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Uma análise dos cenários possíveis
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
Viveremos em 2022 uma eleição icônica. Estarão presentes três (ao menos) líderes carismáticos, todos representando parcelas importantes da sociedade brasileira, nenhum, entretanto, representando nada de novo.
O primeiro, um líder popular, cuja narrativa para a campanha vem com a potencia de ter sido preso para evitar que fosse candidato na última eleição presidencial. Diga-se de passagem, que foi preso pela articulação dos dois outros grupos que irão para o embate. O segundo, atual mandatário da nação, também líder carismático, na semântica maquiavélica, virá de um processo de desconstrução de seu discurso da campanha anterior, pela própria constatação da realidade. Porém terá força no discurso para a base de seguidores que não tem interesse no conteúdo da narrativa, mas tem aversão à possibilidade do retorno do primeiro líder, mencionado anteriormente. O último (por enquanto), é o príncipe fidalgo, que representa a parcela que articulo-se para inviabilizar a candidatura do primeiro líder, porém rompeu com o segundo após as sistemáticas indisposições na consecução da agenda liberal conservadora.
No cenário padrão, cada uma dessas forças tem algo entre 20% e 30% dos votos, deixando de 40% a 10% dos votos em disputa. Sinaliza para um primeiro turno de muito embate e pouca cordialidade, possivelmente nenhuma discussão sobre projetos de longo prazo para o país. O segundo turno, será uma eleição completamente diferente, porque de um lado haverá a discussão entre os resultados da gestão do primeiro líder contra o fracasso dos resultados do segundo. Isso levará a discussão para o campo da escolha entre os conjuntos ideológicos de cada um, sob uma aparente escolha de qual grupo é menos corrupto. A outra alternativa possível é o embate entre o primeiro líder e o terceiro, onde a narrativa de ambas as partes muito possivelmente será um revisitar do embate jurídico vivenciado por ambos. No terceiro e último cenário combinatório, estarão frente a frente o presidente e o ex-ministro, que terão que revelar seus bastidores e vísceras para capturar os votos de uma esquerda que estará dilacerada pela ausência de seu líder na disputada do segundo turno.
Nenhum dos cenários é alvissareiro para o país, pois esse irá enfrentar uma conjuntura econômica e social draconiana em 2023. Com inflação descontrolada, crise social e desconfiança política, a governabilidade passará pela negociação com o legislativo. Esse terá um forte peso da concentração partidária e movimentos de troca que estão ocorrendo nesse instante. O país passa por uma desconstrução simultânea tanto das práticas liberais quanto das estruturas de proteção social. Soma-se a isso a incapacidade atual da gestão e manter a máquina pública operando minimamente em “velocidade de cruzeiro”, isso significa que as pioras nos indicadores econômicos e sociais demandarão um significativo esforço “apenas” para retomar os patamares anteriores.Nesse cenário, qualquer um dos três líderes terá que apresentar um projeto de longo prazo concreto e factível, que irá certamente demandar um arcabouço legal e regulatório que o sustente.
Um dos líderes demonstrou anteriormente sua capacidade de gestão e articulação, entretanto, a perspectiva de permanência dele no poder levou a uma resposta de grupos sociais que tiveram capacidade de inviabilizar sua continuidade. O segundo líder, demonstrou, por sua vez, incapacidade administrativa e de proposição de uma agenda clara para o país. Nas tentativas de implementar ações de sua agenda liberal conservadora, a inabilidade política teve um custo elevado e resultado pífios. O terceiro é uma incógnita administrativa, não tendo demonstrado objetivamente resultados em sua curta passagem pelo executivo. A articulação política também não é um ponto forte de sua possível gestão, visto que a base de seu discurso confronta diretamente os interesses do grupo político conhecido com “centrão”. Muitos deles acusados criminalmente por esse terceiro líder.
O risco para a primeira liderança é de assumir em um cenário de destruição tamanha, que a fragilidade social obrigue-o a medidas altamente impopulares, e a pressão dos grupos derrotados (como ocorreu em 2014 e 2018) inviabilizem a articulação política. Nesse cenário os custos dos resultados pode destruir a base de apoio popular que estará altamente pressionada pela fome e pela inflação. O remédio conhecido é a alta na taxa de juros, que irá canalizar ainda mais os recursos do setor produtivo para o setor financeiro. O impacto será profundo sobre a concentração de renda no país e irá dificultar sobremaneira a condução de políticas sociais e investimentos.
O risco para a segunda liderança é vencer, dando continuidade ao seu próprio governo, que está implementando políticas altamente populistas, com impacto programado para 2023, em um cenário de alto risco, pois no caso de resposta fraca da economia no retorno da atividade pós pandemia, não haverá espaço fiscal para reverter o ciclo de inflação e estagnação econômica. O risco é de ter um longo período de incredulidade fiscal, somado a indicadores macroeconômicos negativos e uma forte pressão social relaciona da fome e inflação.
O terceiro líder tem como riscos a necessidade de arregimentar um conjunto de técnicos e gestores para a imensidão de posições dentro da máquina pública. E essa indicação depender fortemente dos quadros que hoje estão associados aos mesmos políticos que foram objeto de seus ataques em prol da moralidade. Nesse contexto, a incapacidade de apresentar um projeto claro de governo irá esvaziar a capacidade de indicação técnica para o governo e restando o seu loteamento em busca de governabilidade, reproduzindo por sua vez o modelo que terá sido amplamente criticado durante a campanha. Resta ainda como risco importante para esse candidato a líder, que ele expresse efetivamente os 20% a 30% que tem de potencial.
Me afastando um pouco do possível, partindo para o desejável. Gostaria de ver nas próximas eleições um programa de longo prazo para o país, tendo como foco a resolução dos problemas sociais, especialmente aqueles que assolam a população mais pobre, como a fome e a inflação. Nenhum dos líderes conseguirá reverter os resultados no intervalo de 4 anos, mas possivelmente alguns deles poderão agravar ainda mais a crise. Não consigo avaliar ainda a extensão de um agravamento das condições sociais que podem ocorrer após 2023. Por vezes, o país tem apresentado indícios de estar à beira de confrontos localizados entre a própria população. O governo federal, inclusive, tem instigado a criação desses momentos de “teste de estabilidade” social. Geralmente, recuando no momento final e deixando o estado de incerteza pairando no ar. Nesse sentido, já tenho minha opção entre os líderes postos, ainda restando alguma indeterminação com relação a se teremos efetivamente eleições convencionais.
Dentro desse cenário menos provável, ainda existe a possibilidade do desgaste econômico e social se agravar rapidamente durante o primeiro semestre de 2022, de maneira que só reste ao governo o exercício do discurso de ruptura que é testado frequentemente. E claro, resta sempre o imponderável, pois o Brasil é um país complexo e certamente minha capacidade cognitiva limitada não é capaz de antever todos os contextos possíveis. Mas do que é possível avaliar até o momento, temos um longo trabalho pela frente à partir de 2023, para construir efetivamente um país melhor.
Eu gostaria muito de uma nova liderança, especialmente uma que não representasse o velho homem branco, cisgênero e cristão. Mas é ele que está representado nos três potenciais candidatos da liderança brasileira de 2023. Precisamos pensar o futuro e colaborar para o surgimento de diferentes tipos de liderança. Precisamos ir além do vórtice autodestrutivo que ingressou a território latino-americano e para isso precisamos de ideias e valores diferentes daqueles propostos pela atual conjuntura. Se queremos construir um continente verdadeiramente unido, precisamos também de lideranças que sejam capazes de realizar essa articulação.
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DÁ COLONIZAÇÃO DOS ALIMENTOS À COLONIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
Nossa ancestralidade guarda profunda relação com como nos alimentamos. A origem de nossa nutrição, forma como a obtemos, preparamos e consumimos diz muito sobre nossa cultura. Nesse sentido, a colonização sul-americana é marcada tanto pela usurpação de produtos como o milho e a batata, que tanto serviram à expansão e manutenção humana como a conhecemos, quanto pela introdução de hábitos alimentares estranhos que, além de dissociar o latino-americano de sua cultura, ainda introduziu provisões calóricas de maneira inadequada que levaram contingentes inteiros da desnutrição direto para a obesidade.
