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Categoria: Volume III * nº. 1 * Janeiro de 2023
Edição de Janeiro de 2023 do Jornal América Profunda
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Uma reflexão sobre justiça ambiental
Por: Nilson de Mello de Filho
A discussão da questão ambiental sempre esteve permeada de vários significados, que podemos agrupar em duas correntes de pensamento. Uma cultural, que questiona o estilo de vida, o consumismo, as formas de produção e de apropriação da natureza do modelo de desenvolvimento capitalista-fordismo. A outra utilitária, protagonizado inicialmente pelo Clube de Roma, que após décadas de crescimento dos países centrais, defendia a ideia do crescimento zero para economizar recursos e energia, assegurando dessa forma a acumulação de capital. É dentro dessa disputa ideológica que o conceito de justiça ambiental propõe uma ressignificação da questão ambiental.
Para o modelo utilitarista o meio ambiente é um só, sem representações socioculturais específicos e diferenciados, é entendido apenas como fonte de recursos, e expresso em quantidades, não importando os motivos pelos quais a sociedade se apropria dos recursos naturais. A poluição é aceita como preço do desenvolvimento e é democrática, afetando a todos sem distinções de classe. O mercado global, o conhecimento científico e consenso político são as estratégias de afirmação do modelo utilitarista, conhecido como modernização ecológica. Discurso reticente de eficiência para economizar os recursos, para dar preço ao que não tem preço, garantindo que os recursos estejam disponíveis para a acumulação do capital. Com a globalização as empresas, ao se instalar em determinado local, podem exigir vantagens, impor práticas poluentes e perdas de direitos, usando como argumento a oferta de empregos e aumento de receitas públicas, processo conhecido como chantagem locacional (ACSELRAD, 2010).
Para razão cultural o meio ambiente é plural, complexo e socioculturalmente múltiplo, reconhece que não há ambiente sem significações e lógicas e seu uso depende das representações das diversas sociedades e culturas. Questiona os motivos pelos quais as sociedades se apropriam dos recursos, para produzir “arados ou canhões”. Reconhece que os problemas ambientais são desigualmente distribuídos entre as classes sociais, que os mais ricos se beneficiaram mais com o desenvolvimento e teriam mais condições de evitarem os problemas da poluição, enquanto os mais pobres são coagidos, pelas regras do mercado, a viverem em áreas mais degradadas e com menor investimento governamental (ACSELRAD, 2010).
Essa desigual distribuição dos recursos e da poluição dentro da sociedade e a percepção que o ambiente de uns prevalece sobre o ambiente de outros, estimula os conflitos ambientais. Para a raiz cultural, a injustiça social e a degradação ambiental possuem a mesma origem e se faz necessário mudar as formas de distribuição, retirando dos poderosos o poder decisório sobre os recursos e a capacidade de transferir a poluição para os mais pobres. Portanto Justiça Ambiental é um conceito em construção, da união de movimentos sociais que historicamente lutam por mais direitos com as questões ambientais. O movimento de Justiça Ambiental surge na década de 1980 nos Estados Unidos, denunciando a lógica que torna desigual as condições sociais, a divisão dos recursos e a distribuição da poluição. Diferentemente da lógica do Movimento Não no Meu Quintal, os autores envolvidos com a questão do racismo e da desigualdade ambiental, começam a evidenciar a prática que vigora, Sempre no Quintal dos Mais Pobres. O perfil socioeconômico das vítimas de desastres ambientais evidencia essa desigual distribuição dos problemas ambientais. O Movimento por Justiça Ambiental estabeleceu os princípios e práticas que definem as categorias de luta por justiça ambiental, são elas:
- Asseguram que nenhum grupo social seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;
- Assegurem acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;
- Asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;
- Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD, 2010).
É através de formas de luta inovadoras que os movimentos sociais têm inserido a pauta da justiça social na questão ambiental e que essa não siga apenas a lógica utilitária do mercado. Nesse sentido, faz-se necessário superar a visão clássica do desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico perpétuo, progresso linear e antropocentrismo desmedido (Gudynas, 2011). Urge discutir alternativas de um novo modelo civilizatório que tenha como base o Bem Viver, na tentativa de reconsiderar as relações com a natureza. O futuro é ancestral.
