Autor: Editor

  • QUEM MANDOU MATAR MARIELLE?

    Por: Felipe Mongruel

    Fotografia: Sandro Moser

    Há 5 anos essa pergunta mata Marielle todos os dias. Corrijo, MarielleS. O assassinato no Largo do Estácio, no dia 14 de março de 2018, junto de seu motorista Anderson Gomes, deixou uma ferida aberta no Brasil, melhor representado pela ferida aberta da impunidade e da ineficiência do Poder Judiciário em resolver causas que restam como vítimas pessoas negras, mulheres e de origem pobre.
    Claro, não os interessa. O direito protege o patrimônio, em primeiro lugar. Logo, por conclusão óbvia, quem tem patrimônio é defendido pelo Poder Judiciário. E quem tem patrimônio? O capitalista.
    Mais de 5 equipes de promotores, mais de 3 ou 4 delegados para resolver o inquérito, mais decisões a favor e contra vindas dos Tribunais Superiores para se definir o óbvio, quem mandou matar Marielle, e se estes seriam julgados por um Júri Popular.
    Vamos a letra da lei:
    Por força constitucional, o Tribunal do Júri tem a competência de julgar crimes dolosos contra a vida.
    O artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea d da Constituição Federal determina que é da competência do tribunal do júri o julgamento de crimes dolosos contra a vida. Assim, o júri só julga os crimes que se enquadram nesse rol juntamente com os crimes conexos.
    Os crimes dolosos contra a vida são os que estão previstos nos artigos 121 a 126 do Código Penal, quais sejam: homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio, aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento e o aborto provocado sem o consentimento da gestante. Estes crimes são julgado por sete jurados (juiz leigo).
    No entanto , existem os crimes conexo de competência do Tribunal do Júri que segundo entendimento do STF, nos casos de crimes de competência do Tribunal do Júri, os Crimes que são Conexos a eles serão atraídos ao Tribunal, fazendo com que crimes conexos, por exemplo: um homicídio é cometido em conjunto com outro que não se encaixa na previsão de ser doloso contra a vida, os dois serão julgados pelo tribunal do júri. Se um homicídio é seguido de um estupro, os dois serão julgados pelo tribunal do júri por terem sido praticados no mesmo contexto.
    Os assassinos estão presos: Ronie Lessa e Élcio Queiroz, porém de maneira preventiva, nem os mesmos foram ainda julgados. Capaz ainda de serem anuladas determinadas prisões no futuro pelo motivo de “incompetência institucional” haja vista não conseguirem dar vazão às diligências necessárias.
    Ouvi hoje, onde completa-se 5 anos da impunidade, da sua irmã, Anielle Franco, atual ministra da Igualdade Racial que devemos confiar nas instituições.
    Quais instituições, srta Anielle?
    O IBGE? Esse eu confio, de resto, muito poucas se salvam. Quanto mais as que julgam crimes contra pobres no maravilhoso e decadente(infelizmente) estado do RJ.
    Decadente mesmo, 5 anos para descobrir a morte de uma Vereadora, com altíssima repercussão nacional e internacional, com zilhões de interferências dos Poderes Executivos na troca de investigação na Policia Civil, na remessa de Inquérito para Policia Federal ou para qualquer outra competência só ajudam a população brasileira a manter-se desacreditada.
    Não nas Instituições, como já é histórico, casos como o da Polícia, seja Civil seja Federal, mas desacreditada da vida, sabendo que não seja de outra maneira a não ser por via da Desobediência Civil que as pessoas cuspirão esse nó na garganta.
    Em Curitiba, um vereador foi cassado por entrar numa Igreja, com perdão oficial da cúria. Não fosse a interferência do Supremo Tribunal Federal, depois da atuação de procuradores reconhecidíssimos do Planalto Central, o mesmo estaria inelegível.
    Lula precisou ir preso e aguentar 1 ano e 7 meses numa solitária até que viesse à tona as revelações promíscuas entre juiz e procuradores pela Vaza Jato, do jornal Intercept Brasil.
    O Poder Judiciário mente todos os dias, ao dizer que está na obediência da letra da lei. É triste, pra não dizer indignante, que as pessoas ainda não vejam que o verdadeiro inimigo é o capitalismo.
    Quer ver só: amanhã, dia 15, é dia do consumidor.
    Quem será mais lembrado em março, Marielle ou Alexia?
    Que nos organizemos em coro, feito aquelas 3 mil galinhas francesas que se uniram para matar uma raposa que abocanhava o galinheiro e que façamos à luta de classes.
    Todos os dias, em cada esquina. Pra não perder o foco, a fé e a coragem que o poder vem do povo.
    Que trabalha todo dia com um milhão de incertezas na cabeça, batendo pra lá e pra cá, numa humilhação contínua ao grande capital, desde o dia que se nasce até o dia que se morre.
    E no dia 14 de março, pela quinta vez, com a incerteza de quem mandou matar Marielle.
    Que seja a última.

