país de maior fronteira com a Rússia no Leste Europeu e não é membro da OTAN. Os dois países sempre tiveram relações estreitas do ponto de vista cultural. Muitos ucranianos são russos étnicos e falam o russo, sobretudo no leste da Ucrânia.

    O governo ucraniano de Víktor Yanukóvytch, eleito em 2010, tinha boa relação com a Rússia. Tentava manter os ânimos controlados entre os ucranianos do oeste e russos étnicos do leste da Ucrânia. Esta última região dava maior apoio político e eleitoral a Yanukóvytch.

    Há uma rivalidade histórica entre essas duas regiões. O oeste tem mais afinidade com a Europa ocidental e possui uma identidade nacionalista ucraniana. O leste tem maior relação com a Rússia e sua cultura.

    Em 2013, Yanukóvytch decidiu que a Ucrânia não faria parte da União Europeia, o que revoltou parte da população do oeste ucraniano.

    Essa revolta gerou um movimento chamado Euromaidan. Muitos desses manifestantes eram pessoas comuns insatisfeitas com o governo Yanukóvytch.

    No entanto, muito parecido com o que ocorreu no Brasil em Maio de 2013, essa manifestação passou a ser cada vez mais infestada por neofascistas.

    Muitos autores defendem que houve uma “Revolução Colorida” na Ucrânia, quando um país é vítima de sabotagem financiada por potências estrangeiras para depor um governo que não é do seu interesse.

    O grupo ultranacionalista Setor Direita e o partido neofascista Svoboda, tomaram a liderança das manifestações à medida que aumentava a violência policial.

    Com sua impopularidade em alta, Yanukóvytch foi deposto pelo parlamento ucraniano e seu governo foi substituído por uma coalizão de liberais e neofascistas do Svoboda.

    Inevitavelmente, os ucranianos do leste ficaram revoltados com a composição do novo governo que não os representava. Não demorou muito para que os ucranianos do leste fossem perseguidos pelo governo neofascista.

    A maior insatisfação contra o governo se deu na região da Crimeia, de população majoritariamente russa étnica. Foi a oportunidade perfeita para Putin anexar a região em 2013, legitimado por um referendo que optou pela anexação à Rússia.

    As províncias de Donetski e Loganski, com apoio russo, também realizaram referendos que resultaram em suas independências. Por não aceitar a soberania dessas regiões, o governo ucraniano deu início a uma guerra civil.

    Por conta da ineficiência das forças armadas ucranianas, elas foram auxiliadas por grupos paramilitares neonazistas – como o Batalhão Azov – no combate à independência de Donetski e Loganski. Conflito que prossegue até os dias atuais.

    Inclusive, o ministro do interior ucraniano, Arsen Avakov, incorporou o Batalhão Azov à Guarda Nacional do país. Não por coincidência, partidos, grupos, movimentos e indivíduos de esquerda são perseguidos na Ucrânia.

    Os EUA financiavam – por meio de dinheiro, treinamento e armamento pesado – o novo governo ucraniano e esses “rebeldes” que lutavam pela “liberdade” e “democracia” contra a “tirania” russa.

    Em 2021, EUA e Ucrânia votaram contra a resolução da ONU que condenava a glorificação do nazismo. A razão é muito simples, mesmo que esses países não sejam propriamente neonazistas, eles sabem que num eventual processo de radicalização, os neonazistas serão sua tropa de choque.

    Crimes de ódio contra homossexuais e judeus só têm aumentado na Ucrânia nos últimos anos. O colaboracionista do nazismo durante a II Guerra Mundial, Stepan Bandera, foi alçado a herói nacional ucraniano.

    A guerra civil teoricamente teria fim com o Acordo de Minsk, estabelecido entre os governos ucraniano e russo. O primeiro não cumpriu o que prometeu e continuou a atacar as províncias independentes de Donetsk e Lugansk.

     

     

    Contribuição do Governo Zelensky ao Conflito (subtítulo)

     

    Desde que chegou ao poder, o atual presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, dissolveu o parlamento ucraniano, instigou guerra contra províncias independentes e pôs em prática uma política externa pró-Ocidente. O governante ucraniano foi encorajado por Joe Biden a ter a Ucrânia incorporada à OTAN.

    O que, inevitavelmente, por se tratar de um país que faz enorme fronteira com a Rússia, ao se sentir ameaçado, Putin deu início à guerra que todos estamos vendo.

    Putin tenta colar a pecha de que a população ou o Estado ucraniano é neonazista para legitimar o ataque. O que não é verdade. Entretanto, é inegável a forte influência que o neonazismo tem penetrado o Estado e a sociedade civil ucraniana.

    Não à toa, a neofascista bolsonarista, Sara Winter, diz ter sido treinada na Ucrânia. Manifestantes bolsonaristas exibem bandeiras ultranacionalistas ucranianas e dizem que vão “ucranizar” o Brasil.

