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Categoria: Academia e sociedade
Coluna Academia e sociedade. Editor responsável: Magal Mongruel
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Não saco nada de Física: o tal do Novo Ensino Médio
Por Desiree Salgado
Terceira coluna sobre o mundo e seu contexto.

Foto da Autora: Desiree Salgado -
Uma centelha de esperança: a semente deixada pelo 31º Festival de Curitiba
Por Carla Françoia e Felipe Mongruel

Foto: Tiggaz Na manhã de 10 de abril de 2023, Curitiba amanheceu plúmbea como muitas vezes costuma amanhecer. Ergueu-se na atmosfera uma certa órbita de um amargo de desligamento; uma separação forçada; um adeus. Era o momento da despedida que chegava à cidade. O cinza do céu levava embora, além das dezenas de trupes, trabalhadores, colaboradores, organizadores e curadores, uma centelha de esperança e otimismo que o 31º Festival de Curitiba em suas duas semanas nos deu. Foi o maior, o mais belo de todos os tempos. O mais inclusivo. O mais especial. O mais ousado. Finalmente, Curitiba teve um Festival para chamar de seu.

Foto: Annelize Tozetto Se na primeira semana do Festival vimos que a Cultura é o instrumento necessário e capaz de apagar a fuligem de dois anos de pandemia e de um governo que tinha a necropolítica como arma de Estado, como já dito na coluna da primeira semana (Do Horror à Vida: a marca do 31º Festival de Curitiba- https://www.cultura930.com.br/do-horror-a-vida-a-marca-do-31o-festival-de-curitiba/), na segunda e última semana do Festival, não foi diferente. Ele trouxe provocações de todas as espécies à “capital do golpe”, nos fez depararmo-nos com cortes viscerais a nossa essência social, política e antropológica. Porque todo o poder inquietante e provocador da Cultura – um poder que é invisível pois é um poder que chama por transformações – nos levou a olharmos para nós mesmos e para o mundo ao nosso redor e a clamar por mudanças essenciais e necessárias à vida coletiva. Melhor dizendo, a marca da segunda semana de Festival colocou o dedo numa ferida dolorida para a nossa sociedade: encontrar meios para combater um outro poder invisível, que infelizmente, ainda ocupa um lugar de destaque: O fascismo.
O Fascismo não está escondido, às vezes passa o almoço de Páscoa com você, ou mora no apartamento alugado ao lado, divide a mesma calçada, come nos mesmos restaurantes ou vai nos mesmos parques. Ele está na sua família, no seu lazer, no seu trabalho. Ele está em todos os lugares. É uma construção semântica de diversos meios para atingir fins determinados. Ele é espaçoso, amorfo e destrutivo. Já a cultura, essa é expansiva, é ilimitada, é irrefreável e é fértil. Engana-se quem pensa aí do outro lado que estamos falando pelo lado do entretenimento que a cultura tem – Isso também existe, é claro – é do aspecto libertário, libertador e libertino que ela carrega que nos faz alçar olhares para longe, para lugares nunca vistos. A cultura não é só diversão para poucos na classe media, ela é grito daqueles que estão excluídos, a margem da sociedade que os mantém lá como forma de elimina-los. A obra do fascismo, diferente, exclui para eliminar.

Foto: José Luiz Pederneiras Isso foi visto na peça “Cárcere ou Porque as Mulheres viram Búfalos” da Companhia de Teatro Heliópolis que mostra mulheres periféricas lutando pela centralidade da sua existência. Ou como bem mostrado com a peça “Um Tartufo” da Cia do Esplendor do Rio de Janeiro de adaptação do diretor Bruce Gomlevsky. Da obra originária do século XVII, de Molliere, tiramos uma surpresa edificante: o mesmo mal populista dos pregadores do Divino ultrapassa séculos. E isso aconteceu não só pelo figurino baseado no expressionismo alemão dos seus personagens, não só pela construção de quase 100 minutos de peça em que todo o diálogo se apresentou pela ocupação dos corpos em cena sem que a linguagem oral estivesse presente e não só, pelo fim arrebatador dado pelo diretor, que mostra uma realidade da qual queremos e devemos nos livrar: figuras messiânicas e ditatoriais com discursos autoritários e eugenistas não tem e não terão vez e voz no nosso país. Ou pelo leveza dos corpos que se entrelaçam na doçura das cores da primavera, ou no contraste do preto e branco do breu como dançou o Grupo Corpo fechando o Festival sendo ovacionado pela plateia embriagada de êxtase pelo espectáculo apresentado.