  • Mulher

    Por: Ana Flávia Bassetti

    Ilustração: Pedro Alencar

    eu que trouxe todos os pecados ao mundo
    tenho que amar incondicionalmente o intolerável
    eu que trouxe todos os pecados ao mundo
    devo ser naturalmente maternal
    eu que trouxe todos os pecados ao mundo
    devo me resignar. devo acatar.
    recatada.
    eu que trouxe todos os pecados ao mundo
    não posso pecar.

    minhas transgressões devem ser justificadas
    minhas fraquezas devem ser “femininas”
    minha dívida permanece inquebrantável.

    pago com minhas mãos para te servir
    com meus olhos para te admirar
    sou ouvidos para te ouvir
    e boca para te comer
    calada.

    minhas curvas servem ao teu gozo
    minha sensibilidade ao teu choro engasgado.

    e eu que trouxe todos os pecados ao mundo
    você supõe
    devo saber perdoar

  • Todas as mulheres

    Por: Ana Flávia Bassetti

    Fotomontagem com imagens de Freepik por Rebeca Fonseca

    agora quero me perder no feminino.

    quero poder acender a ânima neles que sofrem
    animados com o que vem de fora
    os perdidos, os coitados, os sós.
    desejo.

    o feminino me chama há tempos
    desde antes de mim mesma eu já vivia em partículas femininas de plantas e animais
    de pele e amor
    de gioia e gratidão.
    eu venho através de todos os tempos para chegar em mim
    através de todos os ciclos.

    queria poder acender a ânima deles que sofrem
    acariciar suas dores
    resgatar seus poemas
    dizer:
    podem ser sentimento!
    podem ser!

    eu sou todas as mulheres
    sou a carola com tesão
    a puta frígida
    a viúva negra que presencia de novo e de novo e de novo a sua incapacidade para o amor.
    a tia maconheira
    aquela velha carpideira
    chorando um morto que não é seu.
    eu sou a criança com fome
    a avó sociopata
    a idosa com o chicletes na esquina da vida.
    sou maria imaculada
    eu sou a freira no cio
    eu sou uma bióloga marinha no deserto
    que não consegue sentir o sol.
    eu sou todas aquelas rejeições
    todos os gozos
    todos os peitos mamados e as abelhas rainhas
    eu sou aquela cadela na rinha.
    sou aquela deusa do paleolítico
    com sua própria política
    eu sou a fertilidade dos pomares
    e a larva na fruta que anuncia outra vida que vem
    eu sou a mãe infértil
    a soltura da menina
    estou desarmada.

    eu sou o suor da atleta e a borboleta arrancada do seu porvir para adocicar o casamento
    eu sou aquela velha guerreira com licença para chorar. e não venha me amordaçar.
    eu sou a filha desgovernada
    aquela moça mal amada
    eu sou a réstia de luz que ilumina a boneca na prateleira.
    sou a ferpa que corta
    eu sou a última gota
    o choro de madrugada
    a beleza de uma toada à noite no sertão.
    eu sou aquela menina estranha
    a musa do poeta
    sou pomba gira e loba da estepe.
    eu sou aquela que dança em volta da fogueira
    e também aquela que nela queima.
    eu sou todas elas, as perdidas
    eu sou a camisa passada à ferro quente que não alisa.
    eu sou a vertigem do abismo
    sou a virgem des-himetizada pelo selim da bicicleta.
    sou tudo o que dói e grita
    e tudo o que canta
    sou o rubor no meio do salão de dança
    mas sou também a mão que segura a lança.
    eu sou este fluxo em mim
    sem fim.

    eu sou essas todas e todas elas me são

    estou sã.