Autor: Nilson de Mello de Filho: Doutor em Meio Ambiente, Biológico e Diretor da empresa Broto Fácil
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Todo poder emana do povo:
Por: André Luís Jacomin

REUTERS/Carla Carniel/Direitos reservados Bolsonarismo e seu partido militar golpista mais uma vez tentam silenciar a vontade popular por meio da violência e opressão
Não é fácil apresentar análise que apreenda a totalidade do fenômeno ocorrido naquela tarde de 08 de janeiro. O texto que segue, portanto, é somente reflexo de impressões parciais e precárias sobre o sentido político do ataque bolsonarista.
De início, deve-se chamar a atenção para a imprevisibilidade das consequências do ataque político da direita. O Governo Lula mal começou. Do ponto de vista da institucionalidade da administração, ainda há certa precariedade em apresentar com clarezas as diretrizes do novo governo. Fruto de uma frente ampla com diversos setores da direita, conta com natural dificuldade de encontrar projetos em comum. A precariedade da operação política de Lula para governar inevitavelmente leva a fissuras, que podem desencadear em fraqueza e debilidade política.
Portanto, o ato golpista de 08 de janeiro de 2023 atinge um governo ainda inicial, já com grandes dificuldades políticas.
Analisando os fatos com lentes mais precisas, é muito difícil não perceber que estamos sofrendo uma tentativa clara de golpe militar, em evidente ataque ao povo brasileiro, como historicamente age o militarismo no Brasil.
A partir da perspectiva da luta de classes no Brasil, os militares são o braço armado e a mão amiga das classes dirigentes. O povo, do Brasil profundo e oprimido, nunca pode contar com os militares ou suas forças auxiliares, que rotineiramente adentram favelas, matam trabalhadores e alegam que se confundiram, sem nenhuma consequência para os assassinos. Aliás, o povo brasileiro nunca pode contar com nada, com nenhuma instituição ou coisa que o valha, como já ensinava Darcy Ribeiro.
O protofascista Bolsonaro, até 2018 uma espécie de sindicalista militar, possui, portanto, profunda relação com as pretensões políticas do militarismo. Não é demasiado lembrar o que pensa este grupo: no momento do seu voto a favor do golpe contra a presidenta eleita Dilma, Jair fez clara apologia ao preposto de ditador e torturador Brilhante Ustra.
Mas se aprendemos direito alguma coisa sobre a real política brasileira, havemos de intuir que a classe militar não paira no ar sem um pilar real de sustentação de classe: a burguesia detentora do capital.
No ataque da direita em 08 de janeiro, houve claramente apoio explícito dos militares. Conforme noticiado, inclusive em sites bolsonaristas[1], existe um batalhão militar com aproximadamente mil homens que possui a função de proteger o palácio do planalto. Interesse notar que, ainda quando o golpista Temer era presidente, o referido batalhão protagonizou o chamado “Plano Scooby”[2], que consistia em operação para proteger o palácio contra eventuais protestos, pois, na época, Michel amargurava elevado desprezo popular e teve medo que a situação fugisse ao seu controle.
Não devemos também cair em tentação de confiar cegamente nas instituições brasileiras, que certamente contam com vários membros bolsonaristas radicais: a começar pelo próprio governador do Distrito Federal e de seu secretário de segurança pública (ex-ministro de Bolsonaro).
Nesse sentido, Mauro Iasi nos exorta:
O mesmo pode ser dito da complacência bovina com a qual a estrutura judiciária brasileira vê os termos da reforma trabalhista, a chacina diária das diferentes políticas de segurança pública transformadas em máquinas de extermínio de jovens negros e de matéria-prima para o encarceramento contra todos os dispositivos previstos na legislação específica, como a Lei de Execuções Penais, a Constituição Federal e os tratados que definem o respeito aos direitos humanos. O que se evidencia é a constatação, brutal e explícita, que não há nenhum fundamento para o direito, nem no corpo mítico de supostos direitos naturais, nem na abstração de patamares civilizatórios, que não seja a luta de classes e a materialidade das relações sociais que constituem a base real da forma jurídica (IASI, 2019, p. 43
Em que pese não termos bola de cristal, nem ignorar a complexidade extrema da situação política atual, ao que tudo indica, se o Lula e o povo não agirem na defesa de sua opção política, que foi vitoriosa, ainda que meramente eleitoral, veremos mais um golpe contra o povo, tal qual em 2016.

