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Categoria: Volume I * nº. 2 * Outubro de 2021
Edição de Outubro de 2021 do Jornal América Profunda
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Viva o dia 27 de Setembro!
Por: Vinícius Carvalho
Viva as Crianças! Salve São Cosme e São Damião e a Falange dos ErêsNão gosto de final de ano. Não sei se é porque esse lance de inferno astral antes do seu aniversário é real (faço aniversário em janeiro) e entre o Natal e o Ano Novo fico meio ruim, ou se tudo isso é uma baboseira e eu simplesmente não gosto das festas e do clima de final de ano por não gostar mesmo.
Mas sei que acho tudo meio depressivo. Não me apetece o apego familiar exacerbado, a ideia de família reunida, mas não como algo festivo e catártico como uma churrascada de aniversário, e sim como emulação de uma festividade do hemisfério norte, com uma reflexão forçada, em encontros completamente forçados, que, não obstante, tendem a acabar em mal estar.
E isso é o completo oposto que representa o 27 de setembro, o dia de São Cosme e São Damião. Algo genuinamente alegre e orgânico e que mexe com os melhores sentimentos possíveis que cada um guarda dentro de si, porque envolve infância, juventude, doce e rua. No Cosme e Damião não existe um Papai Noel que presenteia crianças ricas e não dá nada ou pares de meia para as pobres. No dia 27 não tem chaminé, é durante o dia, no meio da rua, correria, sincretismo religioso, risada, brincadeira e um momento onde, invariavelmente, as crianças serão iguais.
Mas peço uma licença para falar um pouco mais sobre, prometo ser breve. Não vou ser umbiguista ou etnocêntrico este ano, não sei se fora do Rio de Janeiro e de alguns outros cantos ou subúrbios e periferias do Brasil as pessoas conhecem ou comemoram o dia de São Cosme e São Damião e sequer sabem o que significa.
Confesso que sou afastado das coisas religiosas, mas sou próximo das coisas culturais. Portanto, mesmo agnóstico, meus olhos saltam de felicidade toda vez que vejo nas redes sociais fotos da molecada no dia 27 de Setembro catando os saquinhos de doce de Cosme e Damião.
Era o dia do ano mais esperado de 9 entre 10 crianças do subúrbio do Rio até pouco tempo atrás. Aliás nem tão pouco assim, umas duas décadas. Não posso afirmar que ainda seja por conta da virulência política e religiosa que dominou o nosso país.
Era dia de: “aeeee tia sou eu e mais 4 irmãos, bota 5 saquinhos de doce ae”, mesmo que você fosse filho único.
Era dia certo de matar aula, sair de casa com a mochila vazia sem hora pra voltar. Ir a pé do Jardim Leal até o Gramacho, de lá até o Centro de Caxias, passando por Centenário, Corte 8, Itatiaia e onde mais visse uma correria, um tumulto de gente, algum terreiro de macumba ou a casa de família católica que ou era devota ou teve alguma promessa atendida por Cosme e Damião. Geralmente, fazia-se promessa para eles quando alguma criança da família estava doente.
Dia de voltar para a casa com a canela russa, todo mulambo de barro e poeira, com caganeira, dente cariado, mochila já dando formiga de tanto doce. Rolava um acordo tácito, mesmo os pais mais disciplinadores na questão escolar (como eram os meus, por exemplo), que não admitiam uma reclamação, não permitiam que os filhos faltassem ou matassem aulas nunca, jamais, no dia 27 de setembro fingiam que não sabiam que seus filhos matariam aula e os filhos, por sua vez, fingiam que enganavam.
Minha mãe tinha uma parada com limpeza que era braba, quando eu abria o portão era certo de ouvir o “não vai entrar na casa imundo desse jeito nem por um decreto”. Pegava a mangueira, abria o registro e no jatadão de água saía bolota de barro até de dentro da orelha.
Esse dia significava um sincretismo religioso completamente saudável entre católicos, umbandistas e candomblecistas. Ali era Cosme e Damião para católicos, Festa de Erê para as religiões afrobrasileiras, doce pra molecada, caruru pra todo mundo, o padre missionário italiano da paróquia indo almoçar no terreiro da dona Mariana, e ouvindo “peão na obra quer trabalho”, acabando tendo que ajudar a distribuir os saquinhos de doce usando chinelo de couro, a rapaziada do terreiro indo pra missa à tardinha benzer alguns mantos e etc.
Você até ouvia algumas outras religiões falando que “doce era coisa do capeta”, mas ninguém dava bola, era uma minoria guetificada que, de tão radical, acabavam dizendo que os católicos que idolatravam santos estavam adorando o “capeta” também.
Ninguém ali imaginava ainda que algumas daquelas religiões virariam seitas totalitárias. Algumas até chegando às vias de fato da criminalidade, como os “Bandidos de Jesus” que crescem a cada dia.
Hoje, estes formam uma – não chega a ser maioria – mas uma média coesa, militante e radical que quebra santos, elege governadores, presidentes, deputados, chefes de tráfico; e depredam terreiros e expulsam mães de santo dos subúrbios.
Uma das coisas que sempre penso, também, a respeito desta data é que ela talvez seja a primeira relação imaterial e de identidade que a criança tem com o subúrbio, e também a primeira relação de orgulho e apego com o seu bairro e sua vizinhança.
É o dia da desforra, é o dia em que, em outros tempos, o pré-adolescente do bairro de classe média e praiano, sentia aquela invejinha do pré-adolescente do bairro empoeirado; da Penha, Leopoldina, Bangu, Madureira, Oswaldo Cruz, Campo Grande e Baixada.
Mais do que um dia de santo, o dia 27 de Setembro é o dia “Abre Alas” do suburbano. É aquele que marca na pele o amor pela calçada, pela rua, pela Igreja da Penha lá longe, no horizonte, o Cristo Redentor dos fudidos, é o dia também em que lembramos e homenageamos mesmo em pensamento o nosso Santo ainda em vida, Zeca Pagodinho.
É, enfim, um dia sagrado que, diferente do Natal, concede para as crianças mais pobres um gostinho de igualdade social e é aquele dia que abençoa e batiza a vida do ser suburbano, o que abre o caminho para todos os outros que virão.