A contemporaneidade, trouxe um paralelo interessante entre a nutrição alimentar e a aquisição e consumo de informação. Nela, talvez, resida a nova forma de dominação que os territórios colonizados vivenciam.
No livro “A Dieta da Informação: uma Defesa do Consumo Consciente, de Clay A. Johnson, essa comparação é feita. O autor aponta que o ser humano moderno gasta 11 horas do seu dia em consumo constante de informação. Não apenas se alimentando, mas devorando informações continuamente expelidas pelos eletrônicos de que tanto se gosta. Desta forma, segundo o autor, da mesma forma que podemos nos tornar morbidamente obesos de tanto ingerir açúcar, gordura e farinha, também nos transformamos em glutões de textos, mensagens instantâneas, e-mails, feeds RSS, downloads, vídeos, atualizações e tuítes.
Ele conclui por apontar que o ser humano moderno enfrenta uma tempestade de distrações, sendo bombardeados por notificações ininterruptas e tentados por pequenas doses de informações apetitosas. Assim, da mesma forma que o excesso de alimentos pouco saudáveis pode resultar na obesidade, muita informação sem conteúdo pode facilmente nos tornar ignorantes.
Para os latino-americanos, esse risco é ainda maior, porque pode tornar-se ignorante e “obeso” de informações que sequer são de seu contexto ou reflitam sua cultura. Como o cacau que sai da Bahia para tornar-se chocolate na indústria suíça, e retorna despersonificado para consumo em uma população ribeirinha, no Pará, que mal tem água tratada, mas que rapidamente torna-se obesa pelo consumo “fácil e acessível” de produtos hiper processados. O resultado negativo ficará para o Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto os lucros serão repatriados para o paraíso fiscal mais vantajoso.
Paralelamente, o mesmo fenômeno ocorre com a informação, pois as plataformas de redes sociais de capital internacional pouco ou nada se importam com quem consome maciçamente suas informações, desde que contabilize em grande número sua interação e possa manter os vultosos contratos publicitários de que dependem. O engordamento do latino-americano não se dá ao mesmo tempo que a distribuição dos lucros extraordinários que essas inovações proporcionam.
É fundamental discutir nossos hábitos de consumo, especialmente se pretende-se recuperar os valores de vida saudável e feliz que nossos ancestrais valorizavam. A colonização do pensamento é ainda mais nefasta que a colonização alimentar (embora venham juntas e interrelacionadas). É preciso combatê-la pelo resgate do conteúdo e da diferenciação entre o que pertence ao nosso contexto cultural e o que não pertence.
A velocidade do consumo da informação, assim como a velocidade no consumo de calorias, só resulta em malefícios para corpo e mente.
Não é indiferente consumir 100 calorias de abacate plantado no território, e 100 calorias de chocolate produzido pela indústria multinacional. Não só pela natureza da nutrição, mas também pelo que representa o acesso a cada um desses tipos de produto. Igualmente, não é igual consumir 100 bytes de informação produzida pelo jornalista ou autor local e consumir 100 bytes enviados pelo robô de inteligência artificial do Facebook. Cada um representa um contexto de acesso muito diferente.
A colonização alimentar e de pensamento são as formas de dominação permanente que nós latino-americanos precisamos questionar de maneira permanente e aguerrida. Só pela produção local de alimentos e informações, mesmo que inseridas em uma perspectiva global é que poderá nos tornar realmente uma região livre e atuante.
Os movimentos atuais de desinformação, que levaram a humanidade da pós-verdade, para a não-verdade, têm suas raízes na colonização alimentar (entre outras). Desde que nos convenceu que a “batata francesa” ou o “milho da Monsanto” nunca nos pertenceu. E que graças à indústria e a colonização tivemos acesso a essas iguarias que hoje tanto consumimos.
Pela outra frente de batalha, a desinformação vem introduzir em nossos viciados por informação, obesos de pensamentos vazios, uma colonização que propõe que os latino-americanos não tem espaço na geopolítica internacional, que devem apenas aguardar passivamente os contramovimentos conservadores que chegam em profusão pelas redes sociais. Dele decorre que os líderes arrogantes, pseudo-liberais e conservadores dos hábitos de misoginia, xenofobia e beligerância, são parte de um processo natural. Dele não poderíamos escapar, pois é o acesso que os colonos permitem, com sua potência financeira e institucional.
Ledo engano, a américa-latina é, em muitos casos, o berço desses hábitos e nesse resgate reside a força para a luta. A retomada da consciência sobre a ancestralidade comum, sobre as divergências e principalmente para quais os rumos para uma identidade comum, é o caminho para a descolonização e para o exercício total da potência dos povos latino-americanos!
Sejamos saudáveis no consumo de alimentos e informações e vamos reconstruir nossas relações com essas dimensões de nossas vidas para realizar de fato um projeto comum de felicidade!
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DE LA COLONIZACIÓN DE ALIMENTOS A LA COLONIZACIÓN DE LA INFORMACIÓN
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
Nuestra ascendencia está profundamente relacionada con la forma en que comemos. De dónde proviene nuestra nutrición, cómo la obtenemos, preparamos y consumimos dice mucho sobre nuestra cultura. En este sentido, la colonización sudamericana está marcada tanto por la usurpación de productos como el maíz y la papa, que sirvieron tanto para la expansión y el mantenimiento humano como lo conocemos, como por la introducción de hábitos alimenticios extraños que, además de disociar el Latinoamericana de su cultura, incluso introdujo provisiones calóricas inadecuadas que llevaron a contingentes enteros de la desnutrición directamente a la obesidad.
La contemporaneidad ha traído un interesante paralelismo entre la nutrición alimentaria y la adquisición y consumo de información. En él, quizás, reside la nueva forma de dominación que experimentan los territorios colonizados.
En el libro de Clay A. Johnson The Information Diet: A Defense of Conscious Consumption, se hace esta comparación. El autor señala que los seres humanos modernos dedican 11 horas de su día a un consumo constante de información. No solo alimentarse, sino devorar información continuamente expulsada de los dispositivos electrónicos que tanta ama. Así, según el autor, así como podemos volvernos obesos mórbidos por ingerir azúcar, grasas y harinas, también nos volvemos glotones de textos, mensajería instantánea, correos electrónicos, feeds RSS, descargas, videos, actualizaciones y tweets.
Concluye señalando que el ser humano moderno se enfrenta a una tormenta de distracciones, siendo bombardeado por notificaciones sin parar y tentado por pequeñas dosis de información apetitosa. Entonces, así como un exceso de alimentos poco saludables puede resultar en obesidad, demasiada información sin contenido puede fácilmente hacernos ignorantes.
Para los latinoamericanos, este riesgo es aún mayor, porque pueden volverse ignorantes y “obesos” de información que ni siquiera pertenece a su contexto o refleja su cultura. Como el cacao que sale de Bahía para convertirse en chocolate en la industria suiza, y regresa despersonalizado para el consumo en una población ribereña de Pará, que apenas tiene agua tratada, pero que rápidamente se vuelve obesa por el consumo “fácil y accesible” de productos hiperprocesados. El resultado negativo será para el sistema local de salud mientras que las ganancias serán repatriadas al paraíso fiscal más ventajoso.
Al mismo tiempo, ocurre el mismo fenómeno con la información, ya que las plataformas de redes sociales con capital internacional poco o nada se preocupan por quién consume masivamente su información, siempre que den cuenta de una gran cantidad de sus interacciones y puedan mantener los enormes contratos publicitarios en de los que dependen. El engorde del latinoamericano no ocurre al mismo tiempo que el reparto de los extraordinarios beneficios que brindan estas innovaciones.