Foto: Nelson Almeida/AFP Referências
IASI, MAURO LUIS. Cinco teses sobre a formação social brasileira. SERVIÇO SOCIAL & SOCIEDADE, v. 136, p. 417-438-438, 2019.
[1]https://brasilsemmedo.com/onde-estava-o-batalhao-da-guarda-presidencial-durante-a-depredacao-do-palacio-do-planalto/
[2]https://www.metro1.com.br/noticias/brasil/35710,exercito-pratica-plano-contra-invasoes-no-planalto
André Luís Jacomin. Formado em direito. Possui interesse em criminologia, sociologia e política.
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A Batalha dos 100 dias
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
Desde o dia 08 de Janeiro o país vive o clima de golpe de Estado. A atmosfera é de comoção e solidariedade em defesa da democracia por um lado. De outro, é de afloração do desejo de retomar o controle político do país pela força.
A mobilização da direita tem um objetivo claro, travestido de defesa do Estado conservador: impedir que o governo Lula obtenha qualquer resultado até os 100 primeiros dias de governo. Essa marca simbólica é importante, porque sinaliza para a sociedade as prioridades do governo, mas principalmente, sua capacidade de articulação e liderança dos diferentes grupos sociais.
A relação do governo Lula com o parlamento já teve sua prova de fogo na aprovação de espaço fiscal para os programas sociais e principais compromissos de campanha. Mas é fundamental lembrar que o congresso apenas autoriza o orçamento para as atividades, o financeiro para pagar as contas precisa vir da arrecadação. Essa por sua vez precisa da recuperação da atividade econômica, emprego formal, comércio internacional etc.
Depender de um judiciário atuando sistematicamente para garantir que o executivo possa operar terá um custo exorbitante para o Presidente Lula, de maneira que se não obtiver resultados até os 100 dias, então haverá espaço para as críticas da direita derrotada e consequentemente combustível para novos atos golpistas.
A composição dos ministérios, especialmente do primeiro e segundo escalão, embora célere, cumpriu a promessa de um governo amplo e plural. Com isso, também significa que será preciso gerenciar uma miríade de interesse muitas vezes antagônicos. Essa tarefa, terá que ser feita em última instância pelo próprio presidente Lula. Ele tem a capacidade singular de articulação e liderança que o país precisa, mas não é capaz de fazer sozinho as atividades para consecução dos projetos de governo.
É preciso formar agora um “exército” de profissionais que ocupem os níveis intermediários do governo federal e possam dar vazão aos dizeres e pensamentos do quadro de notáveis que se formou no primeiro e segundo escalão. Como se pode dizer, muitas vezes não pela falta de “generais” que se concluí bem a missão, mas pela presença de soldados eficientes. Afinal, são eles que irão de fato empunhar as armas e encarar o adversário.
A Batalha dos 100 dias será decisiva, para saber como serão os próximos anos do governo Lula, mas principalmente, como serão as chances do bolsonarismo retornar reavivado em 2028. Toda atenção para os próximos movimentos é fundamental.
Vivemos tempos onde ações parece previsíveis, mas ao mesmo tempo inevitáveis. O anima que se criou no país não parece mais poder ser contido. A não ser que se estabeleça uma agenda de projetos e ações que tenha resultados incontestáveis. Promova a reinclusão social e a ressocialização de uma parcela de milhões de pessoas. Pessoas essas que aparentemente não compactuam com as ações extremistas adotas em 08 de janeiro.
Rodrigo “Corujo” Silvestre: economista, jornalista e comentarista do jornal América Profunda
Crédito do Vídeo: Cristenio