  • A REVOLUÇÃO IN FLUX – ALVARO LINERA E O MARXISMO LATINO-AMERICANO

    Por: Firmino

    Foto: Joel Alvarez

    Seguindo a tradição de Mariategui, o boliviano Alvaro Linera é um dos mais instigantes pensadores marxistas da atualidade. Teórico e militante, aplica o marxismo à realidade latino-americana, especificamente à realidade boliviana, como o fez Lênin ao aplicar o método marxista à situação concreta da Rússia no séc. XX, seguindo à regra a tese de que a ciência de Marx não é um dogma mas um guia para a ação, Linera aponta como sujeito histórico do processo revolucionário em curso na Bolívia os povos indígenas, portanto, em grande parte, o campesinato, ao contrário do que predizia o marxismo dogmático, cujo sujeito histórico é o operariado. A diferença entre Lenin e Linera é que para aquele a incipiente mas combativa classe operária russa seria a vanguarda da revolução que despontava no horizonte; e o campesinato russo, 80% da população, mas politicamente despreparado, apesar do histórico de revoltas, era apenas um aliado tático da vanguarda proletária – como estava explícito no chamado à aliança operário-camponesa, no programa do Partido Bolchevique.

    O processo revolucionário boliviano se inicia na resistência ao projeto neoliberal implantado em toda América Latina e de forma ainda mais cruel na Bolívia, com a privatização da água ( a guerra da água) no início deste século. Linera aponta cinco fases deste processo que avança de um republicanismo-proprietário até o atual republicanismo comunitário, conduzido pelo MAS de Evo Morales ( Linera foi vice-presidente da Bolivia no primeiro mandato de Evo). A primeira  fase foi caracterizada pela resistência popular às políticas neoliberais implantadas desde Washington e com o apoio da classe dominante boliviana, com a mobilização de um poderoso bloco popular urbano-rural em torno do movimento camponês indígena, que trouxe à tona a crise do Estado, cuja dominação foi posta em questão com o consequente aparecimento das contradições históricas da dominação burguesa-colonialista no país ( Estado monocultural versus sociedade plurinacional) e as contradições de curta duração, como as nomeia Linera – nacionalização das riquezas naturais versus privatização.

    Na segunda fase, acentua-se a crise de dominância burguesa-colonialista, os de cima não conseguiam governar e os debaixo começavam a articular e exigir formas de autogoverno. A disputa pela ordem estatal paralisou a reprodução da dominação – que Linera denominou de “empate catastrófico”. Essa situação perdurou de 2003 a 2008.

    Foto: TELESUR

    A terceira  fase foi caracterizada pela sublevação do povo. Os dominados passavam à ofensiva, quebrando o impasse e levando Evo Morales à presidência, dando início à quarta fase do processo revolucionário, ou o momento jacobino da revolução, em que as classes antagônicas se radicalizam e medem suas forças. Em 2008 acontece a tentativa de golpe pela classe dominante, com apoio do imperialismo americano. O povo derrota os golpistas graças a grande mobilização, ocupando estradas, assumindo o controle de fato das cidades e neutralizando as forças de repressão da burguesia-colonialista. Derrotado o golpe, o bloco popular índigena-camponês se consolida no aparelho de Estado. Tem início a quinta fase revolucionária que se prolonga até hoje com as nacionalizações e a divisão da renda nacional entre todos os bolivianos, com o controle econômico nas mãos do Estado e a grande burguesia sob controle democrático da população ( As classes dominantes, embora politicamente derrotadas, não perderam sua força nem o apoio foraneo e tentaram novamente um golpe de Estado, mais uma vez derrotado, depois da hesitação inicial das forças populares).

    Esta quinta fase é caracterizada pelas “ tensões criativas” entre os movimentos populares, segundo Linera, na sua caminhada rumo a um socialismo comunitário do bom viver. Agora afloram as contradições dentro do próprio bloco popular governante, com as reivindicações cada vez maiores dos trabalhadores ainda encontrando dificuldades de atendimento dentro de um Estado herdado da estrutura colonial. A tensão entre interesses particulares dos dominados e os interesses gerais dentro do bloco popular governante, levando por vezes a impasses dos quais a burguesia colonial tenta se aproveitar para dividir a massa popular e seu governo.

    Creio que apresentei, em linhas gerais, e muito brevemente, a quem não conhece, o processo que levou a uma das mais fecundas elaborações marxistas da atualidade. Os erros e omissões são de minha exclusiva responsabilidade. Mas quem quiser conhecer o pensamento de Linera, há livros dele traduzidos para o português.

    Firmino Torres, observador.