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O problema nunca foi Jair
Por: Marcos A. Brehm
Jair sempre foi pequeno e sempre será, seja apoiado ou não pela maioria dos eleitores. Afinal, sua modalidade de pequenez é especial: trata-se de pequenez cognitiva, pois não se sustenta por lógica; de pequenez moral, uma vez que é escancaradamente hipócrita; e de pequenez humana, já que é declaradamente contra os direitos humanos, e portanto desumano por definição. Mas isso não é novidade e não pode ser aceito como tal. Não foi a cadeira que o deixou assim. Muito pelo contrário, ele foi sempre um ser ostensivamente tacanho, orgulhosamente imoral e cotidianamente atroz. E não precisamos ser detetives ou cientistas políticos para perceber isso. Eis algumas amostras, e todas de antes dele sentar na cadeira:“O erro da ditadura foi torturar e não matar” (2008 e 2016)
“Morreram poucos. A PM tinha que ter matado mil” (1992, sobre o massacre do Carandiru)
“Eu jamais ia estuprar você porque você não merece” (2003 e 2014)
“Para mim é a morte. Digo mais: prefiro que morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” (2011, sobre gays)
“Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens” (2008, sobre indígenas)
“A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problema demais para resolver” (2015, sobre imigrantes)
“Como eu estava solteiro na época, esse dinheiro do auxílio-moradia eu usava para comer gente” (2018)
Além de ideologicamente tosco, nenhuma experiência executiva. Como militar, atuou exclusivamente no campo da mediocridade. Como legislador se manteve firme no limiar da irrelevância. Daqueles que esperavam que daquela carcaça saísse um estadista, não posso emitir qualquer opinião relevante: não tenho qualquer conhecimento teórico ou clínico sobre psiquiatria.
Mas houveram, e esses vieram às pencas, aqueles que garantiram que alguma pitada de coerência, algum lampejo de competência, ou ao menos alguma gotícula de tecnocracia fria poderia sair dali. E essa esperança foi tanta que, ao verem do outro lado um candidato com sólida experiência executiva e carreira de professor universitário na maior escola do país, mas que infelizmente era do “partido errado”, optaram pela antipolítica declarada. Um discurso antipolítico requentado, diga-se de passagem, que como manda nossa práxis histórica, veio lindamente embrulhado com um laço de patriotismo de ocasião.
E vieram em multidões. E engoliram com goles fartos o fermentado de antipolítica rasa, como se a solução de todos as dificuldades fosse óbvia e clara: o problema de estarmos perdendo o jogo não tinha a ver com os jogadores, mas com a necessidade de que todos eles obedecessem às regras. As regras, em especial aquelas que lhes são inconvenientes, eram claro fruto de um comunismo enrustido, que paradoxalmente nunca deu certo mas domina o mundo.
E essa opção declarada pelo abandono da lógica e do iluminismo, pela desistência da civilidade, pela visão do adversário sempre como inimigo, pode surgir de dois caminhos, situados, aliás, bem longe um do outro:
A primeira opção é a explosiva mistura entre ingenuidade, ignorância e boa intenção, que sempre resultou, com o perdão da palavra, em merda. E não se engane quem ache que nesse grupo tem só iletrado. Tem (literalmente) muito Ph.D. em repimboca de parafuseta, um pessoal que num olhar desatento parece esclarecido, mas que, ao retumbantemente ignorar a existência de uma ciência política, erra sempre o alvo por 180 graus. E não estamos falando de uma leitura técnica de Hans Kelsen e da teoria geral do direito e do Estado. Estamos falando sobre algo bem antes disso: entender que o sistema republicano têm vários problemas, mas que de longe ainda é o melhor palpite numa perspectiva histórica. Trata-se do famigerado “idiota bem intencionado”, uma forma de perigo semovente, mas que nessas horas pode até já estar arrependido. Sendo o caso, pode ser que ainda tenha uma vaga no céu cristão. Mas isso depende muito do grau de idiotice, e não há como saber ao certo.
Já a segunda opção é ainda mais perigosa: trata-se do aproveitador inescrupuloso que sempre entendeu muito bem os caminhos da antipolítica, mas que viu nesse caminho uma oportunidade de galgar corações. E sem nem titubear, embarcou com toda força nisso. Isso aconteceu em púlpitos políticos, religiosos e virtuais, a escolher. E convenhamos: funcionou muito bem. Tão bem, mas tão bem mesmo, que essa turma gostou tanto da ideia e até já começou a surfar na onda da “anti-antipolítica”, que agora é chamada pelo eufemismo de “terceira via”, claramente um nome muito mais elegante. Foi como se o passado recente tivesse sumido por encanto. Agora ninguém mais se lambuzou do outro lado. Agora ninguém mais foi ministro de ninguém. Agora ninguém mais foi pra Paris quando o bicho pegou. E não se engane: essa rapaziada sempre soube muito bem onde dão os caminhos da inconstitucionalidade. Eles só não se importam com isso, e provavelmente já tentam negociar um bom imóvel no nono círculo do inferno, com um barquinho aquecido pra navegar no lago Cocite.
Mas tanto os idiotas quanto os canalhas sempre existiram, não havendo nenhuma novidade nestes perfis, portanto. Mas é aí que aparece o problema de verdade, que nunca se chamou Jair. Jair não me afeta, uma vez que nunca teve meu afeto, mas apenas meu ódio e meu nojo sinceros. O problema de verdade é que o bolsonarismo enquanto forma de (não) pensar, me mostrou que tudo isso está bem mais perto do que imaginei. A selvageria não está só no palácio do planalto. Está por todos os lados, e provavelmente bem perto de você também. Sempre esteve, aliás, mas agora deixou de ser invisível. Talvez seja a única coisa pela qual agradeço ao Jair.
O problema, portanto não é o Jair, esse grande bosta. O problema é aquele grande camarada que sempre pareceu um grande parceiro, que virou noites intermináveis com você, mas que agora se armou com pistolas e munição em nome da liberdade e de bandido morto. O problema é aquele colega religioso, que sempre pareceu bacana, que sabe tudo de teologia mas abraçou quem defendeu abertamente a morte e a violência como método. O problema é ver aquele grande amigo de viagens e aventuras, que sempre se mostrou esclarecido, divertido e aberto a ideias abraçar um deus cristão que se perdeu no personagem e quer matar o próximo se o próximo for um comunista. O problema é a cientista que não acredita em vacina porque só enxerga o próprio umbigo. O problema é ver aquele médico que outrora parecia ter competência inabalável receitando vermífugo pra tratar vírus, tudo em nome de uma ideologia barata, e que ainda por cima já se encontra no final da data de validade.
O problema, enfim, é perceber que o afeto que havia com certos familiares e amigos próximos se perdeu. E se perdeu porque não havia como não se perder. Se perdeu porque não viu mais razão de existir, não viu vontade em não se perder. Afinal, o coração não tem terceira via. A notícia boa é que se você já tentou negar, já passou raiva, já tentou barganhar e já se deprimiu por causa disso, tudo indica que a aceitação chega em breve. Se possível, se mantenha longe. Na melhor das hipóteses o afeto some por um tempo, mas na pior das hipóteses vira desprezo. Em dias otimistas, quando o sol brilha e aquece os corações, penso na possibilidade de não serem pessoas ruins, mas apenas pessoas bem perdidas, sob diversos aspectos. Mas em dias pessimistas, principalmente quando chove e faz frio, penso que as pessoas ruins também podem se perder.