    Putin não tem absolutamente nada de comunista ou progressista. Ele é membro do partido de direita Rússia Unida, com fortes relações com a Igreja Ortodoxa Russa. O governante russo é extremamente conservador nos costumes e avesso à causa LGBTQI+.

    Portanto, é absurdo argumentarem que Putin deseja recriar uma nova União Soviética a partir da guerra com a Ucrânia. Ele é um grande aliado da burguesia russa. É um contrassenso que a esquerda seja entusiasta do governo Putin.

     

    Em Defesa da Soberania dos Povos (subtítulo)

     

    Os verdadeiros democratas devem:

    1) se opor à guerra entre Rússia e Ucrânia.

    2) defender a não ingerência de EUA e Ocidente – por meio da OTAN – para coagir militarmente adversários políticos.

    3) prezar pela autodeterminação dos ucranianos que não se sentem representados pelo Estado nacional.

    Não podemos esquecer que nosso país também elegeu um presidente neofascista. Nem por isso podemos afirmar que nosso povo é fascista.

    Obviamente, na Ucrânia, o neonazismo está muito mais entranhado no Estado e sociedade civil do que por aqui.

    Entretanto, há uma grande parcela da população ucraniana que não coaduna com o fascismo e não é neonazista. Os verdadeiros democratas devem zelar pela vida da população vítima desse conflito.

     

    Meu nome é Célio Roberto Ribeiro de Andrade. Tenho 38 anos, nascido e criado na Vila Nova Cachoeirinha, periferia da zona Norte de São Paulo, reduto do samba paulistano. Sou formado em história e graduando de Relações internacionais pela Universidade Federal de São Paulo. Sou professor de história da rede Objetivo e educador popular dos cursinhos populares pré-vestibulare, Cursinho Livre da Norte e Cursinho Popular do Paraisópolis.

  • Crise dos Refugiados: De quem são as vidas que você não chora

    Por: Hanin Majdi Dawud Al Najjar

    Ao testemunhar as reações de comoção na cobertura midiática da Guerra entre a Rússia e Ucrânia, é evidente a atribuição de maior importância a algumas vítimas de guerra sobre outras, ocasião em que o horror da guerra tem sido tratado sob uma narrativa baseada em argumentos claramente racistas e xenofóbicos, delineados sob uma ideia de civilização com limites epidérmicos.

    Demonstrando forte senso de solidariedade com a Ucrânia, os discursos de condenação dos conflitos belicosos emitidos por diversos jornalistas ao redor do mundo têm carregado em seus relatos o uso da palavra “civilizado” para descrever a Ucrânia em contraste com países do Oriente Médio, em uma tendência característica do vocabulário do colonialismo.

    Expressões como “Eles se parecem tanto conosco”. É isso que o torna tão chocante. A guerra não é mais algo que atinge populações empobrecidas e remotas. Isso pode acontecer com qualquer um. São mensagens nas quais a distinção humanitária estabelece uma violenta lógica de exclusão ao retratar padrões duplos baseados em classe social, raça, etnia e nacionalidade, promovendo a implantação de uma hierarquia do luto.

    Por sua vez, é de se observar a amplitude das outras guerras em percurso, como o Iêmen, país há 11 anos mergulhado em uma devastadora crise humanitária que causou até o momento cerca 350 mil mortes, o deslocamento de 71% da população, bem como a insegurança alimentar de 5 milhões de pessoas. Estas sofrem desnutrição aguda, o que transforma esse conflito no que a ONU chamou de pior desastre humanitário do mundo.

    A guerra na Etiópia desencadeada em 2020 tem sido considerada uma das mais brutais do mundo com a exposição de sua população a assassinatos e estupros em massa. Nos últimos anos a radicalização do budismo no Estado de Mianmar promove a perseguição de uma minoria étnica muçulmana conhecida como Rohingya, as atrocidades desse genocídio incluem a utilização do estupro e a queima de pessoas vivas em praça pública como arma de guerra, um massacre incentivado pelo governo da região.

    O já abalado Haiti entrou em uma crise política que provocou uma guerra civil com fluxo generalizado de pobreza, deslocamento e violência.  Estima-se que a guerra na Síria dizimou 600 mil pessoas desde 2011 e forçou 13 milhões ao refúgio, além de deixar o país.

    O Afeganistão é um dos lugares mais mortíferos do mundo para mulheres e crianças. 2,7 milhões de afegãos foram forçados a fugir da guerra nos últimos 20 anos durante a guerra provocada pelos EUA.

    A limpeza étnica na Palestina liderada pela criação do Estado de Israel em 1948 e a substituição da população palestina por colonos de origem judaica já dura 74 anos e é marcada por um apartheid violento e um genocídio atroz que marca o número de 6 milhões de refugiados.