  • Intensidades

    Por: Wilson Ramos

     

    Foto: Jean Cattufe/ Getty Images

    Um futebolista brasileiro encontra-se preso em Barcelona sob acusação de estupro de uma jovem de 23 anos no banheiro de uma boate. Trata-se de um homem profundamente cristão. A ponto de tatuar Jesus no próprio corpo. Ele seria um exemplo de excesso de cristianismo? Ele é bolsonarista. Seria um exemplo de fascismo cristão no Brasil?

    Responder a essas perguntas não é fácil e traz um enorme risco de ferir susceptibilidades, pois a fé nos mitos, por definição, é irracional. Acabamos sempre voltando para a eterna discussão entre essência e excesso.

    O problema não estaria na essência do capitalismo, dizem alguns, mas apenas no seu excesso, ou seja, no neoliberalismo ou no ultra-liberalismo, a forma mais intensa de capitalismo. Deram o golpe em 2016 para implantar o ultra-liberalismo sem limites de Guedes e Bolsonaro. E hoje vivenciamos as consequências deste capitalismo em sua forma mais intensa.

    Outros, pelo contrário, sustentam que em ambos os casos a questão residiria na essência dessas duas maneiras de existir em sociedade, muito compatíveis entre si. O capitalismo seria essencialmente injusto, e não apenas o seu excesso seria perverso. Essa mesma modulação pela intensidade serviria também para a crítica de todas as religiões e de algumas igrejas cristãs de um modo bastante escancarado.

    Dizem mais: essas duas maneiras de existir muito intensas (o ultra cristianismo e o ultra liberalismo) seriam complementares e reciprocamente constitutivas. Uma seria funcional para a outra.

    Reformulando a questão: o problema estaria na essência destes dois mimetizados sistemas de valores que caracterizam a contemporaneidade ocidental? Ou a dimensão da nossa tragédia decorreria apenas da modulação na intensidade da fé em cada uma dessas crenças hegemônicas no Brasil bolsonarista?

    O futuro que estamos construindo depende muito destas respostas.

    Como trataremos coletivamente os excessos talvez seja até mais urgente e necessário do que discutirmos as essências desses dois sistemas de valores que caracterizam o fascismo bolsonarento. Mas em algum momento, até para que consigamos nos libertar desse obscurantismo medieval, teremos que ter a coragem de criticar as essências desses sistemas de opressão fundados na irracionalidade.

  • Após 14 dias do novo governo, Lula se torna o maior brasileiro da História do Brasil, mas a fumaça de um Golpe Institucional parece cada vez mais perto