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Notas para repensar o punitivismo na esquerda
Por: Karoline Costa e André Luís Jacomin
“(…) Escrevo sabendo que sobre as nossas cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe nuclear, que não deixaria ninguém nem nada sobre a Terra. Pois bem: nem isso altera a minha esperança. Neste momento crítico, neste sobressalto de agonia, sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos. Entender-nos-emos todos. Progrediremos juntos. E esta esperança é irrevogável” – Pablo Neruda.
Como críticos do sistema capitalista e do seu papel fundamental na perpetuação de desigualdades sociais, estabelecemos claramente uma relação entre o encarceramento e a blindagem às classes dominantes, viabilizada pelo sistema penal. Esta discussão é sempre importante e nos permite enxergar a seletividade como fenômeno presente em toda a estrutura de repressão existente nos países latino-americanos, onde a superlotação carcerária, máxima expressão do poder punitivo, pode ser verificada. Nesse sentido, devemos estar atentos para as características que nos unem como hermanos, latino-americanos, cuja história é atravessada pela colonização europeia e imposições culturais, como a cultura do controle social manejada através da proibição e do castigo.
Raúl Eugenio Zaffaroni (2013), jurista argentino, nos lembra que o poder punitivo foi o instrumento de verticalização que permitiu à Europa nos colonizar. Posto de outro modo: o poder punitivo, que permitiu a perseguição às mulheres acusadas de bruxaria no velho continente, sustentou a escravização de pessoas na nossa América Profunda. As noções sobre certo e errado, portanto, são sempre constituídas a partir de uma ideologia dominante e é nesse ponto que não se pode esquecer: para além da dominação econômica, a dominação cultural colonizadora impacta o que hoje estamos vivendo em termos de indignidade humana nos labirintos prisionais. Dessa forma, entendemos que as militâncias de esquerda precisam repensar com certa urgência o seu posicionamento em relação à conclamação por criação de leis incriminadoras como solução para algumas de suas principais pautas.
Reconhecemos a ultra sensibilidade de temas como a violência de gênero e os ataques às populações LGBTQIA+, mas temos observado que a despeito do que se espera com a aprovação de instrumentos que os reconhecem como crime e/ou recrudescem suas penas, as ocorrências desses casos não têm diminuído. É possível, e nisso acreditamos, que estejamos perdendo tempo ao não discutir de forma contínua a busca por saídas não penais para esses que são dois dos maiores problemas de violência encontrados não só no Brasil, como nos países vizinhos. Devemos meter a colher, mas é necessário fazê-lo com a eficácia que as prisões de suspeitos não têm conseguido alcançar. E por mais que ainda não tenhamos uma fórmula perfeita para a substituição dessas prisões, os debates sobre o tema podem ajudar a construir novos caminhos que não passem pela legitimação da vingança como forma de prevenção à violência.
Ademais, não podemos esquecer que punitivismo que admite a perseguição e a prisão do outro nos vulnerabiliza, igualmente. Nos últimos 15 anos, temos acompanhado uma explosão na quantidade de mulheres e homens encarcerados nos países latinos, o que se pode creditar, entre outros fatores, à guerra as drogas, inspirada em políticas de combate ao tráfico desenvolvidas primordialmente a partir da experiência dos Estados Unidos (Valois, 2016). É preciso que nos perguntemos por que temos importado ideias que oprimem e aprisionam nossos povos. O outro precisa ser encarado como uma posição que, móvel, pode ser eventualmente ocupada por qualquer um de nós.
O punitivismo que faz dos nossos jovens negros prisioneiros, tem o mesmo fundamento que criminaliza o aborto, por exemplo, e envolve questões morais contempladas pelos desígnios da elite conservadora. Não nos deixemos enganar. Se é pela igualdade que lutamos e pelo direito de dispor como quisermos de nossos corpos, precisamos defender a liberdade como pilar de um pensamento contra majoritário. O que desejamos ao outro precisa estar enredado à lembrança de que amanhã poderemos ser nós, privados da liberdade e dos seus acessórios mais caros – num sistema de desvínculos, como diria Eduardo Galeano (2010) – porque já estivemos lá ontem. O punitivismo que produziu o lavajatismo e aprisionou Lula está pronto para fazer mais vítimas. É preciso pensar no erro colossal da esquerda em se associar ao punitivismo com flagrante violação às normas constitucionais, notadamente da vedação à prisão cautelar ex ofício, violação de garantias de imunidade parlamentar, censuras a canais de youtube etc. Podemos não concordar com nada que essas pessoas dizem, mas não podemos ser a favor da formação de um precedente judicial que serve de paradigma para toda jurisdição do estado brasileiro. Tais precedentes terão potencial efeito de neutralização do ativista político que incomoda e exige direitos para a população mais pobre no seu município, do artista do rap que canta uma canção com escárnio à podridão e canalhice da burguesia nacional, do deputado de esquerda que denuncia o entreguismo criminoso do governo neoliberal de plantão, do roçador de juquira que entra na audiência com “chinelo de dedo” surrado, pressente a injustiça a que será submetido por Sua Excelência, e profere alguma reclamação desaforada, saindo preso e algemado.
Não se enganem, companheiros. A repressão estatal sempre se volta para a parte mais fraca da sociedade, as classes subalternas, o proletariado, o verdadeiro povo, o periférico, o que vive no Brasil profundo e real. Para transformar a realidade, temos que lutar pelo fim do direito penal, ou pela sua aplicação mínima e racional, jamais pedir por mais repressão ou aplaudir violação de direitos travestido em “defesa da democracia”. É necessário lutar pela garantia das liberdades democráticas e dos direitos civis para todos! Pela inclusão de todo o povo brasileiro no projeto de cidadania!
Referências:
GALEANO, Eduardo. El livro de los abrazos. Buenos Aires: Siglo XXI Editora, 2010.
VALOIS, Luís Carlos. O direito penal da guerra às drogas. 3ª ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. A questão criminal: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
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Conurbanos*. Aquí y ahora
Por: Horacio Bouchoux
Conurbanos de ausencia. De romanticismos suburbanos perimidos. El tiempo y las sucesivas expulsiones te cambiaron el paisaje.
Calles pobladas de piberíos persiguiendo pelotas, devenidos lodazales donde despojos de realidad se apiñan, desangelados hasta para el poeta. Que ya ni él te nombra.
Conurbanos de presencia. Omnipresencia de lo que falta, de lo que aún no pudimos o no supimos. De lo que se escapa de las palabras bien dichas. Amorosamente dichas.
Pintorescas esquinas adoquinadas que se hundieron en paisajes fangosos, y que invaden periódicamente un destino que se les niega.
Sures y oestes que de puntos cardinales de lo bellamente descripto por artistas sensibles, transmutaron en guaridas de aquello que se teme.
Repertorio de lo indomable, reservorio de lo monstruoso para las almas bienpensantes y, sobre todo, bienvivientes, que ya no pintan suburbios color pastel.