Es fundamental hablar sobre nuestros hábitos de consumo, sobre todo si pretendemos recuperar los valores de una vida sana y feliz que valoraban nuestros antepasados. La colonización del pensamiento es incluso más dañina que la colonización por alimentos (aunque se unen e interrelacionan). Es necesario combatirlo recuperando el contenido y la diferenciación entre lo que pertenece a nuestro contexto cultural y lo que no.
La velocidad del consumo de información, así como la velocidad del consumo de calorías, solo resulta en daño para el cuerpo y la mente.
No es indiferente consumir 100 calorías de aguacate sembrado en el territorio, y 100 calorías de chocolate producido por la multinacional. No solo por la naturaleza de la nutrición, sino también por lo que representa el acceso a cada uno de estos tipos de productos. Asimismo, consumir 100 bytes de información producida por el periodista o autor local no es lo mismo que consumir 100 bytes enviados por el robot de inteligencia artificial de Facebook. Cada uno representa un contexto de acceso muy diferente.
La colonización de alimentos y pensamientos es la forma de dominación permanente que los latinoamericanos debemos desafiar de manera permanente y feroz. Solo a través de la producción local de alimentos e información, incluso si se inserta en una perspectiva global, puede realmente convertirnos en una región libre y activa.
Los actuales movimientos de desinformación que han llevado a la humanidad de la posverdad a la mentira tienen sus raíces en la colonización de alimentos (entre otros). Desde que nos convenció de que la “papa francesa” o el “maíz de Monsanto” nunca nos pertenecieron. Y que gracias a la industria y la colonización tuvimos acceso a estos manjares que tanto consumimos hoy.
En el otro frente, la desinformación introduce en nuestros adictos a la información, obesos con pensamientos vacíos, una colonización que propone que los latinoamericanos no tengan espacio en la geopolítica internacional, que simplemente esperen pasivamente los contramovimientos conservadores que llegan profusamente por las redes sociales. De ello se desprende que los líderes arrogantes, pseudoliberales y conservadores con hábitos de misoginia, xenofobia y beligerancia son parte de un proceso natural. No podíamos escapar de ella, ya que es el acceso que permiten los colonos, con su poder financiero e institucional.
Un error, América Latina es, en muchos casos, la cuna de estos hábitos y en ese rescate radica la fuerza para la lucha. ¡La reanudación de la conciencia sobre el ancestro común, sobre las divergencias y especialmente hacia los caminos hacia una identidad común, es el camino hacia la descolonización y hacia el pleno ejercicio del poder de los pueblos latinoamericanos!
¡Seamos saludables en el consumo de alimentos e información y reconstruyamos nuestras relaciones con estas dimensiones de nuestra vida para llevar a cabo un proyecto común de felicidad!
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LA REVOLUCIÓN BRASILEÑA II O cómo los hambrientos matarán al neoliberalismo
Por: Felipe Mongruel
Los brasileños somos conocidos en todo el mundo por ser alegres, bailarines y grandes tamborileros. Además de ser caipirinistas y maestros de la “embassadinha”, se nos atribuye este pecado de “fanfarrones” porque ganamos mucho dinero con el tráfico de cocaína, con la prostitución infantil y con los regateadores flacos que van a Europa como productos del gran capital. Léase: 39kg de cocaína en el avión presidencial, niños de 12 años prostituyéndose en la costa de Maceió y el ridículo del presidente Bolsonazi en una foto con el pastoso Neymar.
Mientras todo esto sucede, millones de personas pasan hambre y revuelven la basura en el Brasil del “puente al futuro”. He dicho decenas de millones que van a la cloaca de la burguesía que, con sus discursos cínicos y llenos de hipocresía venden huesos de buey para comerse a las clases bajas.
Fundieron la investigación en Brasil, fundieron los recursos naturales, fundieron los empleos y los trabajadores y ahora, a un año de las elecciones presidenciales, los fiscales y el juez que encarcelaron al mayor brasileño vivo, Luis Inacio Lula da Silva, declaran que van a entrar en política. Se van a tirar a la sartén de la democracia creando agendas limpias y malolientes. Brasil no está limpio ni huele bien. La vida humana huele a sangre y la democracia está pintada del mismo color.
Ha llegado el momento de combatir los brioches que intentan hacernos tragar, sin siquiera existir, con el mismo condimento. Ha llegado el momento de llamar a las clases progresistas del país a defender sus vidas y las de los demás con el mismo poder con el que encarcelaron a Lula o destituyeron a Dilma.
No veo otra forma que una bofetada a mano abierta a estas basuras de cuello blanco que se venden como los guardianes contra la corrupción. Son mentirosos descarados que utilizan sus privilegios como medio para una nueva esclavitud. Se trata de Auxilio Brasil. Otro escándalo de esta gente que terminó con un proyecto de política pública -Bolsa Familia- para realizar un acto electoral de esclavitud social.
En el Brasil apocalíptico, de las fakenews y del patetismo de la extrema derecha, es el neoliberalismo aplastante el que manda. Y es esto lo que debe ser asesinado. El neoliberalismo asfixiante.
No hay lugar para acumular más capital en manos de unos pocos. No hay lugar para poner a tanta gente hambrienta y sin trabajo. No hay lugar para más yates sin impuestos y arroz y frijoles a 30 reales. No hay lugar para que los ricos digan a los pobres cómo deben comportarse. Ya no hay lugar para que los blancos digan para qué sirven los negros o para que los hombres digan dónde deben estar las mujeres y cómo deben vestir.
Ya no hay lugar para el capitalismo, ha llegado la hora de un experimento socialista en tierras tupiniquim. El resto es salud.
Marchemos por la división de la riqueza entre todos los brasileños. Y que Marx y Lampião nos ayuden.
Traducción realizada con la versión gratuita del traductor www.DeepL.com/Translator
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DA REVOLUÇÃO A BRASILEIRA II Ou como os famintos degolarão o neoliberalismo
Por: Felipe Mongruel
Nós brasileiros somos conhecidos mundialmente como alegres, dançarinos e ótimos batuqueiros. Além de fazedores de caipirinha, mestres em embaixadinha, nos atribuem essa pecha de “fanfarrões” porque ganha-se muito dinheiro com o tráfico de cocaína, com a prostituição infantil e com magricelos dribladores que vão pra Europa como produtos do grande capital. Leia-se: 39kg de cocaína no avião presidencial, garotos de 12 anos que se prostituem na orla de Maceió e o ridículo presidente Bolsonazi em foto com o pastoso Neymar.
Enquanto tudo isso acontece, milhões de pessoas passam fome e reviram lixo no Brasil da “ponte pro futuro”. Eu disse dezenas de milhões que vão pro esgoto da burguesia que, com seus discursos cínicos e cheios de hipocrisia vendem ossos de boi a comer as classes mais baixas.
Derreteram a pesquisa no Brasil, derreteram os recursos naturais, derreteram os empregos e os trabalhadores e agora, há um ano da eleição presidencial os promotores e o juiz que prendeu o maior brasileiro vivo, Luis Inacio Lula da Silva, declaram que vão entrar pra política. Vão se jogar na frigideira da democracia parindo pautas limpinhas cheirosas. O Brasil não é limpinho e cheiroso. A vida humana tem cheiro de sangue e a democracia é pintada com a mesma cor.
Chegou a hora de combatermos os brioches que tentam nos fazer engolir, sem mesmo que existam, com o mesmo tempero. Chegou a hora do chamamento as classes progressistas do país que defendam suas vidas e as demais com a mesma potência com que eles encarceram Lula ou retiraram Dilma.
Eu não vejo a outra forma que não o tapa na cara de mão aberta desses pulhas do colarinho branco que se vendem como os guardiões contra a corrupção. Mentirosos deslavados, fazem do uso de seus privilégios os meios para a nova escravização. Que ganha o nome de Auxilio Brasil. Outra patifaria desses sujeitos que acabaram com um projeto de politica pública- Bolsa Familia- para fazerem um ato eleitoral e de escravagismo social.