    Por: Felipe Mongruel

    Foto: Tânia Rego/ Agência Brasil

    O dia primeiro do ano veio sacramentar a vitória histórica do ultimo 30 de outubro. Pela terceira vez na história desse país, seremos governados pelo maior exemplo, melhor símbolo e melhor representatividade dos trabalhadores desta nação.
    Numa eleição apertadíssima, onde a situação se encontrava com toda a ordem do arcabouço descarrilhado do falso patriotismo e da falsa fé, pregada por falsos cristãos, dentre eles pastores neopentecostais mergulhados em gritarias e verdinhas norte-americanas, Bolsonaro, o atual ex-presidente da Republica se esconde na sua caserna.
    Matreiramente, o presidente da República derrotado, não aparece, some, se esconde de seu povo e faltando dois dias para acabar seu governo embarca num voo sentido Miami-Flórida.
    Vem o dia da posse, o Brasil profundo é reerguido com celebração das mais diferentes ordens, resultando no ápice de quem entrega a faixa presidencial é uma catadora de lixo do estado de São Paulo. Ao lado dela, professores, um jovem deficiente físico, um representante da Vigília Lula Livre, Seu Flávio e, por último, mas não menos importante, o cacique Raoni, celebrando a presença dos povos originários na maior festa Popular já vista no planalto central.
    Acontece que uma semana após, um grupo escoltado pela Policia Militar do Distrito Federal causa a maior violência institucional já vista nestas terras. Bandidos, vândalos e desordeiros sob o pretexto de patriotismo, materializam a máxima do “por trás de um patriota, há sempre um canalha” que invadem a Praça dos Três Poderes e quebram tudo que veem pela frente. Invadem o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.
    Não precisa enxergar longe pra saber que tudo isso foi orquestrado pela mesma turba que ganhou, no voto, as eleições de 2018. E que tudo que fizeram, foi criar uma realidade paralela. Uma seita, um estado de fundamentalismo no país.
    Lula ergue-se politicamente com o fato, uma vez que não chama a GLO(Garantia de Lei Ordem) fato esse que seria uma armadilha pro atual presidente, e colocaria a frente da administração os militares.
    Decerto que muitas digitais estão presentes nesta sequência de crimes. Desde o Golpe contra presidente Dilma, capitaneado pelo senhor Sergio Moro e o senhor Deltan Dallagnol, junto de seus asseclas do MPF de Curitiba, representantes da direita concurseira que assaltou grande parte do funcionalismo público da nação, num embuste chamado Lavajato e, principalmente, de uma parte considerável das Forças Armadas, leia-se General Vilas Boas, Braga Neto, Pazuelo e afins.
    O momento pede inteligência, tanto pra saber se defender destes ataques golpistas quanto para avançar nas pautas sociais que foram colocadas às cinzas desde 2016. A inteligência na defesa da nação passa, inescapavelmente, pela localização, investigação e julgamento dos agentes golpistas e, principalmente, pelo esclarecimento de ação ou omissão dos oficias das forças armadas. O país já anistiou 21 anos de golpe militar para torturadores e demais assassinos e agora, com a gota d’água do bolsonarismo, o povo clama em seu nome por SEM ANISTIA, doa a quem doer aos responsáveis por tanta dor.
    Assim como a população pueril que insiste em respirar num país que se repete, sempre para pior, as demais classes econômicas devem entender que não foi pela picanha que Lula foi eleito, mas para retirar dezenas de milhões de famintos que se acotovelam por pedaços de ossos nas grandes cidades.
    O Brasil do futuro, é reconstruído sem esquecer seus débitos e com dureza para seguir os passos que o elevem como ator principal no cenário global. E para isso, a prioridade é o combate a fome, de todos e todas. Sem dó, perdão e anistia pra estes que tentam mudar a realidade do povo, pelas telas do celular e com bandeiras furta cor sobre os ombros.
    Chega de fome e chega de militar decidindo os futuros da nação. Queremos oportunidades, sem perder dignidade nem negociando nossa história.

  • Uma reflexão sobre justiça ambiental

    Por: Nilson de Mello de Filho

     

    A discussão da questão ambiental sempre esteve permeada de vários significados, que podemos agrupar em duas correntes de pensamento. Uma cultural, que questiona o estilo de vida, o consumismo, as formas de produção e de apropriação da natureza do modelo de desenvolvimento capitalista-fordismo. A outra utilitária, protagonizado inicialmente pelo Clube de Roma, que após décadas de crescimento dos países centrais, defendia a ideia do crescimento zero para economizar recursos e energia, assegurando dessa forma a acumulação de capital. É dentro dessa disputa ideológica que o conceito de justiça ambiental propõe uma ressignificação da questão ambiental.

    Para o modelo utilitarista o meio ambiente é um só, sem representações socioculturais específicos e diferenciados, é entendido apenas como fonte de recursos, e expresso em quantidades, não importando os motivos pelos quais a sociedade se apropria dos recursos naturais. A poluição é aceita como preço do desenvolvimento e é democrática, afetando a todos sem distinções de classe. O mercado global, o conhecimento científico e consenso político são as estratégias de afirmação do modelo utilitarista, conhecido como modernização ecológica. Discurso reticente de eficiência para economizar os recursos, para dar preço ao que não tem preço, garantindo que os recursos estejam disponíveis para a acumulação do capital. Com a globalização as empresas, ao se instalar em determinado local, podem exigir vantagens, impor práticas poluentes e perdas de direitos, usando como argumento a oferta de empregos e aumento de receitas públicas, processo conhecido como chantagem locacional (ACSELRAD, 2010).

    Para razão cultural o meio ambiente é plural, complexo e socioculturalmente múltiplo, reconhece que não há ambiente sem significações e lógicas e seu uso depende das representações das diversas sociedades e culturas. Questiona os motivos pelos quais as sociedades se apropriam dos recursos, para produzir “arados ou canhões”. Reconhece que os problemas ambientais são desigualmente distribuídos entre as classes sociais, que os mais ricos se beneficiaram mais com o desenvolvimento e teriam mais condições de evitarem os problemas da poluição, enquanto os mais pobres são coagidos, pelas regras do mercado, a viverem em áreas mais degradadas e com menor investimento governamental (ACSELRAD, 2010).