Foto: Tiggaz Seja lá o que for, Curitiba presenciou a vida nua e crua exposta pela arte nestas duas semanas de Festival. Ela foi chacoalhada por verdades que tentamos esconder, mas que não é mais possível porque pulsa a urgência em fazer diferente, em fazer melhor, em fazer mais, sempre.
Como nem tudo são flores, é dever de informação comunicar aos quatro cantos e em alto e bom tom que a Prefeitura e a Fundação Cultural de Curitiba – FCC – não colaboraram financeiramente com o Festival. Decerto que não seremos irresponsáveis em não lembrar que foram diponibilizados palcos públicos para as apresentações principalmente do Fringe ou da Casa Hoffmann na Mostra Lucia Camargo. Funcionários públicos municipais foram acionados para a limpeza e segurança dos locais. Agora, convenhamos que é muito pouco para uma cidade que se arvora em dizer ser a mais inteligente (leia-se: smartcity) do país, ou que detém buquês europeus no seu estereótipo, para um evento de mais de oito milhões de reais. Este encargo ficou dividido entre os patrocínios conquistados pela organização e a outra parte pela adesão da população curitibana, que maciçamente juntou-se aos turistas que vieram para prestigiar os espetáculos. Fica aqui nosso puxão de orelha ao “mega intelectual” prefeito da cidade que, aliás, não foi visto valorizando e aproveitando o Festival, tampouco transitando pelos teatros da cidade. Fica aqui a nossa pergunta pelo paradeiro do prefeito durante os 13 dias.

Foto: José Luiz Pederneiras Por último, não podemos deixar de destacar o maior resultado do Festival: as sementes lançadas ao solo fértil da capital dos pinheirais. Àquela centelha de esperança e otimismo, sem dúvida alguma, fez brotar uma rosa de união e esperança para o próximo ano. A flecha lançada da inclusão e da diversidade, da participação e da colaboração, da lágrima e do aplauso, fez resistir um corpo orgânico vivo, forte e maduro entre palco e plateia. E que, no baile da vida, enaltece os grandes artistas do mundo: os trabalhadores.
Que venha logo o 32º festival cheio das mesmas emoções, temperando os dias plúmbeos com grandes encontros e grandes escolhas, para, quem sabe, a gente sorrir orgulhosamente desta terra, como a República do Teatro no Brasil.
Autores:
Felipe Mongruel é especialista em Ética pela PUCPR, foi advogado da Vigília Lula Livre, liderou o coletivo que ia semanalmente durante 14 meses em frente ao MPF cobrar explicações dos procuradores da força tarefa Lavajato, foi professor de filosofia, apresenta o programa Vamos à Luta e é um dos diretores do Jornal América Profunda.
Carla Françoia é psicóloga, psicanalista, palestrante, Doutora em Filosofia e pesquisadora em Gênero e Sexualidade.
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Lus Produções Artísticas lança o videoclipe “Só Pra Nós Dois” do músico e compositor Wes Ventura