Herencias de cándidas melenas de novias que, del recuerdo, emergieron como soeces prendas íntimas, expuestas en otros ritmos no asumidos aun como propios.
Rumores de estación que se desperfumaron en gritos y empujones, en vahos de vagones atestados de frustraciones que cada tanto explotan.
Repensar profundamente esto. Comprender y amar. Aquí y ahora. Única posibilidad de futuro. Ahí es donde se juegan nuestros mañanas vivibles.
Desde la canción y las efectividades conducentes. Desde la solidaridad parroquial o el revolucionarismo aggiornado. Desde la simple crónica o la militancia.
Desde donde sea. No hay futuro pensable ni deseable sin que haya espacio para el lugar de dignidad y de protagonismo que demanda ese suburbio inabordable.
Despojados de preconceptos atávicos. De nuestras propias anteojeras. Prudentemente lejos de los libros leídos y de los cuentos oídos entre llantos.
Abrir los caminos para que aquello que se vislumbra imposiblemente heterogéneo, que se imagina amorfo, asuma la condición de Sujeto. Con mayúsculas.
Sujeto sin otra vanguardia más que la que nazca de sí mismo, de sus propias contradicciones, complejidades, bellezas y miserias.
Sujeto que no siga caminos pretrazados por los eternos escribas de emancipaciones soñadas en otras geografías y contextos.
Aquí y ahora. Comprender y amar. No hay ningún pequeño nosotros sostenible sin ese nosotros gigante, que nos abrace a todos.
Conurbanos. Urgente
*En Argentina, el conurbano bonaerense se trata del área más densamente poblada, unida a la ciudad de Buenos Aires, está compuesto por 24 partidos independientes de la ciudad Capital. Se conoce también como el Gran Buenos Aires y su crecimiento y desarrollo fue producto del proceso de industrialización del país. De acuerdo a su proximidad con Buenos aires se agrupan estos partidos en varios cordones. La población del conurbano bonaerense está caracterizada por una amplia mayoría de sectores populares.
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“Enorme expectativa em Washington e Brasília”
Por: Nicolás Bico
Esta era a manchete do jornal “El diario” no Uruguai em 31 de julho de 1970. Naquela época, o pequeno país vivia um momento agitado devido à instabilidade econômica, política e social em que se encontrava. Os Tupamaros haviam sequestrado o norte-americano Dan Mitrione e o cônsul brasileiro Aloysio Días Gomide.
Mas quem eram os Tupamaros?
O nome “Tupamaros” vem do apelido que as autoridades espanholas da época colonial, no Río de la Plata, atribuíram aos patriotas que aderiram ao movimento de independência de 1811. A palavra teve sua origem na revolta indígena ocorrida no Vice-reinado do Peru, liderada pelo indígena Túpac Amaru II, e que foi duramente reprimida pelos espanhóis.
Apesar de ser o Uruguai um país com tradição democrática e boa coesão social, a instabilidade econômica dos anos 60 e a vizinhança (ou contexto) não ajudaram a manter tal tradição. O bairro (América Latina) vivia uma das realidades mais quentes da guerra fria. O Uruguai era como uma bela casa em um bairro pobre. Não só pobre, mas terrivelmente desigual, o mais desigual do mundo. E a bela casa não era mais tão bonita, tinha um alicerce que precisava ser consertado. Assim, havia um processo de deterioração econômica e social.
Vozes se levantaram contra a gestão política do país e, em novembro de 1964, apareceu, pela primeira vez, um folheto distribuído em uma convenção universitária onde se lia: “T N T Tupamaros no transamos”. Uma tradução desta frase para o português é menos engraçada, do que esperamos. Seria: “T N T Tupamaros não negociamos”.
Algum tempo depois, a assinatura “Tupamaros” apareceu, em 9 de agosto de 1965, no volante que acompanhava uma poderosa bomba que explode os tanques da empresa alemã Bayer. A mesma assinatura consta dos panfletos que acompanham uma bomba que explode na embaixada do Brasil em Montevidéu.
Em junho de 1968, o então presidente eleito Jorge Pacheco, em 1967, tentando suprimir uma série de protestos trabalhistas, declarou estado de emergência e revogou todas as garantias constitucionais. O governo prendeu dissidentes políticos, usou de tortura durante interrogatórios e manifestações foram reprimidas brutalmente. Essas ações governamentais foram fundamentais na decisão dos Tupamaros de recorrer à luta política armada e à violência política. Assim, em 1968, ocorreu um ataque e detonação à rádio Ariel, o primeiro dos dois sequestros do presidente da empresa de energia, Ulysses Pereira Reverbel, e um assalto ao Hotel Casino Carrasco, com roubo de vários milhões de pesos para financiar a luta armada. Por que Dan Mitrione e Aloysio Días Gomide foram sequestrados? Foi a primeira vez que o movimento sequestrou estrangeiros. Do lado brasileiro, é claro que Gomide, que passou 205 dias em cativeiro, não foi a melhor importação de produtos do Brasil que chegaram ao Uruguai. Gomide era filho do diplomata José Gomide Júnior, que, em 1955, foi nomeado Vice-Cônsul do Brasil em Miami, Estados Unidos. De 1957 a 1959, trabalhou em San José, Costa Rica. Em 1961, foi transferido para Roma. Acompanhou as delegações brasileiras nas reuniões da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura – UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO, Organização dos Estados Americanos – OEA e Conselho Econômico Interamericano e Social. Em 1967, foi nomeado Cônsul do Brasil em Montevidéu, Uruguai. Ele havia sido indicado pelp governante do Brasil, Emílio Garrastazu Médici, que foi o terceiro presidente da ditadura militar de 1964, com mãe uruguaia.
Do lado de Mitrione, sua vida e morte são dignas de uma telenovela. Em 1960, a agência norte-americana International Cooperation Administration, foi designada para atuar em países da América do Sul para instruir em “técnicas avançadas de contra-insurgência”. Mitrione foi enviado ao Brasil para ilustrar à polícia técnicas de tortura por eletrochoque para que os detidos não morressem no processo. Sob a direção de Mitrione, o programa de segurança pública dos Estados Unidos no Uruguai “introduziu um sistema nacional de carteira de identidade, como no Brasil, e a tortura se tornou rotina na sede da polícia de Montevidéu”.