    Essa desigual distribuição dos recursos e da poluição dentro da sociedade e a percepção que o ambiente de uns prevalece sobre o ambiente de outros, estimula os conflitos ambientais. Para a raiz cultural, a injustiça social e a degradação ambiental possuem a mesma origem e se faz necessário mudar as formas de distribuição, retirando dos poderosos o poder decisório sobre os recursos e a capacidade de transferir a poluição para os mais pobres. Portanto Justiça Ambiental é um conceito em construção, da união de movimentos sociais que historicamente lutam por mais direitos com as questões ambientais. O movimento de Justiça Ambiental surge na década de 1980 nos Estados Unidos, denunciando a lógica que torna desigual as condições sociais, a divisão dos recursos e a distribuição da poluição. Diferentemente da lógica do Movimento Não no Meu Quintal, os autores envolvidos com a questão do racismo e da desigualdade ambiental, começam a evidenciar a prática que vigora, Sempre no Quintal dos Mais Pobres. O perfil socioeconômico das vítimas de desastres ambientais evidencia essa desigual distribuição dos problemas ambientais. O Movimento por Justiça Ambiental estabeleceu os princípios e práticas que definem as categorias de luta por justiça ambiental, são elas:

    1. Asseguram que nenhum grupo social seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;
    2. Assegurem acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;
    3. Asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;
    4. Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD, 2010).

    É através de formas de luta inovadoras que os movimentos sociais têm inserido a pauta da justiça social na questão ambiental e que essa não siga apenas a lógica utilitária do mercado. Nesse sentido, faz-se necessário superar a visão clássica do desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico perpétuo, progresso linear e antropocentrismo desmedido (Gudynas, 2011). Urge discutir alternativas de um novo modelo civilizatório que tenha como base o Bem Viver, na tentativa de reconsiderar as relações com a natureza. O futuro é ancestral.

    Autor: Nilson de Mello de Filho: Doutor em Meio Ambiente, Biológico e Diretor da empresa Broto Fácil

  • Todo poder emana do povo:

    Por: André Luís Jacomin

    REUTERS/Carla Carniel/Direitos reservados

    Bolsonarismo e seu partido militar golpista mais uma vez tentam silenciar a vontade popular por meio da violência e opressão

    Não é fácil apresentar análise que apreenda a totalidade do fenômeno ocorrido naquela tarde de 08 de janeiro. O texto que segue, portanto, é somente reflexo de impressões parciais e precárias sobre o sentido político do ataque bolsonarista.

    De início, deve-se chamar a atenção para a imprevisibilidade das consequências do ataque político da direita. O Governo Lula mal começou. Do ponto de vista da institucionalidade da administração, ainda há certa precariedade em apresentar com clarezas as diretrizes do novo governo. Fruto de uma frente ampla com diversos setores da direita, conta com natural dificuldade de encontrar projetos em comum. A precariedade da operação política de Lula para governar inevitavelmente leva a fissuras, que podem desencadear em fraqueza e debilidade política.

    Portanto, o ato golpista de 08 de janeiro de 2023 atinge um governo ainda inicial, já com grandes dificuldades políticas.

    Analisando os fatos com lentes mais precisas, é muito difícil não perceber que estamos sofrendo uma tentativa clara de golpe militar, em evidente ataque ao povo brasileiro, como historicamente age o militarismo no Brasil.

    A partir da perspectiva da luta de classes no Brasil, os militares são o braço armado e a mão amiga das classes dirigentes. O povo, do Brasil profundo e oprimido, nunca pode contar com os militares ou suas forças auxiliares, que rotineiramente adentram favelas, matam trabalhadores e alegam que se confundiram, sem nenhuma consequência para os assassinos. Aliás, o povo brasileiro nunca pode contar com nada, com nenhuma instituição ou coisa que o valha, como já ensinava Darcy Ribeiro.

    O protofascista Bolsonaro, até 2018 uma espécie de sindicalista militar, possui, portanto, profunda relação com as pretensões políticas do militarismo. Não é demasiado lembrar o que pensa este grupo: no momento do seu voto a favor do golpe contra a presidenta eleita Dilma, Jair fez clara apologia ao preposto de ditador e torturador Brilhante Ustra.

    Mas se aprendemos direito alguma coisa sobre a real política brasileira, havemos de intuir que a classe militar não paira no ar sem um pilar real de sustentação de classe: a burguesia detentora do capital.