Imagem: Lus Produções Artísticas Fundada em 2021, por Luigi Castel, técnico, artista e empresário da Effex Tecnologia e a multiartista Luana Godin, a Lus Produções Artísticas, vem ao mercado com o objetivo de trabalhar com a produção de videoclipes. A dupla de LUS, têm desenvolvido desde 2011 videoclipes de suas produções musicais, e com a nova marca visam realizar e participar de projetos criativos e artísticos no audiovisual, desde gravação de shows e performances nas artes cênicas a curtas metragens, videoclipes e transmissões ao vivo de eventos culturais.
O primeiro projeto de realização da marca LPA – Lus Produções Artísticas, aconteceu em 2021, com a produção e realização do vídeo de plano sequência de 20 minutos, onde Luana Godin e Luigi Castel apresentam as canções do show Dançaaê, do projeto intitulado Sequência Musical.
Em 2022 a dupla de LUS, decidiu expandir os projetos para a produção e desenvolvimento de videoclipes. “Decidimos voltar nosso olhar para artistas que fazem sua música de forma independente e que acreditamos no trabalho. Investir na realização de videoclipes de artistas que temos admiração é um passo muito importante para nós que estamos há mais de 20 anos produzindo arte.” comentou Luana.
O primeiro álbum de estúdio do “bPara o início desse novo projeto, Luana Godin e Luigi Castel entraram em contato com Wes Ventura em março de 2022, e o convidaram para gravar um videoclipe. Conheceram o Wes em um projeto no auge da pandemia (2020) e ficaram admirados pela voz, musicalidade e composições do artista. A partir dessa conversa, o compositor falou sobre o seu primeiro álbum intitulado Na madruga Sem Pressa e da possibilidade de gravar um videoclipe para uma das canções.arretense” é uma produção independente, fortalecida por sua base de fãs e apoiadores, e que agora entra em fase de mixagem e masterização. O álbum com 13 canções tem produção musical assinada por Du Gomide e B Face na música “Já Tive Um Sonho”, Kiko Dinucci na música “Afro Caipira Contemporâneo” e Henrique Geladeira e Salve Samuca na música “Só Pra Nós Dois”. Todas as composições são de Wes Ventura, que se destaca cada vez mais no cenário da música brasileira.