No Brasil apocalíptico, da fakenews e do patetismo da extrema-direita quem manda é o neoliberalismo avassalador. E é ele quem deve ser assassinado. O neoliberalismo sufocante.
Não há lugar pra acumular mais capital na mão de poucos. Não há lugar pra botar tanta gente faminta e sem emprego. Não há lugar pra mais iates sem impostos e arroz e feijão a 30 reais. Não há mais lugar pra rico dizer como pobre deve se portar. Não há mais lugar pra branco dizer qual preto presta ou lugar pra homem dizer aonde a mulher deve ficar e como se vestir.
Não há lugar mais pro capitalismo, chegou a hora de uma experiencia socialista em terras tupiniquins. O resto é saúde.
Marchemos pra divisão das riquezas entre todos os brasileiros. E que Marx e Lampião nos ajudem.
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O touro dourado de São Paulo: a estética é importante, porra!
Por: Vinícius Carvalho
Elite é cafona, ponto. Elite é cafona na Europa, na Oceania, na Ásia, na África, nas Américas, na Antártida e suponho que até no Inferno deve ser brega. Nada mais horroroso do que aqueles cabelos rococós da França e Inglaterra de outrora; nada mais horroroso e esdrúxulo que Mônaco e Ibiza. Se eu começar a falar de Estados Unidos então, fudeu.
Eis aí nossa miséria, eis a nossa desgraça de país colonizado. Me permitam falar uma vez sem os rigores que a formação de história me exigem, esse texto será um papo de botequim com alguma fundamentação.
Os coroas costumavam falar que o Brasil jamais deixou de ser colônia. Trocamos Portugal por Inglaterra e depois Estados Unidos. Nossas elites republicanas locais se inspiravam, primeiro, nas elites francesas, no falar, no agir, na arquitetura e depois nos EUA.
A questão é que elite nasceu para ser algo feio porque operam no exagero e na opulência. E é aí que estética opera na esfera política, e não falo isso de brincadeira, Benjamin, o Walter, por exemplo, alcunhou o nazismo e o fascismo de “esteticização da política”.
Não é por menos que todo o processo de radicalização à extrema-direita que se deu no Brasil foi acompanhada de um brutal aparato estético. Uma cultura de exageros nos símbolos, cores nacionais e tendo a tosquice imagética e cultural (na arte, na música, na entonação de voz, nos programas de TV, na religiosidade, humor, etc) como método de comunicação popularesca.
Essa simbiose entre a estética do horrível, do péssimo, do feio, do deplorável, do canceroso, operou como suporte sentimental e alicerce de sustentação para a luta de classes às avessas que o neoliberalismo operou no Brasil.
Sim, uma sociedade hiper-consumista, com trabalhadores jovens ganhando pouco mais de um salário mínimo se endividando para comprar combos de vodka com energético que custavam metade de seus salários, nas quintanejas da vida; meninos da classe C sonhando com camaros amarelos e playboys querendo virar empreendedores e exploradores do próximo, operaram um arcabouço de significados que ajudou a desaguar no bolsonarismo.
Este lamaçal atinge níveis insuportáveis na inauguração do horroroso Touro de Ouro, no Centro de São Paulo, representando a “pujança” da Bolsa de Valores, e vem ao mundo no mesmo dia em que é noticiado que apenas 21% das crianças brasileiras conseguem fazer três refeições diárias.
As bases estéticas são fundamentais para a construção de uma sociedade próspera do zero e não é exagero. Mas então, afinal, qual é o oposto dessa estética do absurdo? O contrário do exagero é a igualdade. Diferente do que querem nos convencer os capitalistas, não é a acumulação que enriquece uma nação, é a equidade e a confiabilidade.
Nossa classe-média quer se inspirar na elite, e esta, por sinal, quer se inspirar naquilo que eles acham que representam a elite de outros países. Porém, muitas das vezes, essas nações da matriz capitalista querem vender para a própria população uma ideia de que são “países de classe média”, ou seja, a romantização de um padrão de vida de vicissitudes urbanas, cosmopolitas e relativamente modestas, é também dominação econômica.
Certa vez tentei me debruçar sobre o que era o tal “minimalismo escandinavo”, porque aquilo estava sendo tão falado seja na moda, seja na arquitetura, e, ao pesquisar vi que o tema era mais profundo e abrangente do que aparentava e muito diferente dos usos que o mercado brasileiro estava fazendo do termo. Por aqui, tentaram transformar minimalismo em luxo: o oposto da ideia original, onde minimalismo simbolizava igualdade, processo histórico de superação da pobreza, beleza, simplicidade e design de ponta acessível a todos.
Os países escandinavos continentais – Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia (este último “fino-escandinavo”, por ter uma origem étnica e linguística diferente dos demais) – foram nações muito pobres na primeira metade do século XX. De raiz histórica igualitária, adentraram o século fortemente influenciados por partidos de esquerda e organizações sindicais. Apesar a economia deplorável, já debatiam com certa vanguarda um sistema penal mais garantista e relativa liberdade sexual, comportamental bem como viviam preceitos de igualdade de gênero já avançados para o período no ocidente.
Em 1933, Aksel Sandemose, um autor de nacionalidade norueguesa e dinamarquesa, escreveu um romance chamado “En flyktning krysser sitt spor”, que em tradução pobre significa algo como “Um refugiado cruza o caminho”. Nesta obra que metaforiza a localidade onde ele nasceu e que seria um símbolo de toda aquela sociedade, Sandemose, passa para o papel um sentimento socialmente reproduzido no cotidiano, as “Leis de Jante”.
Tais leis não eram leis reais, e sim uma espécie de comportamento, onde o êxito de uma pessoa acima das demais era visto como reprovável. Numa sociedade onde todos se conhecem e praticamente inexiste o anonimato requer compostura e moderação (todas as contas bancárias e cadastros de pessoa física eram abertos para a comunidade até bem pouco tempo nestes países). Uma sociedade que respeitava a individualidade, as liberdades e fetiches de cada um, porém sem maiores segredos e coisas a esconder.
Sandemose numerou em 10 as Leis de Jante, onde “nós” significa a sociedade ou a comunidade e formam o chamado “Escudo de Jante dos povos escandinavos”, são elas:
1. Você não pensará que é especial.
2. Você não pensará que está no mesmo patamar que nós.
3. Você não pensará que é mais inteligente que nós.
4. Você não imaginará que é melhor que nós.
5. Você não pensará que sabe mais que nós.
6. Você não pensará que é mais importante que nós.
7. Você não pensará que é bom em alguma coisa.
8. Você não rirá de nós.
9. Você não pensará que nós nos importamos consigo.
10. Você não pensará que pode nos ensinar alguma coisa.É ou não é o oposto do Touro de Ouro? Mas tudo bem, essa sociedade também tem lá suas chagas.
No pós-guerra, afundados na pobreza, foi fácil nessas nações criar um consenso em torno de uma cultura cotidiana de que apenas seriam prósperos se fossem minimalistas e austeros nos costumes, onde a beleza fosse acessível e capilarizada para toda a sociedade.
Daí casas modestas e parecidas, com móveis simples, poucas variações de cores e sobriedade arquitetônica; roupas lisas, básicas e, no geral, de coloração em peças únicas. Uma camisa amarela era apenas uma camisa amarela, uma calça jeans era apenas uma calça jeans. Roupas femininas que valorizavam não o corpo e as curvas de cada uma, mas que abrangesse e desse autoestima para os diferentes corpos de todas as mulheres.
Da simplicidade, de móveis, decoração e vestimentas, a variação e excelência vieram na forma e na beleza dos cortes, designs e na organização dos espaços. O minimalismo por lá operou uma estética oposta à estética nazifascista por um lado, e oposta à hiper-consumista e aprofundadora do fossos sociais, do outro lado, como nos Estados Unidos.