De 1960 a 1967, Mitrione trabalhou na polícia brasileira, primeiro, em Belo Horizonte, e depois, no Rio de Janeiro. Retornou aos Estados Unidos em 1967 para compartilhar suas experiências e ser instrutor no combate à guerrilha na United States Agency for International Development. Cosculluela, agente da contra-espionagem cubano que conseguiu se infiltrar na CIA e era “colega” de Mitrione no Uruguai. Seu livro “Passaporte 11333. Uruguai, oito anos com a CIA”, lembra a maneira que usava a tortura: “A dor exata no lugar exato na quantidade exata para conseguir o efeito desejado”. (p. 286) “Mitrione considerava o interrogatório uma arte complexa. O período de amolecimento teve que ser executado primeiro, com os golpes e humilhações usuais. O objetivo era humilhar o cativo, fazê-lo compreender seu estado de indefeso, desligá-lo da realidade. Sem perguntas, apenas golpes e insultos. Depois, golpes exclusivamente silenciosos. Depois de tudo isso, o interrogatório ”. Em 1969, ele foi enviado para o Uruguai para trabalhar na Agência para o Desenvolvimento Internacional, a fim de assessorar e apoiar a segurança pública do Uruguai. Naquela época, o governo era presidido por Jorge Pacheco Areco. O país vivia um clima de agitação social, em um contexto de deterioração econômica pronunciada. Washington temia uma possível vitória da esquerda nas eleições de novembro de 1971. Mitrione alugou uma casa com porão para ensinar.
Com o aumento das tensões no Uruguai e do uso da tortura, em 31 de julho de 1970, os Tupamaros sequestraram Mitrione e o cônsul brasileiro Aloysio Días Gomide. Nathan Rosenfeld e Michael Gordon Jones, adido cultural e segundo secretário da Embaixada dos Estados Unidos, que também foram sequestrados, conseguiram escapar.
Em 2 de agosto do mesmo ano, por meio do Comunicado nº 4, os Tupamaros exigiam a liberdade de todos os presos por sedição, que somavam cerca de 150, e a eventualidade de partir para o México, Peru ou Argélia, em troca da liberdade dos sequestrados. O governo uruguaio, com o apoio dos Estados Unidos, declinou.
Em 5 de agosto, os Tupamaros emitiram novo comunicado em que marcava a noite de 7 de agosto de 1970 para efetivar a troca oferecida e ameaçavam que, após esse prazo, se dispunham a “fazer justiça”. O presidente Pacheco Areco declarou que não negociaria a troca oferecida. Dois dias depois, Claude L. Fly, um funcionário americano contratado pelo Ministério da Pecuária e Agricultura, foi sequestrado. Finalmente, no dia 8 de agosto, os Tupamaros enviaram sua declaração nº 9 a diversos meios de comunicação: “Hoje às 12 horas Dan Anthony Mitrione será executado”. Nem uma palavra sobre Aloysio Días Gomide ou de Claude Fly foi dita.

Em 9 de agosto, um patrulheiro que realizava rondas, encontrou um carro Buick 1948 estacionado em uma área escura, relatado como roubado. No banco de trás, vendado, amordaçado e baleado várias vezes, estava o corpo de Mitrione. O Presidente Pacheco Areco declarou luto nacional e convocou o Conselho de Ministros. Ao meio-dia, a Assembleia Geral foi convocada com urgência, a qual, após várias horas de deliberação, declarou suspensos os títulos individuais por 79 votos em 100 presentes. A repercussão foi mundial. O secretário de Imprensa da Casa Branca, em extenso comunicado, disse que o povo americano “une-se ao presidente Nixon para condenar este crime a sangue frio contra um ser humano indefeso”. A dedicação de Mitrione à causa do progresso pacífico em um mundo ordenado é um exemplo para os homens livres. Um avião militar americano carregava o caixão embrulhado na bandeira dos Estados Unidos. Ele desembarcou em Richmond. Em seu velório estavam, entre outros, Frank Sinatra e o comediante Jerry Lewis, que até cantou em um show para arrecadar dinheiro para os nove filhos de Mitrione, que certamente não sabiam o que estava acontecendo no porão de sua casa em Montevidéu.
No mesmo mês de agosto, a esposa de Gomide, María Aparecida Gomide, preocupada com o destino de seu marido, se reuniu com guerrilheiros na prisão e perguntou nas rádios do país se o presidente do país negociaria com os Tupamaros. Aparecida volta ao Brasil e pede a intermediação do chanceler Mário Gibson Barboza e do presidente Medici. Eles se recusaram, alegando que não poderiam interferir nos assuntos internos de outros países. Em dezembro do mesmo ano, os Tupamaros renunciaram à libertação dos presos, exigindo um resgate de um milhão de dólares. Aparecida inicia campanha no Brasil, com o apoio da apresentador Chacrinha, para arrecadar fundos para a libertação do marido. Em janeiro de 1971, $ 250.000 (duzentos e cinquenta mil dólares) foram arrecadados. Aparecida Gomide volta ao Uruguai e segue negociando com os Tupamaros, que exigem o fim do estado de sítio promulgado pelo Congresso uruguaio para a libertação do diplomata brasileiro. No dia seguinte, ao término da suspensão das garantias individuais, em fevereiro de 1971, Gomide foi libertado e voltou imediatamente ao Brasil, onde foi recebido pelo ditador Emílio Médici.
Como costumava dizer a cantor Zitarrosa do Uruguai “Mi pueblo no es argentino, ni paraguayo, ni austral, Se llama Pueblo Oriental, Por razón de su destino, Pero recorre el camino, De sus hermanos amados, El de tantos humillados, El de américa morena, La sangre de cuyas venas, También late en su costado, Mi pueblo no estuvo ausente, Ni mucho menos de espaldas, A la trágica y amarga, Historia del continente, Fuimos un balcón al frente, De un inquilinato en ruinas, El de américa latina, Frustrada en malos amores, Cultivando algunas flores, entre Brasil y Argentina”
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América Profunda, Poesía Delicadísima cuestión
Por: Abbas Abi Raad
Me gustan los temas bullados porque además de marcar un precedente, configuran escenarios propicios para activar la cabeza. Por ejemplo, si se instala una polémica en torno a un asunto que me interesa, me impongo el desafío de suprimir el yo, atenuar el narcisismo y mantenerme imparcial frente a la cuestión. Me empeño en no agotar la experiencia al comentario atolondrado, procuro no adoptar una posición, o simplemente intento guardar silencio, pero, como tiendo a sobrevalorar lo que pienso, sumado a mi anhelo primitivo de equidad, no consigo ser imparcial porque siempre termino comentando y respaldando al más débil.
Me gusta la imaginación y las ideas y también me gusta divagar. También me parece interesante cuando la ley y la poesía se mezclan. En la universidad pensaba, mientras algún profesor leía una norma, que esa escena estaba llena de poesía. No consideraba la posibilidad de vincular ambas disciplinas, era más bien mi sistema inmunitario actuando con suficiencia frente el frío estudio del derecho. La estrategia era simple, anotaba detrás del cuaderno algunos versos extraídos de normas y los introducía en distintos poemas para elevar su estándar. Un delito habitual que transformó mi paso por la universidad en un safari literario.