Imagem: Lus Produções Artísticas Wes então propôs produzirem o videoclipe de Só Pra Nós Dois, tornando-se o primeiro single do álbum. “A música aborda de maneira poética, mas também política, as delicadezas e subjetividades do afeto negro e indígena. Acredito que a reparação histórica ameniza as dificuldades e barreiras que nossos corpos carregam e nos liberta para amor.” disse Ventura.
As ideias já começaram ali e Wes alinhou a ponte com o rapper e roteirista Mano Cappu, que já havia escrito um roteiro especialmente para a canção, antes mesmo do convite dos LUS ao Wes.
Segundo Mano Cappu, o roteiro foi inspirado no episódio de Paulo Galo junto ao grupo Revolução Periférica, que em julho de 2021 atearam fogo na estátua de Borba Gato na cidade de São Paulo. “… Foi uma forma de homenagear Galo, ainda mais agora que ele está sendo condenado… também o lugar de renomear pessoas cruéis da história que são condecorados como heróis. Acho que a gente tem que dar nome a alguns milhões de brasileiros e colocar nos seus devidos lugares da história, que são um museu da escravização brasileira. Essas pessoas têm que ser lembradas com essa forma esdrúxula, pelo o que eles fizeram com os povos negros e indígenas. Então pra mim esse roteiro é uma forma de ressignificar esses corpos (indígenas e negros) e colocá-los em um lugar de amor, de luta e de resistência… Zumbi e Dandara vivem!”
Para a direção de fotografia Luigi Castel destaca “ tinha dois pontos que considerei importante para a captação e no coloring: primeiro foi evidenciar a pele preta, tons e sobretons, assim como os detalhes das mãos, dos olhos, das bocas, tanto pra luz quanto pra cor, não queria que as peles ficassem embranquecidas com alta exposição e a segunda questão era sobre não sexualizar as cenas dos casais, a intenção era mostrar o amor, carnal e real, para além da nudez e do sexo… a fotografia se deu no olhar amplo do carinho, do calor dos beijos, do abraço e da troca de olhares no intuito de enaltecer os encontros, o afeto e o carinho dos atores, atrizes e artistas.”
O quarteto Luana, Luigi, Wes e Mano fizeram algumas reuniões e “a partir disso foi criatividade, coletividade e muita satisfação. É uma honra subir uma obra com artistas incríveis que residem em Curitiba além de assessorar o Wes Ventura para registrar o single” finalizou Luana Godin.
O videoclipe de Só Pra Nós Dois foi lançado dia 5 de março no YouTube da LPA. Acesse no link
OUÇA NAS PLATAFORMAS
http://tratore.ffm.to/sopranosdoiswesventuraACESSE O VISUALIZER
Créditos:
VIDEOCLIPE Realização audiovisual: LPA – Lus Produções Artísticas Artista: Wes Ventura Direção: Luana Godin e Luigi Castel Roteiro: Mano Cappu Direção de cena: Luana Godin Direção de Fotografia: Luigi Castel Edição: Luana Godin Colorização: Luigi Castel Assistente de produção e Maquiagem: Ana Letícia Moletta Assistente de Fotografia: Fabielle Iatski Figurino de Wes, Zumbi, Dandara: Brechó das Preta Figurino Jornalista: Brechó Vera Lu Produtora Wes: Catarina Bertúlio Estúdio de gravação: Central Records Locação: Maria Ignacia Encina Tapia Produção executiva: Luana Godin e Luigi Castel
ELENCO Geyisa Costa Ronnald Pinheiro Cleo Cavalcantty Day Padilha Kabuto Majo Farias Mano Cappu Noe Silvester Neto APOIO Brechó das Preta Central Records Vera Lu Brechó MÚSICA Letra e música: Wes Ventura Produção musical : Henrique Geladeira e Salve Samuca Técnico de gravação, mixagem e masterização: Henrique Geladeira Estúdio: Du Gomide / Henrique Geladeira
MÚSICOS: Wes Ventura – voz Pedro Afara – baixo Rhuan Rodrigues – bateria Jean Quevedo – teclado
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Certas luas, dias incertos e lá vem abril
Por Desiree Salgado
Segunda coluna sobre o mundo e seu contexto.

Foto da Autora: Desiree Salgado -
Mais do mesmo mês de março
Por Desiree Salgado
O mês de Março: o mês das mulheres, em que se é necessário ano após ano se lutar pelas mesmas coisas, em que, ao final dos 31 dias, os homens voltam a ocupar todos os espaços que são concedidos as mulheres, somente, neste mês. Março também foi marcado pelo aniversario de nossa cidade, Curitiba, e pelo lastimável marco do dia 31 de Março, o golpe de 64.