Essa estética de igualdade e sobriedade ajudou a formar uma classe-média paciente, conformada com as altas e progressivas cargas tributárias necessárias para a redistribuição de renda, a compartilhar serviços públicos e aprofundar o investimento em soberania tecnológica, fundos econômicos soberanos e soft power.
No Brasil, o oposto assimétrico com as Leis de Jante, é a Lei de Gérson. Deem uma olhada no google.
Enquanto Bolsonaro – o liberal anti-iluminista e representante-mor da Lei de Gérson – está ostentando em Dubai e seus asseclas cafonas, fodidos, imorais, feios, sarcásticos e violentos inauguram o ridículo novo símbolo do horror social, o Touro de Ouro, Lula – o nosso verdadeiro Homem de Jante – chamado de comunista pela direita brasileira, foi para a Europa fazer a lição de casa do capitalismo. Falou em Estado Nação, tecnologia, soberania nacional, ecologia, economia, desigualdade e retomada da confiabilidade.
E quem não me deixa mentir é o maior filósofo do capitalismo:
“A totalidade das pessoas comuns e dos agentes econômicos em particular supõem de forma equivocada que a riqueza de um Estado é medida pelos bens materiais, naturais e manufaturados, que possui. Nada poderia estar mais errado. A maior riqueza de uma nação é a confiança.” – Adam Smith, A Riqueza das Nações.
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O lixão precisa de democracia radical
Por: Fernando Eurico Lopes Arruda Filho
Foto: João Paulo Guimarães
Do sitiamento à democracia radical e participativa: mecanismos de visibilidade para a comunidade do lixão de Pinheiro/MA
Este artigo decorre de uma demarcação espacial condizente ao município de Pinheiro-MA, Brasil, local onde este pesquisador desenvolve a profissão de Defensor Público estadual. Aliando sua atividade profissional com a acadêmica, deparou-se com um grupo hipervulnerável, a comunidade de catadores/recicladores do lixão pinheirense, e partiu-se da ideia de como fazer esse agrupamento ser ouvido pelas instituições públicas e privadas.
Este pesquisador foi ao “centro nervoso” do lixão e verificou, como seus próprios olhos, a total miséria humana. A degradação em todos os sentidos. Uma dignidade humana vilipendiada pelos açoites mais cruéis do descaso público. Feito um vídeo chocante com imagens impactantes em que este pesquisador aparece “inflamando” a comunidade a participar de uma audiência pública, colocou-se em pauta um problema em que a sociedade deixou invisível.
A partir desse contexto, este pesquisador, como Defensor Público, lançou mão de um mecanismo legal de participação popular: a audiência pública. Com ampla divulgação popular e midiática, dramatizou-se e tematizou-se o problema, tornando-se agenda pública na cidade. O intuito inicial é a constituição de uma associação civil sem fins lucrativos dos catadores.
A preocupação filosófica é como um ancoramento na filosofia de Jürgen Habermas e no pensamento de Boaventura de Souza Santos poderia ser o ponto de partida para sair-se de um sitiamento para a efetivação de políticas públicas em favor daquele grupo.
A hipótese aventada por este pesquisador é que essa comunidade tem que se inserir no processo democrático discursivo na perspectiva do mundo da vida, o qual é formado pela esfera pública (instituições que promovem a socialização, integração social e reprodução cultural) e privada, através de um discurso pragmático-argumentativo na esfera pública como recurso para uma socionormatividade, com a finalidade de exigir uma série de políticas públicas.
Levando em consideração o pensamento sociopolítico habermasiano, uma determinada comunidade social, como é o caso do lixão de Pinheiro-MA, pode utilizar argumentos pragmáticos e ético-políticos para fazer valer suas aspirações, dando ensejo à exigência de efetivação daquilo que já consta em regras jurídicas, tal como a Lei 12.305/2010 (Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos), assim como à criação de outras normas que acomodem suas pretensões.
Para se alcançar a emancipação, ultrapassando o simples sitiamento, é que deve surgir uma prática comunicativa do entendimento linguístico com poder socionormativo. É nesse particular que a audiência pública tem o seu poder de congregação de participação popular.
Habermas se expressa quanto à atitude comunicativa nestes termos[2]:
Tudo o que é dito em atitude comunicativa acaba se referindo à verdade, à correção normativa e à sinceridade, pois, em toda situação em que se encontram os participantes da interação, são inevitáveis as referências ao mundo objetivo, formado pela totalidade das coisas e dos fatos, ao mundo social, formado pela totalidade das normas consideradas legítimas, e ao mundo subjetivo, formado pela totalidade das vivências pessoais, ao qual cada um tem um acesso privilegiado. Dadas essas três referências inevitáveis de cada ato de fala, ele pode ser questionado em relação seja à verdade para o mundo objetivo, seja à correção normativa para o mundo social, seja à sinceridade para o mundo subjetivo.
As normas a serem alcançadas através de uma prática socionormativa tem, nessa moldura, um conceito amplo e abrangente. Pretende-se, inicialmente, na própria audiência pública, a constituição de uma associação civil sem fins lucrativos dos catadores em que será firmado o estatuto social. A norma, portanto, nesses moldes, toma um sentido lato. A regra legal a ser perseguida é de cunho particular com amparo no ordenamento jurídico. Ou seja, a constituição da associação civil é o alavancamento para a busca de políticas públicas e materialização de direitos.
É com fundamento nessas premissas que nascem duas perguntas: como a partir do modelo comunicativo poder-se-ia sair de um sitiamento, ou de práticas somente defensivas, para a institucionalização democrática do poder político? Qual a potencialidade política do discurso de uma esfera pública comunicativa?
Para combater o silenciamento, além da socionormatividade já ressaltada, Boaventura evoca a rebeldia das subjetividades retomando uma epistemologia do Sul superadora de uma matriz colonizadora, centrando-se na sociologia das ausências e da insurgência (sociologia das emergências e ecologia dos saberes) e na democracia de alta intensidade, a partir das quais se pode chegar à uma cultura política emancipatória.
Conforme Boaventura, não se deve preocupar somente com a estrutura, com as condições objetivas, mas também com a ação, para que haja transformação social, criando-se as subjetividades rebeldes pela vontade. Tem-se que reinventar as ciências sociais para se criar uma racionalidade que possa atacar uma razão indolente. Boaventura divide essa razão indolente em duas formas: a metonímica e proléptica.
Quanto à primeira, Boaventura[3] assim se expressa:
E essa é uma racionalidade que facilmente toma a parte pelo todo, porque tem um conceito de totalidade feito de partes homogêneas, e nada do que fica fora dessa totalidade interessa. Então, tem um conceito restrito de totalidade construído por partes homogêneas. Esse modo da razão indolente, que chamo razão metonímica, faz algo que, a meu ver, é um dos dois aspectos do desperdício da experiência: contrai, diminui, subtrai o presente. (…) Então esse conceito de razão metonímica contrai o presente porque deixa de fora muita realidade, muita experiência, e, ao deixá-las de fora, ao torná-las invisíveis, desperdiça a experiência.
No que tange à segunda razão, Boaventura[4] assim acentua:
Nossa razão ocidental é muito proléptica, no sentido de que já sabemos qual é o futuro: o progresso, o desenvolvimento do que temos. É mais crescimento econômico, é um tempo ideal linear que de alguma maneira permite uma coisa espantosa: o futuro é infinito.
Pela sociologia das ausências, Boaventura pretende a superação de uma monocultura do saber científico pautada num tempo linear em que se naturaliza as diferenças. O conhecimento dominante exalta o universalismo e a globalização, além de dar uma importância significativa à produtividade mercantil do trabalho e da natureza. Tem-se que expandir o presente, trazendo à tona as experiências invisíveis em ataque às monoculturas.
