Categoria: Volume I * nº. 1 * Setembro de 2021

Edição de Setembro de 2021 do Jornal América Profunda

  • VAMOS DECOLONIZAR A FILANTROPIA, SIM!

    VAMOS DECOLONIZAR A FILANTROPIA, SIM!

    Republicado em parceria com: Comuá – https://redecomua.org.br/vamos-decolonizar-a-filantropia-sim/

    Este artigo é uma resposta da Rede Comuá ao texto publicado por João Paulo Vergueiro intitulado “Descolonizar a filantropia é um conceito que não cabe para o Brasil”

    Vamos decolonizar a filantropia, sim!

    A Rede Comuá vem pautando a discussão sobre a decolonização da filantropia há tempos, tanto através de artigos publicados como de debates travados em diversos espaços, nos âmbitos nacional e internacional.

    Para nos posicionar perante a tese de que a decolonização é um conceito que não cabe no Brasil, bastaria apenas fazer menção ao artigo publicado por Graciela Hopstein e Allyne Andrade na Alliance Magazine em 2022 e traduzido pela Rede Comuá para o português, publicado no blog da Rede Comuá “A descolonização da filantropia está avançando” .

    De todas as formas, para iniciar o debate, acreditamos que vale resgatar aqui alguns argumentos fundamentais, apresentados no mencionado artigo, construídos desde uma perspectiva analítica material (e que não implicam apenas uma lógica discursiva). A nossa ideia aqui é não apenas refutar essa tese, mas afirmar que efetivamente vivemos numa sociedade atravessada pela existência de pactos, práticas e visões coloniais. E finalmente, precisamos entender que o campo da filantropia como atividade humana e social é inseparável das dinâmicas que atravessam a sociedade como um todo.

    De acordo com Anibal Quijano, o conceito de colonialidade ou lógica colonial deve ser entendido para caracterizar o padrão típico de dominação global no sistema capitalista moderno, cuja origem remete ao colonialismo europeu do início do século XVI baseado na dominância “dos modelos de controle da subjetividade, da cultura e especialmente com a produção do conhecimento” [1]. Como sinalizado no artigo da Graciela e Allyne, o autor identifica como os mais importantes elementos do eurocentrismo:

    a) uma articulação marcada do dualismo (pré-capitalista/ capitalista, não-europeu/ europeu, primitivo/civilizado, tradicional/moderno etc.) e a evolução linear, unidirecional, de um estado de natureza para a sociedade europeia moderna;

    b) a racionalização das diferenças culturais entre grupos humanos derivada da noção de raça; e

    c) a visão temporal-distorcida de todas essas diferenças por enxergar os não europeus e a sua cultura como anacronismos (Andrade e Hopstein, 2022) [2].

    Temos aqui uma primeira grande contradição com relação aos argumentos apresentados por  João Paulo Vergueiro: o conceito de colonialidade não surge no norte global, mas sim na América Latina, tendo Quijano como um dos grandes autores de referência, da mesma forma que María Lugones, dentre outros/as. Portanto, não é um conceito apropriado nem adaptado, muito pelo contrário. Fazer uma boa revisão da literatura é fundamental quando se tem a intenção de contestar posicionamentos desse porte. A bibliografia é vasta e a discussão sobre essa temática tem longa trajetória, que começa com o conceito de pós-colonialidade em Portugal, posteriormente ressignificado na América Latina como decolonialidade e, mais recentemente, a partir da revisão de autores/as africanos/as, temos debates centrados na contra-colonialidade.

    Em segundo lugar, argumentar que é um “erro contraproducente” falar em decolonizar a filantropia quando não temos uma filantropia brasileira consolidada – como destaca o próprio texto original, que ainda não é reconhecida e valorizada, é um argumento equivocado porque de alguma forma pretende negar a existência da reprodução de relações de poder coloniais no campo da filantropia. E, ainda, afirmar que “desmerece quem já doa e tende a afastar quem pode vir a doar, colocando nas pessoas o rótulo de exploradoras, de aproveitadoras” é um reducionismo do problema, tirando toda a complexidade ao debate.

    Infelizmente é isso que vem acontecendo no campo da filantropia nacional de forma geral: existe a tendência de evitar entrar de forma profunda em debates estratégicos, simplificando pensamentos. Ao mesmo tempo, as práticas de cooptação de atores estratégicos e apropriação de narrativas, sem sustentação material, dão lugar a reducionismos e a esvaziamentos de agendas, situação que ao mesmo tempo revela a existência de mais um conjunto de práticas coloniais no campo. Também a existência de iniciativas que atuam passando por cima, arrasando com tudo, instalando visões de mundo de cima para baixo, é certamente um outro exemplo de práticas coloniais na filantropia. E ainda temos que enfrentar grandes paradoxos conceituais como, por exemplo, quando a colaboração se instala apenas como um discurso ao melhor estilo commodity for export.

    Desconhecer que existem práticas coloniais na sociedade e que isso reflete diretamente na filantropia brasileira é uma forma de dar as costas às minorias políticas, às relações de subalternação e opressão, à presença de diversos grupos que lutam por direitos e querem ter um espaço na filantropia brasileira, principalmente no acesso a recursos de forma flexível, alinhados com as suas agendas.