Foto da Autora: Desiree Salgado -
O MARX É POP
Willian Carneiro Bianeck
Aniversário de falecimento parece uma comemoração mórbida, mas não é incomum. Santos ganham festividades em suas mortes, ícones históricos viram feriados e filósofos são apenas lembrados por seus leitores que afirmam entenderem suas obras e para aficionados em citações duvidosas de internet. E tem pessoas como Marx, lembradas por detratores e entusiastas nas efemérides de sua despedida do mundo materialista que tanto lhe causou interesse.Não entendo muito bem sobre morte, porque é um assunto que evito. A ficção em seus mais variados gêneros adore especular razões concretas e etéreas que nos levam a partir deste para um outro plano ou apenas virarmos comida aos vermes que primeiro roerem as nossas frias carnes, para dar uma de pedante e botar uma referência machadiana por aqui. Afinal, textos sobre finais são todos parecidos e seguem o roteiro já esperado pelo leitor. Grandes histórias exigem finais poderosos, o que não foi o caso de Karl Marx, que foi acometido por doença e morreu na penúria, sem ter tido êxito quando vivo no seu intento de mudar o mundo. Seu projeto, contudo, não seria esquecido e solapado por sete palmos de terra.
A biografia do barbudo comunista confunde-se com sua própria obra. Não era conhecido muito por seu apreço aos grilhões acadêmicos, pois acreditava que a filosofia não poderia ficar restrita aos empoeirados gabinetes e bibliotecas universitários. Daí porque vivia em piquetes com seu fiel escudeiro Engels, lançando o seu “Manifesto do Partido Comunista” para tentar empoderar a classe proletária e demonstrar que outro sistema além do capitalismo é possível. A sua última tese sobre Feuerbach resume o mantra que carregou em suas trajetórias: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Das releituras leninistas e gramscianas, ao estruturalismo marxista de Althusser, as ideias marxistas continuam em voga, persistindo como uma pedra no sapato para o sistema capitalista. É muito difícil se encontrar qualquer análise séria sociológica sem levar em conta a importância dos ensinamentos da obra colossal “O Capital” e seus volumes; ainda que incompleta, o estrago que os estudos e escritos trouxeram sobreviveram até mesmo à ampla propaganda desprestigiosa dos principais meios de comunicação, empresários e até mesmo de intelectuais que não simpatizam com suas ideias.
“Um espectro assombra a Europa… O espectro do comunismo”: essa frase é vista como um mote para disseminar o medo de um mundo em que o capitalismo não se sustenta mais; na verdade, é uma mensagem para nos avisar que um outro mundo é possível e necessário, um mundo em que bilionários e suas sandices sejam apenas caricaturas históricas e a fome e a miséria partes de narrativas de terror que não estarão mais nas estatísticas contemporâneas.
Karl Marx hoje continua pop. Suas representações não se limitam a artigos acadêmicos ou livros enormes lidos somente por seus autores; passeiam na literatura, cinema e artes gerais. Há inclusive um passeio turístico em Londres chamado “Karl Marx The Walking Tour” que leva o turista de classe média às localidades preferidas do filósofo. Isso sem falar na sua própria imagem transformada em cédula de dinheiro na sua cidade natal, Trier, de zero euros: não valia nada de fato, mas era vendida à época por 3 euros. O fetiche pela mercadoria que se tornou a sua própria imagem.
Toda essa ladainha tem como conclusão o seguinte: Marx pode ter morrido no mundo materialista que tanto destrinchou, mas continua vivíssimo por meio das ideias e projetos que construiu e criticou. A morte do filósofo alemão não faz sentido, não para quem ainda segue seus preceitos. A data de hoje se presta mais para reavivar a sua atualidade e popularidade, para o bem ou mal. Para a parcela mais tacanha, Karl Marx representa tudo aquilo que não presta e deve ser combatido. Para os demais, é alguém que deve cada ver mais levado a sério, concordando ou não. Para Oswald de Andrade, era motivo para beber: ““ignorando o Manifesto Comunista e não querendo ser burguês, passei naturalmente a ser boêmio”. Para mim, trata-se de meu norte para seguir no meio de um mundo recheado de contrastes e gente bruta que ainda crê na barbárie como algo natural.
Willian Carneiro Bianeck é boêmio por opção, advogado por obrigação, péssimo literato em disfunção e sociólogo em eterna formação.
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Todo poder emana do povo:
Por: André Luís Jacomin