Años después, me contaron, entre otras mil anécdotas de poetas que ejercían el derecho, que Armando Uribe había recopilado y publicado en el año 1965 versos extraídos literalmente de artículos del Código Civil, o que, el 2002, Sergio Raimondi, en Argentina, había publicado “Poesía Civil”, un poemario que recoge -también de forma literal- actos administrativos, reglamentos y contratos, y de esa forma, entre anécdota y anécdota tomé consciencia de las muchas vinculaciones posibles entre el derecho y la literatura, logrando distinguir, por ejemplo, que el derecho puede ser considerado como literatura, en razón a la producción de sus libros; en la literatura, pensando que el derecho moderno se sostiene en concepciones como libertad, propiedad, o justicia; o, el derecho de la literatura, una dimensión menos amable que enmaraña la propiedad y la poesía, donde la literatura es el objeto del derecho y el derecho es el instrumento de la literatura, o, dicho mejor, el instrumento de quien detenta la propiedad de la literatura, porque por ajeno que suene, la literatura también tiene dueño, aunque casi nunca es quien la escribe, porque el poeta no sabe de modos de adquirir, ni de títulos traslaticios, ni inscripciones al margen, el poeta está al margen del aparato burocrático y sus senderos empinados, y aunque la literatura y el derecho se vinculan, el poeta seguro escogerá categorías de poder distintas a las normativas, no así su dueño, que como buen propietario, no dudará en proteger su patrimonio con uñas y dientes, sin importar las consecuencias.
Por eso, como dice Raimondi, Materia de disputa, la poesía, porque en el mundo abundan herederos al acecho, que esperan con vehemencia jurídica desatar sus perros contra quien ose experimentar con la obra de sus causantes. Propietarios dispuestos a convertir en proceso cualquier procedimiento literario. Propietarios dispuestos a omitir que la literatura es la materia prima del escritor y a aceptar, que tal vez lo suyo no es tan suyo como ellos quisieran.
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Que nunca falte!
Por: Sérgio Ubiratã
A primeira audição da obra La Margarita aconteceu em meados da década de 1990 quando euera aluno do curso de espanhol no CELEM da Universidade Federal do Paraná – UFPR, em Curitiba. Naquela oportunidade o professor de nome Marcelo apresentou-nos a faixa otoño. Recordo a sensação da musicalidade, os vocais e principalmente a imagem que o soneto transmitiu. “entonces eligió hojitas secas para pisar y el juego volvió el dorado más luminoso”.
Mas quando conhecemos o autor e sua história, a construção do imaginário, que nos presenteia com os 15 sonetos… ouvir o CD tem um outro sabor.
São 15 faixas que, como contas de um rosário, ou capítulos de um conto nos dá a dimensão do sentimento, e porque não dizer, platônico, que ele possuía para com a sua Margarita e pergunto aos leitores e leitoras quem não teve na sua infância ou juventude a sua Margarita?
Maurício Rosencof, dramaturgo, poeta, jornalista uruguaio foi um dos perseguidos e presos pela ditadura militar de 1973 – 1985, junto com outros 08 integrantes do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaro, entre eles o nosso icônico José Mujica e Eleutério Fernandez Huidobro. Na prisão, privado dos meios básicos de existência e fazendo escambo com os guardas, trocava cartas escritas de encomenda, por cigarros, pontas de lápis e outras preciosidades. Com os papéis dos cigarros escrevia versos, mensagens e principalmente buscava a saúde mental para sobreviver aos anos de clausura e muitas torturas física e mental. Nas costuras das roupas que enviava para a família lavar, conseguia esconder e traficar os papelotes com seus versos e histórias. No filme “Uma noite de 12 anos”, do Diretor Álvaro Brechner podemos nos aproximar daquela época de medo, repressão e resistência e sentir o quão fortes e perseverantes foram os nossos guerrilheiros.
Mas vamos falar da poesia dos 15 sonetos, sim sonetos, a forma mais clássica da poesia e de Jaime Roos o músico, cantor e compositor uruguaio que, em 1994, lançou a obra pelo Selo Orfeo, com arte gráfica do argentino Juan Lo Bianco. Num misto de Jazz, Tango, Milonga, Candombe e Rock. Roos musicou as quinze faixas e a participação do Maurício em duas delas – El Regreso e Em La Esquina – nos dá a devida conta da importância da obra. Com sobreposições de vozes e a justa repetição de partes dos versos, Jaime consegue nos transportar com a musicalidade a um filme aonde passamos a ser também, personagem da história contada por Maurício e conhecer cada nuance da sua Maga, como afetivamente chamava sua paixão.
Imagine-se nos anos de 1940, em um bairro de Montevideo… com 13 ou 14 anos surge o primeiro encantamento e esse o acompanha por toda a juventude. Esse é o resumo da história que nos é contada nos poemas. A primeira canção, El Regreso é uma apresentação da Margarita: Usaba blusa blanca y pollera tableada en paño inglés de pleno azul marino. – En su pobre roperito, lo más fino; con mocasines nuevos, quedaba ni pintada.” nela a voz de Maurício nos conta como era a Margarita.
A Cada faixa, um capítulo, uma história, um desafio para conquistar o coração daquela menina de bairro que de maneira tão peculiar sequestrou o coração do nosso guerrilheiro.
Convido então você a conhecer e se encantar com a obra: http://jaimeroos.uy/obracompleta/la-margarita/
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EDITORIAL – Edição de Outubro de 2021
Ernesto Guevara de la Serna, ou simplesmente, “El Fuser”, ou “Che”, é a capa da nossa edição número 2 do América Profunda. Que além do maior símbolo de insubordinação e contracultura que temos no século XX, é tambem o homenageado pela sua dura morte e emboscada que sofreu em outubro de 1967, há exatos 54 anos.
Nesta edição, você vai ver por aqui um duríssimo texto acerca da realidade punitivista no país e seu aspecto fundamental para perpetuação das classes dominantes, na pena de Karol Costa e André Jacomin.
Verá também como brancos homens de poder como Vargas Llosa tem um final decrépito defendendo a direita corrosiva e saltitante, nas palavras de Julia Lombardi e Rodrigo Silvestre. Continuando os desafios feministas num ambiente que tratou de desfigurar o caráter e figura da mulher, Ana Bassetti cutuca ainda mais essa ferida social.
A luta de classes é alvo e mira dos cortes profundos que Thaís Pagano rasga essa edição. Felipe Magal também compara o Brasil Profundo com o Deep State burguês e Marcos Brehm lembra a todos que Jair Bolsonaro é só a cereja de Bolo: O que nós queremos mesmo é dividir o bolo e as migalhas com socialismo acima de tudo e justiça social acima de todos.
Mas o que brilha mesmo nesta segunda edição é a aquisição dos mais novos culpados para redação desse time de estrelas.