    Afirmar que a filantropia brasileira está atravessada por visões e práticas coloniais incomoda, coloca o dedo na ferida, chacoalha e questiona a atuação de atores tradicionais que têm o poder do dinheiro e, portanto, também da tomada de decisão. Instalar essa discussão os obriga a sair da zona de conforto, do seu lugar de protagonistas. Abandonar os privilégios implica abrir mão do poder e do acesso exclusivo à riqueza e, certamente, esse é o grande desafio que temos como sociedade e não apenas no campo da filantropia.

    Como argumentado no artigo da Allyne e Graciela, os dados do Censo GIFE de 2020 [3] indicam que existem traços marcantes de práticas coloniais na filantropia brasileira quando se doa de forma tímida para a sociedade civil e, com isso, não reconhece a importância e a potência desse setor nas lutas e nos processos de transformação social. Além disso, os dados mostram também que as minorias políticas não são a prioridade, uma vez que apenas 5% das organizações filantrópicas associadas ao GIFE financiam diretamente iniciativas voltadas à questão racial; 9% às mulheres; 3% às comunidades LGBTIQA+ e 4% a pessoas com deficiência. Pode ser que a edição 2022 mostre alguns avanços, mas acreditamos que ainda serão tímidos porque partimos da premissa que os processos de transformação levam tempo e grandes esforços, principalmente de diálogo e de saber lidar com a diferença.

    Para nós, da Rede Comuá, o ponto de partida fundamental para avançar no caminho da  decolonização da filantropia brasileira é promover um processo de reflexão profunda sobre as práticas históricas, instalando um movimento de desconstrução permanente e uma forma de atuação na realidade social, sem impor soluções rápidas de cima para baixo, mas, sim, fortalecendo vozes e reconhecendo o poder das comunidades de buscar formas próprias para enfrentar os problemas. O movimento #ShiftThePower ao qual aderimos tem de fato essa agenda [4].

    A prática de doações baseadas em confiança vem se mostrando uma forma de trabalhar estrategicamente no sentido de reconhecer o poder das iniciativas territoriais e das minorias políticas que lutam pelo acesso e reconhecimento de direitos. Os fundos temáticos, comunitários e fundações comunitárias que integram a Rede Comuá – que atuam historicamente na área da filantropia local independente – vêm proporcionando doações cruciais a ONGs, organizações de base, movimentos sociais e defensores e defensoras do acesso a direitos no Brasil. Assim, os membros da Comuá buscam fazer um tipo diferente de filantropia baseada em práticas decoloniais [5].

    A doação para comunidades de base mostra que o foco está em reconhecer os pontos fortes das organizações da sociedade civil, contribuindo assim para a promoção de transformações em vários níveis. Mais um argumento aqui que vai contra a tese do perigo de se falar em decolonização, já que a doação da filantropia independente é significativa no campo da justiça socioambiental, que deve ser entendida como uma estratégica para combater práticas coloniais e quebrar diversos status quo. De fato, a Rede Comuá e seus membros doaram diretamente, desde o momento da criação de cada um até a atualidade, um total de 670 milhões de reais para a sociedade civil brasileira.

    O processo de decolonização procura desvincular-se das práticas extrativistas e exploradoras do passado. Isso implica uma transformação radical, fundamentada em novas alianças entre territórios e atores sociais, que não deixe espaço para a volta ao estado anterior de conformidade com o poder colonial dominante e simbólico. Uma filantropia verdadeiramente transformadora não pode dar as costas a esses problemas. De fato, esse é o ponto de partida para contar com um campo filantrópico consolidado, porque decolonizar implica reconhecer a diversidade, a multiplicidade de atores e práticas e, principalmente, a importância e a potência transformadora da sociedade civil.

    Rede Comuá – filantropia que transforma. 

  • Os inimigos do gozo: o jogo do Bolsonaro e da terceira-via

    Por: Vinícius Carvalho

    Se existisse uma máquina do tempo que trouxesse Getúlio Vargas e Luiz Carlos Prestes diretamente do ano de 1945, jogasse os dois, peladões, sem entender nada, como numa cena de filme distópico, no meio do Largo da Carioca, a primeira coisa que eles fariam seria olhar um para cara do outro e falar “eita porra”, depois iam para uma banca arrumar um jornal para cobrir suas “vergonhas”.

    Nessa banca de jornal, eles começariam a ler as notícias e entenderiam que Lula é o cara da centro-esquerda, maior líder popular vivo do país, recém saído da cadeia, porém seu partido ainda contando com uma forte rejeição e oposição, o tal de “antipetismo”. Se identificariam, obviamente, com sua figura histórica e trajetória.

    Aí eles passariam a tatear a política atual, “o que está acontecendo no país”? Veriam que o Brasil vive um verdadeiro caos humanitário e civilizatório, fome, crise pra tudo quanto é lado e o pior: um clima de golpe de extrema-direita pairando no ar.