Na sociologia da insurgência, em vez do tempo linear, as temporalidades são destacadas, reconhecendo-se os saberes e suas produtividades em substituição às monoculturas (ecologia dos saberes). Além disso, critica a razão proléptica, pois deve-se saber sobre aquilo que está nascendo para o futuro, não antecipando o futuro (sociologia das emergências).
Assim, o que propõe Boaventura é expandir o presente e contrair o futuro, ultrapassando as duas razões indolentes, mostrando as pluralidades presentes e aquilo que está nascendo.
A democracia de alta intensidade reclama uma radicalização das subjetividades rebeldes, utilizando-se dos instrumentos postos: legalidade, democracia e direitos humanos como mecanismos contra-hegemônicos. Age com a paciência infinita da utopia.
Tanto na perspectiva de Habermas quanto de Boaventura, a racionalidade atual do mundo ocidental capitalista abraça a ideia de um entrelaçamento do mercado econômico com o poder burocrático estatal. O aspecto visível disso nas democracias que se desenvolveram a partir do colonialismo é o modelo neoliberal de democracia em que o Estado é um problema. Naquela tensão do contrato social entre regulação e emancipação, o Estado passa a não ter mais o monopólio da regulação social, advindo daí um constitucionalismo global dos grupos multinacionais, gerando uma democracia de baixa intensidade.
As democracias ocidentais, além de neoliberais, são participativas. No entanto, apesar de o cidadão autorizar o mandatário a exercer o poder, o representante não presta contas do exercício do mandato, de modo que o cidadão não se sente representado tampouco há sua participação no poder. Até porque, para haver participação, o cidadão deve ter uma sobrevivência garantida, um mínimo de liberdade e acesso à informação. O capitalismo não lhe proporciona isso.
O diagnóstico de Boaventura aponta para um fascismo como regime social. Relata também as desigualdades sociais invisíveis e neutralizadas, assim como a eliminação de todos os direitos dos grupos minoritários. Percebe-se que esse diagnóstico se alinha com o de Habermas, o qual aponta a dominação da razão instrumental do mercado e poder estatal sobre o mundo da vida.
Nesse passo, como já dito, a resolução seria a expansão do presente e a contração do futuro. No presente muita experiência fica de fora, de sorte que se traria as realidades ausentes para o mundo da vida, fazendo emergir os saberes alternativos. Utilizar-se-ia os instrumentos hegemônicos (legalidade, democracia e direitos humanos) para a construção de uma democracia de alta intensidade através de um manejo contra-hegemônico daqueles mesmos mecanismos.
Nesse ponto ganha realce a audiência pública, a qual é um instrumento legal, democrático e de direitos humanos. Faz-se uma releitura desse instrumento hegemônico para utilizá-lo como mecanismo de pauta pública de um processo democrático-discursivo. Na sessão pública é viabilizada uma visibilidade com tons de rebeldia.
Por outro lado, para que tudo isso ocorra, necessário um procedimento de tradução entre os vários saberes. Uma inteligibilidade recíproca no interior das pluralidades. Para a existência de uma ecologia dos saberes, deve haver uma despolarização das pluralidades, na visão de Boaventura. Essa inteligibilidade ocorrerá por meio da argumentação.
Ainda no entendimento de Boaventura, a emancipação social somente existirá com a radicalização do que existe. Uma luta direta, ilegal e pacífica. Ou seja, uma mescla de legalidade e ilegalidade. Habermas fala, nesse tom, em desobediência civil. Assim é que se constituirá a democracia de alta intensidade. Uma intensidade democrática é o meio mais eficiente para a transformação social.
É nessa esteira que se deve pensar nos poderes de influência e sociointegrativo da ação comunicativa. Para que tal fato se constitua, os componentes sociais e políticos não podem agir simplesmente em forma de sitiamento, em somente se defender. Esse déficit de institucionalização é combatido pelo potencial político da ação comunicativa. A emancipação advinda da ação comunicativa necessita da ampliação dos domínios sociais e de uma abertura de canais comunicativos no sistema político-administrativo.
A ultrapassagem do sitiamento dar-se-á pelo poder da normatividade em conjunto com uma democracia radical e de alta intensidade, evocando-se a sociologia das ausências e da insurgência, assim como a potencialidade política do discurso de uma esfera pública comunicativa, de modo que a arena pública de discussão é o meio mais promissor de transformação social. A participação popular numa audiência pública traz à tona um problema invisível. Propõe-se uma pragmática argumentativa para gerar a norma através do consenso.
[2] NOBRE, Marcos (org.). Curso livre de Teoria Crítica. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 169.
[3] SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. Tradução de Mouzar Benedito. São Paulo: Boitempo, 2007. 126p, p. 25-26.
[4] SANTOS, op. cit., p. 26
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Notas para repensar o punitivismo na esquerda
Por: Karoline Costa e André Luís Jacomin
“(…) Escrevo sabendo que sobre as nossas cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe nuclear, que não deixaria ninguém nem nada sobre a Terra. Pois bem: nem isso altera a minha esperança. Neste momento crítico, neste sobressalto de agonia, sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos. Entender-nos-emos todos. Progrediremos juntos. E esta esperança é irrevogável” – Pablo Neruda.
Como críticos do sistema capitalista e do seu papel fundamental na perpetuação de desigualdades sociais, estabelecemos claramente uma relação entre o encarceramento e a blindagem às classes dominantes, viabilizada pelo sistema penal. Esta discussão é sempre importante e nos permite enxergar a seletividade como fenômeno presente em toda a estrutura de repressão existente nos países latino-americanos, onde a superlotação carcerária, máxima expressão do poder punitivo, pode ser verificada. Nesse sentido, devemos estar atentos para as características que nos unem como hermanos, latino-americanos, cuja história é atravessada pela colonização europeia e imposições culturais, como a cultura do controle social manejada através da proibição e do castigo.
Raúl Eugenio Zaffaroni (2013), jurista argentino, nos lembra que o poder punitivo foi o instrumento de verticalização que permitiu à Europa nos colonizar. Posto de outro modo: o poder punitivo, que permitiu a perseguição às mulheres acusadas de bruxaria no velho continente, sustentou a escravização de pessoas na nossa América Profunda. As noções sobre certo e errado, portanto, são sempre constituídas a partir de uma ideologia dominante e é nesse ponto que não se pode esquecer: para além da dominação econômica, a dominação cultural colonizadora impacta o que hoje estamos vivendo em termos de indignidade humana nos labirintos prisionais. Dessa forma, entendemos que as militâncias de esquerda precisam repensar com certa urgência o seu posicionamento em relação à conclamação por criação de leis incriminadoras como solução para algumas de suas principais pautas.
Reconhecemos a ultra sensibilidade de temas como a violência de gênero e os ataques às populações LGBTQIA+, mas temos observado que a despeito do que se espera com a aprovação de instrumentos que os reconhecem como crime e/ou recrudescem suas penas, as ocorrências desses casos não têm diminuído. É possível, e nisso acreditamos, que estejamos perdendo tempo ao não discutir de forma contínua a busca por saídas não penais para esses que são dois dos maiores problemas de violência encontrados não só no Brasil, como nos países vizinhos. Devemos meter a colher, mas é necessário fazê-lo com a eficácia que as prisões de suspeitos não têm conseguido alcançar. E por mais que ainda não tenhamos uma fórmula perfeita para a substituição dessas prisões, os debates sobre o tema podem ajudar a construir novos caminhos que não passem pela legitimação da vingança como forma de prevenção à violência.
Ademais, não podemos esquecer que punitivismo que admite a perseguição e a prisão do outro nos vulnerabiliza, igualmente. Nos últimos 15 anos, temos acompanhado uma explosão na quantidade de mulheres e homens encarcerados nos países latinos, o que se pode creditar, entre outros fatores, à guerra as drogas, inspirada em políticas de combate ao tráfico desenvolvidas primordialmente a partir da experiência dos Estados Unidos (Valois, 2016). É preciso que nos perguntemos por que temos importado ideias que oprimem e aprisionam nossos povos. O outro precisa ser encarado como uma posição que, móvel, pode ser eventualmente ocupada por qualquer um de nós.