    No ataque da direita em 08 de janeiro, houve claramente apoio explícito dos militares. Conforme noticiado, inclusive em sites bolsonaristas[1], existe um batalhão militar com aproximadamente mil homens que possui a função de proteger o palácio do planalto. Interesse notar que, ainda quando o golpista Temer era presidente, o referido batalhão protagonizou o chamado “Plano Scooby”[2], que consistia em operação para proteger o palácio contra eventuais protestos, pois, na época, Michel amargurava elevado desprezo popular e teve medo que a situação fugisse ao seu controle.

    Não devemos também cair em tentação de confiar cegamente nas instituições brasileiras, que certamente contam com vários membros bolsonaristas radicais: a começar pelo próprio governador do Distrito Federal e de seu secretário de segurança pública (ex-ministro de Bolsonaro).

    Nesse sentido, Mauro Iasi nos exorta:

    O mesmo pode ser dito da complacência bovina com a qual a estrutura judiciária brasileira vê os termos da reforma trabalhista, a chacina diária das diferentes políticas de segurança pública transformadas em máquinas de extermínio de jovens negros e de matéria-prima para o encarceramento contra todos os dispositivos previstos na legislação específica, como a Lei de Execuções Penais, a Constituição Federal e os tratados que definem o respeito aos direitos humanos. O que se evidencia é a constatação, brutal e explícita, que não há nenhum fundamento para o direito, nem no corpo mítico de supostos direitos naturais, nem na abstração de patamares civilizatórios, que não seja a luta de classes e a materialidade das relações sociais que constituem a base real da forma jurídica (IASI, 2019, p. 43

    Em que pese não termos bola de cristal, nem ignorar a complexidade extrema da situação política atual, ao que tudo indica, se o Lula e o povo não agirem na defesa de sua opção política, que foi vitoriosa, ainda que meramente eleitoral, veremos mais um golpe contra o povo, tal qual em 2016.

    Foto: Nelson Almeida/AFP

    Referências

    IASI, MAURO LUIS. Cinco teses sobre a formação social brasileira. SERVIÇO SOCIAL & SOCIEDADE, v. 136, p. 417-438-438, 2019.

    [1]https://brasilsemmedo.com/onde-estava-o-batalhao-da-guarda-presidencial-durante-a-depredacao-do-palacio-do-planalto/

    [2]https://www.metro1.com.br/noticias/brasil/35710,exercito-pratica-plano-contra-invasoes-no-planalto

     

    André Luís Jacomin. Formado em direito. Possui interesse em criminologia, sociologia e política.

  • A Batalha dos 100 dias

    Por: Rodrigo G. M. Silvestre

    Desde o dia 08 de Janeiro o país vive o clima de golpe de Estado. A atmosfera é de comoção e solidariedade em defesa da democracia por um lado. De outro, é de afloração do desejo de retomar o controle político do país pela força.

    A mobilização da direita tem um objetivo claro, travestido de defesa do Estado conservador: impedir que o governo Lula obtenha qualquer resultado até os 100 primeiros dias de governo. Essa marca simbólica é importante, porque sinaliza para a sociedade as prioridades do governo, mas principalmente, sua capacidade de articulação e liderança dos diferentes grupos sociais.

    A relação do governo Lula com o parlamento já teve sua prova de fogo na aprovação de espaço fiscal para os programas sociais e principais compromissos de campanha. Mas é fundamental lembrar que o congresso apenas autoriza o orçamento para as atividades, o financeiro para pagar as contas precisa vir da arrecadação. Essa por sua vez precisa da recuperação da atividade econômica, emprego formal, comércio internacional etc.

    Depender de um judiciário atuando sistematicamente para garantir que o executivo possa operar terá um custo exorbitante para o Presidente Lula, de maneira que se não obtiver resultados até os 100 dias, então haverá espaço para as críticas da direita derrotada e consequentemente combustível para novos atos golpistas.

    A composição dos ministérios, especialmente do primeiro e segundo escalão, embora célere, cumpriu a promessa de um governo amplo e plural. Com isso, também significa que será preciso gerenciar uma miríade de interesse muitas vezes antagônicos. Essa tarefa, terá que ser feita em última instância pelo próprio presidente Lula. Ele tem a capacidade singular de articulação e liderança que o país precisa, mas não é capaz de fazer sozinho as atividades para consecução dos projetos de governo.