    Depois, eles buscariam a opinião da oposição à esquerda do PT e a tal terceira-via. Caminhariam até a sede do PDT, ali na Praça Tiradentes para conversar com o Lupi, depois se dirigiriam à sede do PCB, na Rua da Lapa. E é aí, meus amigos, que ambos ficariam ruborizados, pra não dizer horrorizados, porque iam se deparar com um cenário mais distópico do que a ideia de “máquina do tempo” que inicia este texto. Teriam a triste constatação de que no exato momento em que vivemos estas pessoas tenham elencado o Lula como o inimigo a ser combatido em nome de uma revolução que não irá ocorrer, no caso da esquerda radical, e em nome de destruir o petismo e pegar o seu espólio eleitoral, no caso da terceira-via Cirogomista.

    Ambos, Vargas e Prestes se entreolhariam novamente e falariam, “o que essa gente tem na cabeça?”

    Vamos falar sério agora.

    Lembram quando eu falava que “linguagem” e “gestual” hoje em dia são coisas importantes pra caramba? Então. Bolsonaro é o presidente mais idiota que o Brasil já teve, mas ele sempre deixou nítido, desde antes de vencer as eleições que ele queria dar um golpe e fechar o congresso, que ele queria ser ditador desse país. Força? Nunca teve. Mas o que é exatamente ter força com a cadeira presidencial?

    Muito mais importante que ter ideias, é fazer com que outras pessoas acreditem nessa ideia. Bolsonaro sempre esticou a corda da democracia e ameaçou as instituições o máximo possível, e como resistência só encontrou notas de repúdio. Ora, a cada novo ataque, digno de responsabilização criminal, os ecos que eclodiam eram os seguintes: “ele é loucão, fala da boca pra fora”; por outro lado, se assustavam e reagiam de tal forma: “meu Deus, ele tem o exército do lado, não vamos reagir porque ele vai dar um golpe”.

    E assim, ninguém reagiu, ninguém fez nada, e Bolsonaro foi ganhando o terreno, os corações, as mentes e plantando a sementinha da legitimidade dos seus intentos, até que

    esse tal terreno aí, o do golpe, agora ele quer reivindicar por usucapião. Quando o Alexandre Moraes começa a reagir é tarde demais.

    O Bolsonaro tentará dar um golpe no país no dia 7 de setembro? Não sabemos, mas ele está ameaçando. Seu filho, o Bananinha, já fala abertamente em descumprir decisões do STF. E, de fato, se o Bolsonaro estiver tão capilarizado assim dentro das polícias e exército, quando o STF emitir uma decisão, quem vai executar? Quem vai cumprir?

    É bom lembrar que um dos lemas da extrema-direita desde o início da pandemia é “decisões ilegais não se cumprem”. O que é ilegal para eles? Ora, tudo o que achem que é ou, de acordo com o já mencionado aqui Olavo de Carvalho, em tudo aquilo onde a constituição não seja nítida o suficiente e deixe brechas. Para eles, prender alguém que está cometendo um crime ao conspirar contra a democracia não é ilegal, ilegal é a decisão da justiça, logo, “não se cumpre”.

    A questão é, Bolsonaro vai ter o seu grande teste de força dia 7 de setembro e o próprio anda autoconfiante a ponto de falar que “será a última”, porém, se ficarmos acuados como já dito aí pelo blogueiro de esquerda Eduardo Guimarães, “preparem seus passaportes” será justamente tudo o que o bolsonarismo e o golpismo querem, ganhar sem luta e sem disputa. É momento de confrontar essa turba sem medo.

    Sem medo, mas sabendo que a situação é sim grave. Quando um tenente-coronel da PM paulista precisa gravar um vídeo dizendo que “a corporação está unida e não se alinhará a aventuras golpistas e conspiradores” é porque a corporação não está unida, é uma demonstração de fraqueza. Afinal, se não existisse tal risco, esse tipo de vídeo nem seria gravado, certo?

    Quando estourou o caso do Dr. Jairinho este ano, escrevi um texto dizendo que a ligação de Jairo, o pai, Jairinho, as milícias e a família Bolsonaro era a consolidação da corrupção do baixo clero e que o projeto dessa turma era tornar o Brasil num grande Rio de Janeiro. Esse golpismo 2021, protagonizado por Jair Bolsonaro é mais ou menos a consolidação dessa ideia.

    Um golpismo não gestado por intelectuais ou por uma elite financeira ou militar. Mas um golpe dado por guardas da esquina, por contraventores, donos de puteiros no subúrbio do Rio e periferia de São Paulo, bicheiros, pastores e todo o tipo de pilantras e bandidos da fauna urbana.

    O golpe, dessa vez, não será apenas ideológico, a ideia de intervenção passou a amadurecer quando crimes e mais crimes de Bolsonaro foram descobertos. É uma tentativa de golpe, acima de tudo, para que Bolsonaro continue roubando, a milícia continue matando, o agronegócio continue passando a boiada e o mercado financeiro continue raspando o tacho do país.