O punitivismo que faz dos nossos jovens negros prisioneiros, tem o mesmo fundamento que criminaliza o aborto, por exemplo, e envolve questões morais contempladas pelos desígnios da elite conservadora. Não nos deixemos enganar. Se é pela igualdade que lutamos e pelo direito de dispor como quisermos de nossos corpos, precisamos defender a liberdade como pilar de um pensamento contra majoritário. O que desejamos ao outro precisa estar enredado à lembrança de que amanhã poderemos ser nós, privados da liberdade e dos seus acessórios mais caros – num sistema de desvínculos, como diria Eduardo Galeano (2010) – porque já estivemos lá ontem. O punitivismo que produziu o lavajatismo e aprisionou Lula está pronto para fazer mais vítimas. É preciso pensar no erro colossal da esquerda em se associar ao punitivismo com flagrante violação às normas constitucionais, notadamente da vedação à prisão cautelar ex ofício, violação de garantias de imunidade parlamentar, censuras a canais de youtube etc. Podemos não concordar com nada que essas pessoas dizem, mas não podemos ser a favor da formação de um precedente judicial que serve de paradigma para toda jurisdição do estado brasileiro. Tais precedentes terão potencial efeito de neutralização do ativista político que incomoda e exige direitos para a população mais pobre no seu município, do artista do rap que canta uma canção com escárnio à podridão e canalhice da burguesia nacional, do deputado de esquerda que denuncia o entreguismo criminoso do governo neoliberal de plantão, do roçador de juquira que entra na audiência com “chinelo de dedo” surrado, pressente a injustiça a que será submetido por Sua Excelência, e profere alguma reclamação desaforada, saindo preso e algemado.
Não se enganem, companheiros. A repressão estatal sempre se volta para a parte mais fraca da sociedade, as classes subalternas, o proletariado, o verdadeiro povo, o periférico, o que vive no Brasil profundo e real. Para transformar a realidade, temos que lutar pelo fim do direito penal, ou pela sua aplicação mínima e racional, jamais pedir por mais repressão ou aplaudir violação de direitos travestido em “defesa da democracia”. É necessário lutar pela garantia das liberdades democráticas e dos direitos civis para todos! Pela inclusão de todo o povo brasileiro no projeto de cidadania!
Referências:
GALEANO, Eduardo. El livro de los abrazos. Buenos Aires: Siglo XXI Editora, 2010.
VALOIS, Luís Carlos. O direito penal da guerra às drogas. 3ª ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. A questão criminal: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
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Conurbanos*. Aquí y ahora
Por: Horacio Bouchoux
Conurbanos de ausencia. De romanticismos suburbanos perimidos. El tiempo y las sucesivas expulsiones te cambiaron el paisaje.
Calles pobladas de piberíos persiguiendo pelotas, devenidos lodazales donde despojos de realidad se apiñan, desangelados hasta para el poeta. Que ya ni él te nombra.
Conurbanos de presencia. Omnipresencia de lo que falta, de lo que aún no pudimos o no supimos. De lo que se escapa de las palabras bien dichas. Amorosamente dichas.
Pintorescas esquinas adoquinadas que se hundieron en paisajes fangosos, y que invaden periódicamente un destino que se les niega.
Sures y oestes que de puntos cardinales de lo bellamente descripto por artistas sensibles, transmutaron en guaridas de aquello que se teme.
Repertorio de lo indomable, reservorio de lo monstruoso para las almas bienpensantes y, sobre todo, bienvivientes, que ya no pintan suburbios color pastel.
Herencias de cándidas melenas de novias que, del recuerdo, emergieron como soeces prendas íntimas, expuestas en otros ritmos no asumidos aun como propios.
Rumores de estación que se desperfumaron en gritos y empujones, en vahos de vagones atestados de frustraciones que cada tanto explotan.
Repensar profundamente esto. Comprender y amar. Aquí y ahora. Única posibilidad de futuro. Ahí es donde se juegan nuestros mañanas vivibles.
Desde la canción y las efectividades conducentes. Desde la solidaridad parroquial o el revolucionarismo aggiornado. Desde la simple crónica o la militancia.
Desde donde sea. No hay futuro pensable ni deseable sin que haya espacio para el lugar de dignidad y de protagonismo que demanda ese suburbio inabordable.
Despojados de preconceptos atávicos. De nuestras propias anteojeras. Prudentemente lejos de los libros leídos y de los cuentos oídos entre llantos.
Abrir los caminos para que aquello que se vislumbra imposiblemente heterogéneo, que se imagina amorfo, asuma la condición de Sujeto. Con mayúsculas.
Sujeto sin otra vanguardia más que la que nazca de sí mismo, de sus propias contradicciones, complejidades, bellezas y miserias.
Sujeto que no siga caminos pretrazados por los eternos escribas de emancipaciones soñadas en otras geografías y contextos.
Aquí y ahora. Comprender y amar. No hay ningún pequeño nosotros sostenible sin ese nosotros gigante, que nos abrace a todos.
Conurbanos. Urgente
*En Argentina, el conurbano bonaerense se trata del área más densamente poblada, unida a la ciudad de Buenos Aires, está compuesto por 24 partidos independientes de la ciudad Capital. Se conoce también como el Gran Buenos Aires y su crecimiento y desarrollo fue producto del proceso de industrialización del país. De acuerdo a su proximidad con Buenos aires se agrupan estos partidos en varios cordones. La población del conurbano bonaerense está caracterizada por una amplia mayoría de sectores populares.
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“Enorme expectativa em Washington e Brasília”
Por: Nicolás Bico
Esta era a manchete do jornal “El diario” no Uruguai em 31 de julho de 1970. Naquela época, o pequeno país vivia um momento agitado devido à instabilidade econômica, política e social em que se encontrava. Os Tupamaros haviam sequestrado o norte-americano Dan Mitrione e o cônsul brasileiro Aloysio Días Gomide.
Mas quem eram os Tupamaros?
O nome “Tupamaros” vem do apelido que as autoridades espanholas da época colonial, no Río de la Plata, atribuíram aos patriotas que aderiram ao movimento de independência de 1811. A palavra teve sua origem na revolta indígena ocorrida no Vice-reinado do Peru, liderada pelo indígena Túpac Amaru II, e que foi duramente reprimida pelos espanhóis.
Apesar de ser o Uruguai um país com tradição democrática e boa coesão social, a instabilidade econômica dos anos 60 e a vizinhança (ou contexto) não ajudaram a manter tal tradição. O bairro (América Latina) vivia uma das realidades mais quentes da guerra fria. O Uruguai era como uma bela casa em um bairro pobre. Não só pobre, mas terrivelmente desigual, o mais desigual do mundo. E a bela casa não era mais tão bonita, tinha um alicerce que precisava ser consertado. Assim, havia um processo de deterioração econômica e social.
Vozes se levantaram contra a gestão política do país e, em novembro de 1964, apareceu, pela primeira vez, um folheto distribuído em uma convenção universitária onde se lia: “T N T Tupamaros no transamos”. Uma tradução desta frase para o português é menos engraçada, do que esperamos. Seria: “T N T Tupamaros não negociamos”.
Algum tempo depois, a assinatura “Tupamaros” apareceu, em 9 de agosto de 1965, no volante que acompanhava uma poderosa bomba que explode os tanques da empresa alemã Bayer. A mesma assinatura consta dos panfletos que acompanham uma bomba que explode na embaixada do Brasil em Montevidéu.