Estamos falando de ABBAS Abi Raad, advogado chileno que já lança em seu primeiro texto as delicadezas e fissuras entre a literatura jurídica e a poesia; Nicolás Bico, militante uruguaio que enche de história e orgulho o papel preponderante da militância aguerrida, em especial dos Tupamaros; o companheiro Horácio Bouchox vindo da Grande Buenos Aires que faz a ligação entre o asfalto e o trabalho, no seu belíssimo poema “Conurbanos” e lá de Garanhuns, interior de Pernambuco, terra natal de Luis Inácio Lula da Silva, o professor e músico Sérgio Ubiratã nos carrega de sentimento explicando a musica e as sensações da música uruguaia e seu aspecto fundamental na construção dele. Ainda vai ver por aqui, o genial Vinícius Carvalho falando do dia de São Cosme e Damião e sua infância na baixada fluminense e a estréia da nossa galeria de arte na lente traumática de João Debs, um andarilho da arte clicando andarilhos que compõe a paisagem social da sociedade capitalista e excludente.
Tá uma porrada essa edição, não deixe de ler e mandar seu comentário e sugestão pra nós.
Ah, se puder, dá um oizinho nas redes sociais também, valeu?!?
En este mes de octubre dedicamos esta edición al más grande de todos los latinoamericanos, a la estrella que sigue alumbrando nuestro camino, porque al Che no lo mataron, lo sembraron. Acá seguimos en su camino, aún en tiempos difíciles, endurecidos pero sin perder la ternura jamás.
Saúde e Socialismo!
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El liberalismo putrefacto: o ocaso da cultura dos velhos homens brancos
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
Dois fenômenos interligados marcam nosso momento histórico atual, um é o melancólico espernear dos velhos homens brancos que ocupam posições de poder e concentram a riqueza financeira da sociedade. Outro, intimamente ligado com esse é a constatável falência do modelo neoliberal, implantado mundo afora e imposto na américa latina na década de 1990. Um emblemático exemplo desse movimento é o final trágico de “pensadores” como para o Vargas Llosa, que também no ocaso de sua existência parece revelar seu “Eu” interior verdadeiro. Ele, como outros, explicitam uma raiva irracional contra tudo que lhes seja diferente ou ameace os “valores do passado” que lhes remete a outros tempos, onde seu poder e mando não era jamais questionado. Esse tempo, entretanto, não existe mais, em que pese ainda concentrem em suas mãos os instrumentos de poder.
Tradicionalmente la derecha latinoamericana fue más liberal que conservadora, o en todo caso, liberal en lo económico y conservadora en lo social. Esta fue la característica de la mayoría de las dictaduras de los 70, enmarcadas dentro del Plan Cóndor, pero también de los gobiernos de los años 90 que instalaron el neoliberalismo en nuestro continente. Los nuevos gobiernos neoliberales que disputan nuestros países, si bien mantienen lógicas económicas similares a sus antecesores, difieren en algunos aspectos. En primer lugar se radicaliza el liberalismo en lo económico y lo conservador en lo social, pero en lo político se presenta una fuerte ruptura de los códigos políticos establecidos. Sin bien esto no es exclusivo de Latinoamérica, lo podemos ver en personajes como Trump o Boris, donde también se posicionan desde la anti política, o la ruptura con lo políticamente correcto, en el caso de los latinoamericanos además se le suma que son “cipayos”, traidores a sus pueblos, “malinchistas”.
En el neoliberalismo de los años 90, de la mano de la pobreza y la desindustrialización venía una promesa, la derecha latinoamericana sacaba de la galera del mago modernización, tecnología, magia y deseo. El acuerdo de Washington bajaba a nuestro continente del Delorean de Marty Mcfly. En cambio, ¿que propone la derecha rancia de hoy? En primer lugar no propone fundamentos políticos, ni preceptos morales, como dice García Linera es una “ideología de outlet”, no tiene doctrina ni profundidad, es pragmatismo político puro. Esto por ejemplo, lo vemos en toda la región cuando transforman a cualquier adversario en “comunista”, concepto que les resulta particularmente útil porque cuenta con un repertorio de estigmatización macerado durante años, y que al mismo tiempo puede englobar cosas totalmente diversas. En realidad no les importa en absoluto el comunismo, tal vez ni siquiera sepan bien de qué se trata, pero les permite una clasificación de amigo-enemigo que consigue estigmatizar y aislar a grupos adversarios a un nivel supranacional.
La derecha latinoamericana de hoy es salvaje, se muestra tal como es, sin secretos. Son borders, payasos, obvios, incluso estúpidos, pero también son rápidos y frente a un capitalismo cada vez más arrasador y destructivo, con niveles de exclusión cada más grandes, el escenario se vuelve más complejo y conflictivo, es ahí donde se van a mover como pez en el agua, porque es donde su única propuesta cobra fuerza y sentido, en el pacto con el Leviatan.
Parece que ao se abraçarem com a mentira e com a parte torpe do poder eles criam a coragem final para se revelar. E como toda boa novela latinoamericana (ou filme de ação ruim de Hollywood) o vilão faz o discurso se entregando, perto do final. Resta saber agora se vamos finalmente conseguir vencer essa ideologia de velhos, brancos, ricos, e propor um final decente para nós.
O “liberalismo” que se vive hoje é um conjunto requentado de ideias das ditaduras latinoamericanas, eles só não percebem que o contexto dos modos de produção (tecnologia) se alteraram profundamente. O capitalismo atual, que concentra riqueza em escala global em uma velocidade alucinante, somado à uma visão de estado nacional incapaz de ser o protetor dos mercados, não funciona mais. A Ditadura pode até oprimir o povo, mas não garantirá mais a vitória das “empresas protegidas”, pois o capitalismo globalizado não tem mais interesse nos Estados Nacionais. É o que o Velho da Havan vai descobrindo, que por mais ditador que o Bolsonaro possa ser, ou mais oprimidos seus trabalhadores possam estar, empresas como a Amazon não serão detidas, expandindo sua dominação em escala mundial.
Nesses “novos empreendedores” da tecnologia, também está presente o mesmo resgate da estratégia conservadora nos costumes e liberal na economia. Replicando inclusive modelos mentais ainda mais atrasados, onde após estabelecer a exploração econômica, rápida e insensível, o novos homens brancos ricos ignoram as mazelas criadas nesse planeta e voltam seus olhares a explorar outros planetas, gastando bilhões de dólares para “salvar a humanidade e nosso atual modo de vida”. Tudo isso enquanto destroem o ambiente e massacram os povos excluídos, como os latinoamericanos. É um pacto dos velhos homens brancos com os novos homens brancos, passando o poder e a riqueza de mão em mão. Cada vez mais concentrada.
É chegada a hora de mulheres, indígenas, negros, LGBTQIA+ e todos os oprimidos estabelecerem o plano para ocupar o vazio de futuro que será deixado. Propor um novo modo de interação e diálogo entre os povos, para que se possa superar o ocaso do liberalismo. Ou continuaremos a conviver com a carne putrefacta do liberalismo dos homens brancos sobre a mesa!
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O BRASIL PROFUNDO VERSUS O DEEP STATE- Por uma Revolução Brasileira.