    E o mais incrível é que até a fome, a miséria, o desemprego vem a calhar a ajudar essa turba. O desespero é um fator psicológico que, de acordo com Yannis Varoufakis, não desperta a chama revolucionária do povo, é o contrário, o torna mais reacionário, mais submisso e mais suscetível aos pequenos poderes. Quanto mais fome, quanto mais

    miséria, quanto mais desemprego, quanto mais alto o dólar, a gasolina e a cesta básica, a sensação que eu tenho, é que mais o Bolsonaro se fortalece dentre as duas pontas do nosso espectro social, quem está ganhando muito dinheiro com tudo isso, e com quem não tem nada, absolutamente nada, nenhum conforto material, nenhuma qualidade de vida, nenhuma comida no prato.

    O efeito Lula e a “guerra espiritual”

    Quem está rodando o país fazendo a grande política, tentando reatar nós entre os diversos espectros políticos da sociedade é o ex-presidente Lula. Se encontra com indígenas no Maranhão pela manhã e de noite com Tasso Jereissati, no Ceará. E conforme Lula cresce e aparece ganhando a benção de uma Mãe de Santo, no Rio Grande do Norte, um burburinho realizado pela ala bolsonarista mais radical e evangélica, passa a repetir que “a guerra é espiritual”.

    Uma das narrativas criadas pelo bosonarismo é esse papo perigosíssimo de “guerra espiritual”. Pessoas que acreditam que o Brasil vive uma guerra santa, uma jihad cristã, está disposta a tudo: até matar um parente em prol do desfecho político que lhe é conveniente.

    Ciro Gomes dormiu como Getúlio Vargas e acordou como Carlos Lacerda

    Nesse enleado, qual tem sido o papel do Ciro Gomes e da dita terceira-via? Eleger Lula e Haddad como seus principais inimigos, chamar Haddad de poste, canalha, Lula de bandido, corruptor e, pasmem, as últimas do clã Gomes foram pesadas a ponto do Ciro falar que Lula “elogiava Hitler”, “é misógino, homofóbico e reacionário”. Ivo Gomes, seu irmão, ao ver uma foto de Lula com seu outro irmão Cid, comenta na foto do seu perfil pessoal “cuidado com a carteira”.

    É este o nível da política, esses são os inimigos eleitos pela terceira-via cirogomista. Como iniciamos este texto falando de Vargas e Prestes, agora é momento de lembrar outra figura, sempre conspiradora, sempre golpista, sempre errando o timing político, aquele que Ciro Gomes parece emular, Carlos Lacerda, o grande inimigo de Vargas.

    Como no romance A Metamorfose, de Franz Kafka, quando certa manhã Ciro Gomes acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Queria ser Getúlio Vargas, mas ao se olhar no espelho era Carlos Lacerda.

    Já a oposição da dita esquerda-radical, bem, essa daí nem vale a pena perder muita tinta ou pena. Mas espero que no dia 7 de setembro, eles, ao invés de continuarem cumprindo o papel de ombudsman do Lula façam como os revolucionários que os inpira e enfrentem fascistas, e não o PT. Afinal, quem é o inimigo deles?

  • Uma história corporativa

    Por: Marcos A. Brehm

    Era uma vez, muito tempo atrás, uma pequena subsidiária de uma das maiores empresas do mundo. Em certo momento, seu presidente achou melhor fazer uma cisão com a holding. Segundo muitos economistas, foi quando os problemas de gestão se tornaram aparentes.

    Mas isso foi há muito tempo. Depois de passar pelo modelo de conselho majoritário, sempre alinhada com outras corporações, a firma passou a ter votação direta: o CEO é escolhido por votação entre todos os funcionários. Mas mesmo que quase todos concordassem e gostassem desse sistema, em certas épocas surgiam perturbações que causavam mudanças no modelo de gestão.

    Em uma certa época, uma “panelinha” do setor da segurança colocou, contra todas as regras de compliance da época, um CEO escolhido apenas entre eles, que destituiu a diretoria anterior. Vários daqueles seguranças andavam armados e tinham formas pouco republicanas para resolver problemas. Assim, pressionados, o jurídico e o conselho de administração tiveram que ratificar o “golpe” e a diretoria nova passou a gerir a empresa. O dono do revólver sempre tem razão, diziam eles.

    E foi assim que o setor de segurança assumiu a presidência por muitos anos. Obviamente deu errado: a gestão da empresa passou a ignorar regras básicas de compliance (que mesmo na época não eram nenhum segredo), e usar rotineiramente os seguranças da empresa para intimidar quaisquer funcionários que exigissem direitos básicos ou reclamassem de malfeitos.

    Se tivessem continuado só fazendo aquilo, talvez estariam na presidência até agora. Mas esses sucessivos CEOs fizeram vários empréstimos milionários nada transparentes sob o lema da “modernização” da empresa. Como argumento, sempre diziam que aquela forma de gestão era temporária (até que se chegue ao fim da “modernização”, que não acabava nunca), e que logo haveriam (novamente) eleições diretas para CEO. Mas aquilo nunca acontecia e a má gestão continuava.