REUTERS/Carla Carniel/Direitos reservados Bolsonarismo e seu partido militar golpista mais uma vez tentam silenciar a vontade popular por meio da violência e opressão
Não é fácil apresentar análise que apreenda a totalidade do fenômeno ocorrido naquela tarde de 08 de janeiro. O texto que segue, portanto, é somente reflexo de impressões parciais e precárias sobre o sentido político do ataque bolsonarista.
De início, deve-se chamar a atenção para a imprevisibilidade das consequências do ataque político da direita. O Governo Lula mal começou. Do ponto de vista da institucionalidade da administração, ainda há certa precariedade em apresentar com clarezas as diretrizes do novo governo. Fruto de uma frente ampla com diversos setores da direita, conta com natural dificuldade de encontrar projetos em comum. A precariedade da operação política de Lula para governar inevitavelmente leva a fissuras, que podem desencadear em fraqueza e debilidade política.
Portanto, o ato golpista de 08 de janeiro de 2023 atinge um governo ainda inicial, já com grandes dificuldades políticas.
Analisando os fatos com lentes mais precisas, é muito difícil não perceber que estamos sofrendo uma tentativa clara de golpe militar, em evidente ataque ao povo brasileiro, como historicamente age o militarismo no Brasil.
A partir da perspectiva da luta de classes no Brasil, os militares são o braço armado e a mão amiga das classes dirigentes. O povo, do Brasil profundo e oprimido, nunca pode contar com os militares ou suas forças auxiliares, que rotineiramente adentram favelas, matam trabalhadores e alegam que se confundiram, sem nenhuma consequência para os assassinos. Aliás, o povo brasileiro nunca pode contar com nada, com nenhuma instituição ou coisa que o valha, como já ensinava Darcy Ribeiro.
O protofascista Bolsonaro, até 2018 uma espécie de sindicalista militar, possui, portanto, profunda relação com as pretensões políticas do militarismo. Não é demasiado lembrar o que pensa este grupo: no momento do seu voto a favor do golpe contra a presidenta eleita Dilma, Jair fez clara apologia ao preposto de ditador e torturador Brilhante Ustra.
Mas se aprendemos direito alguma coisa sobre a real política brasileira, havemos de intuir que a classe militar não paira no ar sem um pilar real de sustentação de classe: a burguesia detentora do capital.
No ataque da direita em 08 de janeiro, houve claramente apoio explícito dos militares. Conforme noticiado, inclusive em sites bolsonaristas[1], existe um batalhão militar com aproximadamente mil homens que possui a função de proteger o palácio do planalto. Interesse notar que, ainda quando o golpista Temer era presidente, o referido batalhão protagonizou o chamado “Plano Scooby”[2], que consistia em operação para proteger o palácio contra eventuais protestos, pois, na época, Michel amargurava elevado desprezo popular e teve medo que a situação fugisse ao seu controle.
Não devemos também cair em tentação de confiar cegamente nas instituições brasileiras, que certamente contam com vários membros bolsonaristas radicais: a começar pelo próprio governador do Distrito Federal e de seu secretário de segurança pública (ex-ministro de Bolsonaro).
Nesse sentido, Mauro Iasi nos exorta:
O mesmo pode ser dito da complacência bovina com a qual a estrutura judiciária brasileira vê os termos da reforma trabalhista, a chacina diária das diferentes políticas de segurança pública transformadas em máquinas de extermínio de jovens negros e de matéria-prima para o encarceramento contra todos os dispositivos previstos na legislação específica, como a Lei de Execuções Penais, a Constituição Federal e os tratados que definem o respeito aos direitos humanos. O que se evidencia é a constatação, brutal e explícita, que não há nenhum fundamento para o direito, nem no corpo mítico de supostos direitos naturais, nem na abstração de patamares civilizatórios, que não seja a luta de classes e a materialidade das relações sociais que constituem a base real da forma jurídica (IASI, 2019, p. 43
Em que pese não termos bola de cristal, nem ignorar a complexidade extrema da situação política atual, ao que tudo indica, se o Lula e o povo não agirem na defesa de sua opção política, que foi vitoriosa, ainda que meramente eleitoral, veremos mais um golpe contra o povo, tal qual em 2016.