    A busca dessas populações por refúgio consiste no encontro com fronteiras fechadas, obstáculos que notadamente os ucranianos não encontraram em seu percurso, pois até seus animais de estimação vem recebendo mais apoio político e emocional no cruzamento de fronteiras do que qualquer cidadão da África ou Oriente Médio, os quais lidam com consequências tão mortais em sua permanência quanto em sua fuga da guerra ao encontrar bloqueio tanto por terra quanto por mar.

    A condição violável a qual certas vidas são expostas, bem como a repercussão do luto público demonstra uma discriminação aberrante e um mundo no qual a cor da pele é um passaporte.

  • Da Faixa de Gaza às favelas do Rio de Janeiro: Como Israel globaliza a experiência de terror

    Da Faixa de Gaza às favelas do Rio de Janeiro: Como Israel globaliza a experiência de terror

    Por: Hanin Majdi Dawud Al Najjar

    Mulher palestina,  mestre em corpo, esporte e sociedade pela UFPR e pesquisadora sobre Oriente Médio e pensamento decolonial.

    Regulando os poderes da vida e da morte através de termos forjados pela produção de fronteiras, confisco de propriedades e classificação de pessoas com base na raça e classe social, Israel vem protagonizando junto ao Brasil um símbolo de trocas globais entre as forças militares e policiais mais brutais do mundo.

    A criação do Estado de Israel no ano de 1948 em território palestino converteu um importante centro cultural árabe em um verdadeiro laboratório de desenvolvimento de tecnologia militar testada em corpos palestinos. No centro desse sistema habita o comércio militar da letalidade onde Israel se estabeleceu como o Estado mais militarizado do mundo e vem expandindo sua indústria assessorando a polícia, as forças armadas e agências de inteligência e segurança nacional em todo o mundo, seja através de suas empresas públicas ou privadas como, por exemplo, a ISDS (International Security, Defence Systems).

    Fundada por agentes secretos israelenses, essa empresa certificada e atuante sob as diretrizes do Ministério de Defesa de Israel, conquistou o direito de ser a encarregada pelo treinamento do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro (BOPE), estreando um pesado investimento em comando e controle. À essa mesma empresa foi atribuído o treinamento do Batalhão de Ferguson que matou covardemente Michael Brown, caso que ficou conhecido por dar origem ao movimento “Black Lives Matter”.

    As empresas israelenses têm se transformado no principal fornecedor de armas e treinamento para os policiais militares do Brasil desde o ano 2000, sistematizando os programas de treinamento. Nesse período as expressões “desproporcionalidade da repressão” e “uso desproporcional da força” se tornam mais frequentes no vocabulário político.

    Desde então observamos fatos como a adoção da kufiyah como acessório parte do uniforme do Bope durante operações de combate nas favelas do Rio de Janeiro, tal acessório trata-se de um lenço símbolo da luta e resistência da Palestina, seu uso indiscriminado levantou críticas internacionais que apontaram esse cenário como um desrespeito aos laços culturais palestinos e um abuso do subconsciente islamofóbico que associa árabes à violência.

    O Brasil é um dos principais compradores de tecnologia e treinamento militar israelense. Durante as olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, um muro foi construído segregando o conjunto de favelas da maré, similar ao empreendimento colonial construído em Gaza. Esse muro foi levantado sob a presença da ISDS no Brasil através de um contrato oficial com o comitê organizador dos Jogos Olímpicos numa tentativa de estender um contrato de 2.2 bilhões assinados entre Israel, o Comitê Olímpico e o governo brasileiro. Nesse período, o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU divulgou relatório acusando a Polícia Militar brasileira de matar crianças em situação de rua com o objetivo de “limpar a cidade”, brutalidade amplamente utilizada contra a infância palestina sujeita a mutilação e massacre.

    Em resposta movimentos sociais brasileiros e palestinos organizaram em 2016 uma marcante conferência no Rio de Janeiro pedindo embargo militar contra Israel e obtendo como resultado o impedimento da atribuição total da segurança dos Jogos Olímpicos ao Estado de Israel, criando o Movimento “Jogos Olímpicos sem Apartheid”, ao mesmo tempo em que estreitava laços entre as favelas do Rio de Janeiro e a Palestina, ambas assombradas pelas operações sistemáticas de terror conduzidas por máquinas de guerra estatais.

    Em treinamento organizado pela embaixada de Israel no Panamá em 2012, circularam fotos de alvos caracterizados com roupas árabes representando mulheres muçulmanas e homens vestidos de kufiyah como símbolos de ódio e perseguição. Essas operações testadas em território palestino fornecem treinamento para militares e policiais de todo o mundo que inclui “tiro na cara” e “na nuca”, defendendo abertamente as execuções extrajudiciais com lógicas abertamente raciais, especialmente nas favelas brasileiras.