    Foram mais de duas décadas assim. Quando funcionários faziam reclamações mais contundentes, escutavam frases como “ame a empresa ou deixe-a” ou até piores. Muitos bons funcionários foram obrigados a sair pela forte pressão, que incluía ameaças e agressão física na sombria salinha escura da segurança.

    Aquela gestão passou a ser tão repudiada por outras empresas do mercado, que se tornou insustentável. Assim, aquela “panelinha” de diretores percebeu que não daria pra continuar e fez um acordo: sairiam da diretoria e voltariam só ao setor de segurança, mas em troca ninguém poderia ser investigado por quaisquer malfeitos até ali. Acordo estranho, mas não havia escolha. Era aquilo ou voltar para o jugo dos antigos gestores.

    No ano seguinte houve a primeira eleição para presidência, que se mostrou bastante turbulenta: o funcionário eleito, um rapaz de família rica (talvez nem precisasse estar trabalhando ali…) foi eleito CEO, mas teve que ser demitido porque o conselho de administração e o jurídico alegaram que houve desvio de recursos: o CEO tinha passado um carro da empresa pro nome da esposa. Ao menos na nova administração esses casos passaram a ser investigados e divulgados, todos pensaram, ainda otimistas.

    Os próximos CEOs foram muito melhores, principalmente quando um operador de máquina foi eleito. A empresa cresceu, passou a dividir melhor os lucros e os funcionários do operacional passaram a ganhar mais. A distribuição de lucros era bonita: até os operários podiam comprar carro, casa, e viajar para praias bonitas nas férias. Houveram alguns escândalos de membros do conselho administrativo recebendo presentes em troca de certas decisões, mas, indiscutivelmente, foi uma ótima época para a empresa, com um grande crescimento. Virou firma grande. Os números não mentem, diziam eles.

    Mas alguns funcionários de cargos um pouco melhores, que antes ganhavam proporcionalmente muito mais, passaram a achar que aquilo era desnecessário: antigamente o operacional não ganhava quase nada e a empresa também funcionava. Porque mudar o que já funcionava?

    Mesmo assim tudo ia razoavelmente bem, até que, em uma época especialmente ruim para o mercado, uma CEO mulher foi eleita. Era uma mulher com experiência em gestão, mas pouco traquejo entre algumas áreas da empresa, cujos gestores passaram a questionar sua competência. Como a CEO pegou a empresa em uma época de mercado ruim, ficou bastante difícil manter a sustentabilidade econômica. Ao mesmo tempo, ela tinha receio de fazer cortes no pessoal. Como a distribuição de lucros já não era tão polpuda, passou a existir uma grande pressão pela saída da CEO. As eleições seguintes foram bastante acirradas, mas mesmo de forma apertada a CEO ganhou mais uma vez.

    A crise se acirrou. E embora as finanças estivessem piorando, as normas de compliance eram claras: a CEO só poderia ser destituída pelo conselho  caso a CEO não seguisse alguma regra. Embora não houvesse qualquer evidência disso, o conselho de administração decidiu inventar um “suposto malfeito” (que só bem depois foi esclarecido como erro) e colocar o assunto em votação na reunião de conselho. Embora todos soubessem que não havia nenhum malfeito, a crise financeira era, supostamente, um motivo legítimo para tirar a CEO. E assim aconteceu. O jurídico ratificou tudo: achou que legalmente o conselho poderia fazer aquilo. Os fins justificam os meios, diziam eles.

    O novo CEO (que ajudou na pressão para mudança da CEO) tinha um desempenho longe de impressionante, mas ao menos tinha a amizade com o conselho de administração. Os salários diminuíram, houveram cortes. Mas ele só assumiria até a próxima votação, e assim quase todos aceitaram aquilo calados: era um problema temporário, que na próxima eleição poderia ser resolvido.

    Na próxima eleição, no entanto, as pessoas começaram a perceber o óbvio: a mentira funcionava bem naquela empresa, e o ambiente se tornou altamente conturbado. Um antigo funcionário da segurança, conhecido por seus gritos e bravatas, que havia conseguido um cargo no setor de processos administrativos, se candidatou a novo CEO. Era um funcionário que ficou por 30 anos no setor de processos administrativos, mas nunca conseguiu aprovar qualquer processo, pois quase sempre eram para gerar privilégios ao seu antigo setor (segurança) e não faziam qualquer sentido para empresa.

    Mas esse funcionário teve uma ideia boa: ele percebeu que havia muita gente insatisfeita com a crise instalada e fez um acordo com um analista do setor jurídico: o analista viraria diretor se assinasse a demissão por justa causa do candidato favorito à próximo CEO, e que era seu principal concorrente. Não havia motivo suficiente, mas aquele analista, embriagado com a ideia de virar diretor, assinou o papel. O dono da caneta é quem decide, diziam eles.

    O funcionário demitido era aquele antigo operador de máquina, que foi um CEO com ótimos resultados no passado. Ficou desempregado um tempo, quando teve apoio de vários outros operadores de máquinas. Como o mundo dá voltas, foi recontratado alguns anos depois, quando conseguiu mostrar que sua demissão tinha sido fraudada.