Foto: Nelson Almeida/AFP Referências
IASI, MAURO LUIS. Cinco teses sobre a formação social brasileira. SERVIÇO SOCIAL & SOCIEDADE, v. 136, p. 417-438-438, 2019.
[1]https://brasilsemmedo.com/onde-estava-o-batalhao-da-guarda-presidencial-durante-a-depredacao-do-palacio-do-planalto/
[2]https://www.metro1.com.br/noticias/brasil/35710,exercito-pratica-plano-contra-invasoes-no-planalto
André Luís Jacomin. Formado em direito. Possui interesse em criminologia, sociologia e política.
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Sociedade do Diálogo
Por: Rodrigo G. M. Silvestre

A Nau dos Insensatos é uma pintura do artista brabantino Hieronymus Bosch (1450 — 1516) Vivemos uma sociedade limítrofe. As pessoas contemporâneas isolaram-se de tal forma, absortas em suas próprias realidades, que observam passivamente a degeneração social.
Tornamo-nos uma sociedade sedentária, violenta e depressiva. Frutos do que Byung-Chul Han vai chamar de Sociedade do Cansaço, somos incapazes de dialogar verdadeiramente entre nós. Estabelecemos pequenos monólogos simultâneos, de modo que mesmo estando da presença de outros, estamos sós.
Vertiginosamente caminhamos para morrer menos de verminoses e condições degradantes no parto, para morrer por armas de fogo, seja em conflito, seja por suicídios motivados pela depressão ou transtornos de ansiedade.
Esse será então o limiar que vivemos? Será fato que a sociedade ocidental como a conhecemos já atingiu seu ápice e agora vivenciaremos seu ocaso?
Não tenho pretensões messiânicas, mas acredito que os futuros possíveis são frutos da nossa representação e vontade. Na melhor linha de Schopenhauer e da virada linguística da Escola Austríaca.
Possivelmente podemos construir uma Sociedade do Diálogo. Pensar a interação entres as pessoas com base em uma missão comum, pautada em ouvir mais, ver mais, e falar menos. Interromper a sanha de ser ouvido na multidão de monólogos. Identificar a similaridade entre os discursos e criar um ponto de agregação, não de dominação.
A sociedade latino-americana, degradada de maneira crescente nesses últimos trinta anos, precisa projetar qual será sua identidade para os próximos trinta anos. Não parece um cenário animador a manutenção da trajetória atual. Especialmente porque o isolamento social deu espaço e voz ao que temos de pior. Na busca por nosso eterno salvador, demos espaço aos piores representantes de nossos grupos dominantes. O custo social e humano foi altíssimo.
Surgem sinais de mudança. Não de mudança progressista, infelizmente, mas de mudança de resgate de valores e diálogos mais humanistas, felizmente. Ao menos a sensação é de que o elevado custo social pago pela inércia e isolamento latino-americano conseguiu criar a comoção das pessoas, falta ainda a organização. Ainda estão os indignados aguardando pelo salvador, pelo líder carismático.
É preciso criar os espaços para o diálogo, para a ruptura das bolhas criadas pela adoção desenfreada das tecnologias de comunicação e informação. Bolhas dentro das castas sociais mais abastadas e bolhas sociais que expurgam integralmente do debate uma grande parte da população. É, portanto, necessário criar um contraponto, que passa pela revalorização do local, do cuidado com o território e uma redescoberta dos valores externos às rotinas do consumo.
Vivemos uma frequente disputa pela verdade, bem como uma discussão eterna baseada nos emissores e não mais nas ideias emitidas. Como resultado vemos efervescer os conflitos e as rupturas. Preferimos sofrer solitários a compartilhar os sofrimentos coletivamente e buscar soluções e cuidado. Mas se podemos identificar os problemas, possivelmente podemos propor soluções. Especialmente se essas são tão simples quanto permitir que o diálogo ocorra, mesmo sabendo que os temas iniciais serão difíceis, indóceis e pouco agradáveis. Explicitar os conflitos e ouvir os divergentes será um passo necessário, embora não seja suficiente. Precisaremos ir além e projetar em conjunto os resultados que queremos para a Pátria Grande!