Em junho de 1968, o então presidente eleito Jorge Pacheco, em 1967, tentando suprimir uma série de protestos trabalhistas, declarou estado de emergência e revogou todas as garantias constitucionais. O governo prendeu dissidentes políticos, usou de tortura durante interrogatórios e manifestações foram reprimidas brutalmente. Essas ações governamentais foram fundamentais na decisão dos Tupamaros de recorrer à luta política armada e à violência política. Assim, em 1968, ocorreu um ataque e detonação à rádio Ariel, o primeiro dos dois sequestros do presidente da empresa de energia, Ulysses Pereira Reverbel, e um assalto ao Hotel Casino Carrasco, com roubo de vários milhões de pesos para financiar a luta armada. Por que Dan Mitrione e Aloysio Días Gomide foram sequestrados? Foi a primeira vez que o movimento sequestrou estrangeiros. Do lado brasileiro, é claro que Gomide, que passou 205 dias em cativeiro, não foi a melhor importação de produtos do Brasil que chegaram ao Uruguai. Gomide era filho do diplomata José Gomide Júnior, que, em 1955, foi nomeado Vice-Cônsul do Brasil em Miami, Estados Unidos. De 1957 a 1959, trabalhou em San José, Costa Rica. Em 1961, foi transferido para Roma. Acompanhou as delegações brasileiras nas reuniões da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura – UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO, Organização dos Estados Americanos – OEA e Conselho Econômico Interamericano e Social. Em 1967, foi nomeado Cônsul do Brasil em Montevidéu, Uruguai. Ele havia sido indicado pelp governante do Brasil, Emílio Garrastazu Médici, que foi o terceiro presidente da ditadura militar de 1964, com mãe uruguaia.
Do lado de Mitrione, sua vida e morte são dignas de uma telenovela. Em 1960, a agência norte-americana International Cooperation Administration, foi designada para atuar em países da América do Sul para instruir em “técnicas avançadas de contra-insurgência”. Mitrione foi enviado ao Brasil para ilustrar à polícia técnicas de tortura por eletrochoque para que os detidos não morressem no processo. Sob a direção de Mitrione, o programa de segurança pública dos Estados Unidos no Uruguai “introduziu um sistema nacional de carteira de identidade, como no Brasil, e a tortura se tornou rotina na sede da polícia de Montevidéu”.
De 1960 a 1967, Mitrione trabalhou na polícia brasileira, primeiro, em Belo Horizonte, e depois, no Rio de Janeiro. Retornou aos Estados Unidos em 1967 para compartilhar suas experiências e ser instrutor no combate à guerrilha na United States Agency for International Development. Cosculluela, agente da contra-espionagem cubano que conseguiu se infiltrar na CIA e era “colega” de Mitrione no Uruguai. Seu livro “Passaporte 11333. Uruguai, oito anos com a CIA”, lembra a maneira que usava a tortura: “A dor exata no lugar exato na quantidade exata para conseguir o efeito desejado”. (p. 286) “Mitrione considerava o interrogatório uma arte complexa. O período de amolecimento teve que ser executado primeiro, com os golpes e humilhações usuais. O objetivo era humilhar o cativo, fazê-lo compreender seu estado de indefeso, desligá-lo da realidade. Sem perguntas, apenas golpes e insultos. Depois, golpes exclusivamente silenciosos. Depois de tudo isso, o interrogatório ”. Em 1969, ele foi enviado para o Uruguai para trabalhar na Agência para o Desenvolvimento Internacional, a fim de assessorar e apoiar a segurança pública do Uruguai. Naquela época, o governo era presidido por Jorge Pacheco Areco. O país vivia um clima de agitação social, em um contexto de deterioração econômica pronunciada. Washington temia uma possível vitória da esquerda nas eleições de novembro de 1971. Mitrione alugou uma casa com porão para ensinar.
Com o aumento das tensões no Uruguai e do uso da tortura, em 31 de julho de 1970, os Tupamaros sequestraram Mitrione e o cônsul brasileiro Aloysio Días Gomide. Nathan Rosenfeld e Michael Gordon Jones, adido cultural e segundo secretário da Embaixada dos Estados Unidos, que também foram sequestrados, conseguiram escapar.
Em 2 de agosto do mesmo ano, por meio do Comunicado nº 4, os Tupamaros exigiam a liberdade de todos os presos por sedição, que somavam cerca de 150, e a eventualidade de partir para o México, Peru ou Argélia, em troca da liberdade dos sequestrados. O governo uruguaio, com o apoio dos Estados Unidos, declinou.
Em 5 de agosto, os Tupamaros emitiram novo comunicado em que marcava a noite de 7 de agosto de 1970 para efetivar a troca oferecida e ameaçavam que, após esse prazo, se dispunham a “fazer justiça”. O presidente Pacheco Areco declarou que não negociaria a troca oferecida. Dois dias depois, Claude L. Fly, um funcionário americano contratado pelo Ministério da Pecuária e Agricultura, foi sequestrado. Finalmente, no dia 8 de agosto, os Tupamaros enviaram sua declaração nº 9 a diversos meios de comunicação: “Hoje às 12 horas Dan Anthony Mitrione será executado”. Nem uma palavra sobre Aloysio Días Gomide ou de Claude Fly foi dita.

Em 9 de agosto, um patrulheiro que realizava rondas, encontrou um carro Buick 1948 estacionado em uma área escura, relatado como roubado. No banco de trás, vendado, amordaçado e baleado várias vezes, estava o corpo de Mitrione. O Presidente Pacheco Areco declarou luto nacional e convocou o Conselho de Ministros. Ao meio-dia, a Assembleia Geral foi convocada com urgência, a qual, após várias horas de deliberação, declarou suspensos os títulos individuais por 79 votos em 100 presentes. A repercussão foi mundial. O secretário de Imprensa da Casa Branca, em extenso comunicado, disse que o povo americano “une-se ao presidente Nixon para condenar este crime a sangue frio contra um ser humano indefeso”. A dedicação de Mitrione à causa do progresso pacífico em um mundo ordenado é um exemplo para os homens livres. Um avião militar americano carregava o caixão embrulhado na bandeira dos Estados Unidos. Ele desembarcou em Richmond. Em seu velório estavam, entre outros, Frank Sinatra e o comediante Jerry Lewis, que até cantou em um show para arrecadar dinheiro para os nove filhos de Mitrione, que certamente não sabiam o que estava acontecendo no porão de sua casa em Montevidéu.
No mesmo mês de agosto, a esposa de Gomide, María Aparecida Gomide, preocupada com o destino de seu marido, se reuniu com guerrilheiros na prisão e perguntou nas rádios do país se o presidente do país negociaria com os Tupamaros. Aparecida volta ao Brasil e pede a intermediação do chanceler Mário Gibson Barboza e do presidente Medici. Eles se recusaram, alegando que não poderiam interferir nos assuntos internos de outros países. Em dezembro do mesmo ano, os Tupamaros renunciaram à libertação dos presos, exigindo um resgate de um milhão de dólares. Aparecida inicia campanha no Brasil, com o apoio da apresentador Chacrinha, para arrecadar fundos para a libertação do marido. Em janeiro de 1971, $ 250.000 (duzentos e cinquenta mil dólares) foram arrecadados. Aparecida Gomide volta ao Uruguai e segue negociando com os Tupamaros, que exigem o fim do estado de sítio promulgado pelo Congresso uruguaio para a libertação do diplomata brasileiro. No dia seguinte, ao término da suspensão das garantias individuais, em fevereiro de 1971, Gomide foi libertado e voltou imediatamente ao Brasil, onde foi recebido pelo ditador Emílio Médici.
Como costumava dizer a cantor Zitarrosa do Uruguai “Mi pueblo no es argentino, ni paraguayo, ni austral, Se llama Pueblo Oriental, Por razón de su destino, Pero recorre el camino, De sus hermanos amados, El de tantos humillados, El de américa morena, La sangre de cuyas venas, También late en su costado, Mi pueblo no estuvo ausente, Ni mucho menos de espaldas, A la trágica y amarga, Historia del continente, Fuimos un balcón al frente, De un inquilinato en ruinas, El de américa latina, Frustrada en malos amores, Cultivando algunas flores, entre Brasil y Argentina”