    Além de tirar o concorrente do páreo, esse candidato ardiloso criou um sistema de propagação de mensagens com mentiras sobre os demais concorrentes na intranet da empresa. Funcionou muito bem. Além disso tudo, prometeu mudanças radicais: “choque de gestão” para acabar com os projetos dos diretores anteriores, que supostamente eram o grande problema daquela firma. No fim, as mentiras na intranet, a demissão do principal concorrente por justa causa e a promessa de renovação da gestão foram suficientemente sedutoras, e aquele candidato virou CEO.

    Claro que deu tudo errado novamente. O novo CEO, sem qualquer experiência em gestão, colocou seus antigos amigos do setor de segurança na diretoria, que virou um caos completo. O setor de compliance foi extinto, já que não fazia mais sentido nenhum: se as regras podiam ser “entortadas”, pra que ter regras? Ficaria tudo ao sabor do novo CEO.

    Pra piorar, a indústria teve um problema de contaminação grave, que inicialmente foi ostensivamente negado pelo CEO. Quando não era mais possível negar, passou a culpar outras empresas e os gerentes das diversas áreas. Essa contaminação persiste e já trouxe enormes prejuízos, incluindo morte de funcionários. Para não perder o cargo, o CEO passou a distribuir cargos importantes e mais regalias ainda ao setor de segurança e também ao antigo conselho de administração, seus antigos inimigos e atuais melhores amigos. A amizade é relativa, diziam eles.

    Até aquele analista jurídico que conseguiu um cargo de diretor para demitir um operário, mesmo ele, bem pouco afeito à ética, não conseguiu permanecer na empresa por muito tempo: não aguentou aquela gestão caótica, que certamente poderia condená-lo no futuro por malfeitos presentes. Um dia a conta chega, pensou nele, enquanto procurava um novo emprego e pedia demissão. Esse pessoal do jurídico sempre soube reconhecer problemas pelo cheiro.

    Agora se tornou bastante evidente que este CEO ainda causará grandes prejuízos a empresa, que talvez nem mesmo possam ser superados pelo próximo CEO, já que a possível falência é o assunto do momento. Alguns funcionários, mais qualificados, já passam a procurar novas empresas.

    No entanto, não há qualquer evidência de que esse CEO vá perder o cargo: muito embora o apoio dos funcionários (por motivos óbvios) seja a cada dia menor, alguns ainda o apoiam cegamente. O setor de segurança, no qual os cortes nunca chegaram, apoia ainda apoia fortemente o atual CEO, muito embora alguns já falem que o setor de segurança deveria aproveitar a péssima gestão para tomar toda a diretoria executiva duma vez.

    O clima corporativo anda ainda mais pesado depois o antigo operário (devidamente recontratado) já disse que vai se candidatar CEO novamente. Mais da metade da empresa já disse que vai votar nele, se houverem eleições. A preocupação é grande, já que os gerentes do setor de segurança passaram a dizer que se quiserem assumem tudo a qualquer momento. Nos corredores, os gerentes do setor de segurança já estão falando em “pivotar”: Seria supostamente estratégico transformar aquela antiga multinacional em um bar temático, onde o público tomaria cerveja artesanal enquanto treina tiro ao alvo.

    A linha de produção poderia virar um ótimo stand de tiro, dizem eles agora.

    Mudar é preciso. O que poderia dar errado?

  • Otra Latinoamérica es posible

    Otra Latinoamérica es posible

    Por: Julia Lombardi

    Desde marzo del año pasado hasta el día de hoy, absolutamente todos los Estados del globo se vieron fuertemente exigidos y demandados frente al desborde sanitario. Lo que hemos presenciado -principalmente en el reparto de vacunas- fue la profundización de las desigualdades entre los continentes, producto de las relaciones históricas de dominación.
    En el caso Latinoamericano la propagación del virus nos encontró en un total desorden estatal. Para el año 2020, ya había quedado atrás la experiencia de la unidad latinoamericana planteada por Chávez, Lula y Néstor del año 2005, en el histórico “No al ALCA”, donde se alineaban Venezuela, Brasil y Argentina, conformando un nuevo bloque de poder político desde la Antártida al Orinoco. Si bien este fue un hecho excepcional dentro de la historia de nuestro continente, fue la posibilidad de la experiencia concreta de que otro mundo y otra Latinoamérica es posible.
    Esta gran alianza que abrazó a la gran mayoría de los países de América del Sur en los primeros diez años del siglo XXI, fue sintetizada a través de diversos conceptos como “populista”, “progresista”, gobiernos de izquierda nacional, etc. Difícilmente exista un concepto que pueda expresar en toda su diversidad y matices las experiencias latinoamericanas de este periodo, y toda generalización deja afuera los procesos tan particulares de cada uno de nuestros pueblos. Pero a fin de poder pensar este proceso de forma unificada, y haciendo una abstracción, aquí definiremos a estos gobiernos como “Nacionales y Populares”, basados en una fuerte centralidad del Estado, en articulación con las organizaciones de la sociedad civil (viejos y nuevos movimientos sociales), que se ordenan a partir de tres grandes ejes: la soberanía política, la independencia económica y la justicia social1.
    Estos gobiernos nacionales y populares, (por diferentes factores que su análisis excede este escrito) comienzan un proceso de repliegue hacia 2010, podríamos tomar como hito histórico los golpes de Estado de Honduras (2009) y Paraguay (2012), donde se inicia una fuerte avanzada de Estados Unidos sobre las democracias de nuestro continente.
    La ofensiva norteamericana se dio de forma bien clara en el caso de Venezuela, a través de amenazas directas y del bloqueo económico. En Bolivia fue a través de la injerencia en las elecciones presidenciales, y para el resto de los países se aplicaron una serie de estrategias, como el lawfare o guerra judicial, a través del abuso del aparato judicial articulada con la manipulación de la opinión pública operada por los medios de comunicación y redes sociales.
    El resultado de estas estrategias trajeron inestabilidad social en Venezuela, el golpe de Estado (clásico) en Bolivia, la llegada a la presidencia de Jair Bolsonaro, producto del encarcelamiento de Lula Da Silva, a través de una proscripción de hecho del partido