Por: Felipe Mongruel
Por volta das 22 horas quando estourou a primeira bomba em frente a Policia Federal-Santa Cândida-Curitiba-Paraná-Brasil, 07 de abril de 2018.
O helicóptero que trazia o presidente Lula para ser preso na capital madrasta do Brasil descia no heliporto do prédio que era separado por militantes apoiadores do partido dos trabalhadores e do maior presidente que este país já teve, e militontos odiosos e burgueses que representavam e caracterizavam, como numa pintura de Caravaggio, a luta de classes tão abertamente, soltando rojões e desfilando em caminhonetes.
Enquanto uns levavam bomba de borracha da polícia, como era o caso meu e da minha mãe, outros se refestelavam ao tintilar de taças de champagne no meio da rua.
Acontece que o povo de luta dos trabalhadores por lá permaneceu, ininterruptamente, por 580 dias, à toda sorte das mudanças climáticas e da virulência da polícia militar do Paraná, se amontoando em quadras de calçadas vizinhas.
Eram mais de 18 cozinhas e mais de 1600 pessoas que fizeram a maior vigília da história do mundo pela libertação de um homem.
Mas como não se pode aprisionar uma ideia, pouco mais de 3 anos se passaram deste fato: O presidente Lula já provou o estelionato jurídico e eleitoral que ele e seu partido sofreram e o país já abriu as portas do inferno para o maior convescote de bandidos controlarem a nação. Mesmo que no meio disso tudo, o bom mocismo dos riquinhos da faria lima que iriam “acabar com a corrupção” tenha se esvaído depois da tentativa improfícua do ex-juiz Sergio Moro ter abandonado a toga e aceitado ser ministro de estado do fascista que nos governa.
O ex-juiz virou rapidamente ex-ministro e foi afugentar sua insignificância trabalhando pros yankees, em Uaxxxinton DC. Os mesmos que quebraram a indústria da construção civil do nosso país pagando portentosas cifras em dólares para o marreco, que vez ou outra, destila seu golpismo nas redes sociais ou em algum programa da rede Globo.
Os perpetuadores do golpe mantém-se cínicos com suas faces madeiradas e oleosas inventando o que de sempre lhes serviu: o acúmulo de capital e o desprezo total e profundo às classes trabalhadoras e à inclusão social.
A especulação trazida pela mídia brasileira, agora, outubro de 2021, é a criação de uma chamada terceira via. Uma terceira via aos nomes de Lula, o maior brasileiro vivo, e do cão vil, raivoso e sabujo, Jair Bolsonaro. Inclusive, colocando o nome do EX juiz ladrão como uma possibilidade (sendo que qualquer rato de banhado sabe que um pulha como este jamais se jogaria na frigideira da democracia, ainda mais disputando no voto, sua popularidade contra o metalúrgico pernambucano filho do ventre do povo).
Mais uma tentativa de limpar com mentiras e sabão o declínio do neoliberalismo na terra do carnaval. Éramos a sexta economia do mundo na época em que Lula foi presidente, hoje somos a décima quarta; saímos do mapa da fome; criamos 18 universidades federais e a medicina chegava até os rincões da bacia amazônica. 3 anos e meio depois, o desemprego atinge níveis na casa de 60 milhões de pessoas, que se amontoam pra comer osso de boi ou carcaça de galinha e o país amarga a dor de 600.000 famílias que morreram pela mais desastrosa ação de um país numa pandemia, tudo isso pela tela do seu celular em constantes confusões mentais e mentiras deslavadas que trataram de chamar de fakenews.
A importante tarefa que a Esquerda brasileira terá de fazer é recolocar uma crítica às suas atuações, deixando esse esquerdismo-liberal que tomou parte dela a coincidir tanto com a direita liberal, essa direita bom-mocista, que veste branco e usa sapatênis.
Continuar nessa toada, tentando dividir o espólio do estado burguês que só usa a bandeira do socialismo pra defender uma suposta virtude de apetites e exige ser tratada como fonte de poder não servirá às chances do povo. Isso é um poder factoide que não identifica e não representa a verdadeira luta. A de classes.
Visitando a obra de Gilberto Felisberto Vasconcellos, FOLCLORE, socialismo no povo, vemos um fio-condutor entre a aproximação da população brasileira profunda, aquela afastada da metrópole e que permanece em constante vigília com seus símbolos identificadores, quais sejam as crendices, a superstição e o valor do uso das suas afinidades e características culturais da população tradicional com a possível revolução brasileira.
“…A religião está conectada a superstição, mas não é a religião a origem da crendice supersticiosa. O que confere unidade ao povo é a superstição.” Pag.10. Os aparelhos ideológicos do Estado não eliminam o cotidiano supersticioso.
Entenda-se por revolução brasileira a revolução socialista, popular e soberana, com bem-estar para o povo e autonomia para a nação. Essas duas coisas são inseparáveis: emancipação popular e soberania nacional. A revolução está por vir, mas pode ser que não chegue enquanto não nos posicionarmos de maneira permanente com as bases sociais, com uma comunicação universal entre os milhões de trabalhadores, melhor dizendo, de batalhadores do país que se unem ou se unirão por emancipação social.
Com a absoluta certeza lógica, a única saída para um estado de escassez como é o Brasil é caminhar para um poder real do povo. Socialista. E o poder real emana da participação popular com todos os instrumentos adjuntos ao estado em sua permanência e sua identificação com o Brasil profundo. Um estado integral, como já citado neste jornal na edição 0, no texto de Julia Lombardi Mayan.
É com a experiência da cultura popular que se prepondera o valor de uso sobre as coisas não o valor de troca do capitalismo. Desta maneira enfrentaremos suas correntes e com essa percepção desafiaremos o imperialismo.
Qual o valor de troca do bumba meu boi? E do saci-pererê? E do lobisomen? Tudo isso pode ser vendável no turismo, mas como critério popular não é componente econômico.
“Time is Money, mas dinheiro não é tempo” como já citava Câmara Cascudo, poeta potiguar. Se pudessem, os capitalistas fariam com que nós trabalhássemos até durante o sono. Aboliriam o sono o que ocasionaria abolir os sonhos. Portanto, o trabalhador dormindo seria um empecilho pro capital. Logo, o trabalho é a morte. O sonho, a vida.
E o folclore nada mais é que o lúdico, que a brincadeira, que o sonhar acordado. A vida com seus mistérios, desafios e oportunidades.
Nós queremos a volta da dignidade através de um estado forte governado por gente comprometida com os anseios do povo e com soberania da nação. Mesmo que para alcançá-las tenhamos de entregar nossas vidas à resistência ao poder mesquinho e acumulador da elite tacanha e lacaia dessa nação
É pela cultura popular dessa brava gente e pela oportunidade de exercermos aquilo que somos, forjados e construídos no caráter de cidadãos latino-americanos descolonizados, livres e despertos que este jornal existe e soma-se à voz da Esquerda.