    É preciso formar agora um “exército” de profissionais que ocupem os níveis intermediários do governo federal e possam dar vazão aos dizeres e pensamentos do quadro de notáveis que se formou no primeiro e segundo escalão. Como se pode dizer, muitas vezes não pela falta de “generais” que se concluí bem a missão, mas pela presença de soldados eficientes. Afinal, são eles que irão de fato empunhar as armas e encarar o adversário.

    A Batalha dos 100 dias será decisiva, para saber como serão os próximos anos do governo Lula, mas principalmente, como serão as chances do bolsonarismo retornar reavivado em 2028. Toda atenção para os próximos movimentos é fundamental.

    Vivemos tempos onde ações parece previsíveis, mas ao mesmo tempo inevitáveis. O anima que se criou no país não parece mais poder ser contido. A não ser que se estabeleça uma agenda de projetos e ações que tenha resultados incontestáveis. Promova a reinclusão social e a ressocialização de uma parcela de milhões de pessoas. Pessoas essas que aparentemente não compactuam com as ações extremistas adotas em 08 de janeiro.

    Rodrigo “Corujo” Silvestre: economista, jornalista e comentarista do jornal América Profunda

    Crédito do Vídeo: Cristenio

  • Revisão sistemática: o doido-de-quartel 

    Por: Marcos A. Brehm

    Certa feita, em um país nem tão distante, houve um governo tão prolífico na arte da loucura e da insensatez, mas tão prolífico, que conseguiu até mesmo inaugurar um novo tipo de doido: O doido-de-quartel.

    Mas o doido-de-quartel sempre existiu, você poderia argumentar.

    Discordo. De fato que a matéria-prima para produção de doidos-de-quartel não é nada rara e a receita é bastante ordinária:  pegue uns bons quilos de dissonância cognitiva, amasse bem com fascismo e salpique tudo generosamente com perversidade.

    A receita costuma render bastante. O grande problema é o risco de contaminação: caso a mistura se contaminar com qualquer traço de ciência política, direito ou história, vai acabar perdendo toda a receita.

    O doido-de-quartel não rasga dinheiro nem come bosta (ao menos não houveram registros até o momento), e não fosse sua indumentária sui generis, poderia se passar facilmente por um idiota ordinário, um tipo ostensivamente encontrado tanto nas ruas quanto na literatura.

    O doido-de-quartel se veste de maneira extravagante, geralmente em tons camuflados combinados com amarelo-CBF-vibrante e bandeiras, em maior parte nacionais, mas algumas vezes de outros países, quem sabe mirando na futura internacionalização da ocupação. Estaria chegando o “barracks nuts international”? Só o futuro dirá.

    Alguns estudiosos suspeitam que o uso excessivo de cores vibrantes seja associado à tentativa de acasalamento. Embora a maioria da população de doidos-de-quartel consista de indivíduos machos já em andropausa, já foram registrados momentos de coito entre doidos-de-quartel, inclusive em grupos. Mas parece que deu problema.

    Os poetas sofrem de esperança. Com o doido-de-quartel é bem parecido, com exceção da parte da poesia: pro doido-de-quartel a esperança é sempre em vencer o inimigo invisível. Na maioria dos caos é o comunismo, mas já houveram registros de outros, a saber: bolivarianismo, artefatos de cor vermelha, priorado de Sião e impotência sexual.

    O doido-de-quartel típico apresenta comportamento ritualístico a cada 72h, ocasião na qual os rebanhos de doidos-de-quartel se reúnem para entoar cânticos, patriotismo de ocasião, flatulências e definir os acontecimentos que deverão ocorrer dentro das próximas 72h, num ciclo sem fim.

    O fato dos acontecimentos predefinidos nunca ocorrerem não parece influenciar em nada a esperança do doido-de-quartel, que convenhamos, também não é doido por mero acaso. Se especula muito sobre o que aconteceria se as profecias dos doidos-de-quartel se cumprissem, já que não há nenhum registro de ocorrência na literatura. Há quem diga que se curariam, há quem diga que não. Há ainda uma corrente de pesquisadores, bem mais ortodoxa, que afirma que virariam borboletas. Mas nunca saberemos.

    Caso você tiver a oportunidade de observar um doido-de-quartel em seu habitat natural, que é em frente a algum quartel aleatório, faça um favor à sociedade e à você mesmo: Mande esse idiota ir tomar no cu, que agora é Lula e o choro é livre.

    Sobre o Autor: Marcos “Castor” A. Brehm, amante das suculentas e bromélias, com multiplas formações acadêmicas e nenhuma competência adquirida. Não trabalha, apenas dá aula!