    1 Categorías analíticas de la doctrina Justicialista, de Juan Domingo Perón
    mayoritario, y de forma más “blanda” la llegada a la presidencia de Mauricio Macri, expresión de la extrema derecha liberal argentina, entre otros acontecimientos.
    De esta manera se comienza a experimentar en nuestro continente el retorno del neoliberalismo en lo económico, con un fuerte giro conservador en lo social, volviendo la realidad latinoamericana cada vez más represiva. Esto llevará a una polarización cada vez mayor, lo que en Argentina denominamos como “la grieta”. Esa grieta que representa dos modelos antagónicos de país y de continente. Grieta que se abre cada vez más y que va pariendo grandes procesos sociales como el boliviano o chileno, y también monstruos como Bolsonaro.
    Esta grieta comenzó con la experiencia colonial, y seguirá existiendo en la medida que sigan intactos los enclaves coloniales, sostenidos por toda una serie de dispositivos -desde normas jurídicas, usos y costumbres, agentes coloniales que hacen lobby, etc-, pero principalmente a través de los Estados. En este sentido, tanto para unos como para otros, de los dos lados de la grieta, sigue siendo fundamental la disputa por el Estado, como bien plantea Alvaro Garcia Linera, en Latinoamérica encontramos dos formas de Estados contrapuestos:
    De un lado de la grieta -la derecha latinoamericana-, El Estado es concebido como un Estado aparente, como acción deliberada de los gobernantes y de su institucionalidad de crear un apartheid social, donde los derechos, lo universal, la unidad es de unos pocos y el resto son simplemente estorbos de la convivencia y de la civilidad construida en cuatro paredes. En este tipo de Estado el poder se concentra en una región y el resto de las regiones son dejadas
    de lado quedando bajo el mando del patrón, hacendado, jefes mafiosos, etc. que se asumen ellos mismos como Estado. Aquí se abandona la soberanía de su territorio y se concentran los derechos, la toma de decisiones y los beneficios colectivos en un par de lugares centralizados al margen del resto de la territorialidad que supuestamente le pertenece al Estado.
    El avance de estos gobiernos liberales-conservadores, y la implementación de estos Estados aparentes, tienen como resultado directo la desorganización profunda de la vida colectiva. No solo porque dejan de dar respuesta a las demandas sociales, que en el caso de la pandemia fueron bien claras, sino que además abandona la voluntad soberana sobre los territorios dejando a merced del destino a grandes porciones de la población. Un claro ejemplo de esto es Bolsonaro en Brasil, que dejó a la deriva al pueblo brasilero en medio de la más grande crisis sanitaria de nuestra historia contemporánea, cobrándose la vida de miles de brasileros y brasileras. La vida así se vuelve insostenible, inviable, incierta, toda nuestra energía quedará abocada al mero hecho de sobrevivir, y necesariamente esto traerá como consecuencia directa el empobrecimiento de la vida colectiva.
    Del otro lado de la grieta -los proyectos políticos populares y nacionales- comprenden al Estado como comunidad, como lugar de igualación, donde se disuelve lo individual en una comunidad política general y como lugar donde se piensa y se actúa por todos. Pero como bien plantea Linera -desde la mirada marxista-, esta comunidad siempre es ilusoria, entonces ¿Cómo superar esta ilusión donde unos pocos toman decisiones por los demás mostrando que son decisiones de todos? Para ello Linera rescata el concepto de Gramsci de Estado integral.
    El Estado integral sería el momento en que la sociedad absorbe las funciones unificadoras del Estado, y en que el Estado va transfiriendo a la sociedad funciones de gobierno. El Estado deja gradualmente el monopolio de la coerción y va igualando material y realmente a la sociedad. Este concepto de Estado nos permitirá salir de la disyuntiva entre el reformismo y la militancia testimonial, en palabras de Garcia Linera “Si quieres eficacia, entonces estás en el Estado, pero (este) te puede comer. Te sales del Estado, entonces pierdes eficacia, pero mantienes pureza”. Esta idea de Estado entiende que es desde la sociedad que se construye poder, pero ese poder se consolida y se cristaliza desde el Estado, entendiendo al Estado como un momento de la sociedad, y teniendo en cuenta permanentemente que ese momento es ilusorio y tiene que ser transformado desde la propia sociedad. Sociedad y Estado entonces, son una unidad.
    Ahora bien, ¿que venimos viendo desde marzo de 2020 hasta acá? que la pandemia encuentra a Latinoamérica en un gran desorden estatal, producto de los “Estados aparentes” como Chile, Brasil, Colombia; y por otro lado, Estados que lograron reenmarcarse en gobiernos populares -como México, Bolivia y Argentina- pero en territorios arrasados por políticas económicas y sociales profundamente regresivas.
    Es necesario entonces, en primer lugar, disputar el Estado, salir de la pureza ideológica, porque en América latina no tener un Estado integral con fuertes políticas públicas se paga con vidas humanas, de las cuales las más afectadas pertenecen siempre a los sectores más vulnerables. Para conseguir esto apelamos a lo que las Abuelas y Madres de Plaza de Mayo denominan como Memoria fértil2. Latinoamérica tiene memoria, tiene un registro de un pasado muy cercano de Estado integral, de orden social, de un continente que supo encontrar su destino.
    En segundo lugar, es necesario tener presente que aún si se volviera a consolidar un bloque político nacional y popular en latinoamérica, estamos en otro contexto global, bien diferente a los años del “No al ALCA”, y también recordar que los pueblos nunca vuelven iguales de las grandes tragedias. Aunque se recupere el Estado, ¿cuál es el horizonte? ¿Cómo se va desarrollando esta relación dialéctica entre Estado y sociedad civil? ¿Cuál será la relación entre el Estado y los sindicatos frente al descomunal desarrollo tecnológico/robótico que viene a desplazar a millones de trabajadores y trabajadoras? ¿Cómo será esta relación con las asambleas, los movimientos sociales con nuevas demandas en este mundo en ebullición? ¿Cómo sostener estos procesos frente a la aguda crisis en la que nos deja la pandemia? ¿Cómo defender y proponer políticas ambientales cuando los recursos naturales son nuestros medios de producción y hábitat al mismo tiempo? ¿Cómo nos posicionamos frente a la nueva reorganización del poder mundial?
    Es necesario volver al orden, al Estado integral, para consolidar un bloque de poder latinoamericano que negocie con las potencias mundiales de forma soberana. Hay que superar las dificultades de integración económica, principalmente allí donde somos competidores, y rever las prácticas imperialistas hacia el interior del continente. Pero principalmente hay que volver al Estado integral para lograr una fuerte base de justicia social para nuestros pueblos, principio y fin de nuestros sueños.
    Otro mundo es posible.

    2 La memoria fértil introduce la posibilidad de, a partir de una narrativa sobre un acontecimiento pasado, plantear las condiciones para generar una diferencia cualitativa en el presente. La memoria fértil es fiel a lo acontecido no por su identidad entre pasado y relato, sino porque busca recuperar el componente político de las ideas que le dieron forma a esos acontecimientos. La memoria fértil puede dar lugar a nuevas significaciones que abran otros modos de pensar y de actuar sobre la coyuntura a partir de la cual se rememora.

  • Latinoamérica en el laberinto colonial

    Latinoamérica en el laberinto colonial

    Por: Julia Lombardi

    En el año 1950 Octavio Paz escribió “El laberinto de la soledad”, un ensayo donde reflexiona sobre la identidad nacional mexicana. Con una prosa asombrosa bucea en las profundidades de la cultura llegando a vislumbrar tensiones tan agudas que su libro traspasa las fronteras y se transforma en un texto referencial para toda Hispanoamérica. Si bien, cada país tiene sus propias particularidades, estamos enmarcados en un mismo proceso -y destino- histórico, y de esto da cuenta la dominación colonial, el Plan Cóndor, la implementación de los gobiernos neoliberales, entre otros procesos. En el caso mexicano estas disputas fueron viscerales, y eso lo lleva inscripto en el desgarro de la mitad de su territorio en 1847 a manos de Estados Unidos. Si la invasión es un peligro permanente y siempre latente en nuestra historia, nuestra identidad será también reflejo de esto. A través de su pregunta por la mexicanidad, Paz nos abre al camino de pensar nuestra identidad ¿quiénes somos los latinoamericanos?

    La idea de una identidad nacional presupone necesariamente la idea de unidad (la existencia de ciertos rasgos comunes) y de exclusividad (que estos rasgos distinguen a una comunidad nacional de otra). Ahora bien, esto resulta bastante dificultoso cuando hablamos de Hispanoamérica, donde existe continuidad en la historia, lo étnico y las lenguas. Para todos los países de habla hispana, tanto la conquista como la independencia de España -que se traduce como el enfrentamiento directo con los españoles- marcó definitivamente nuestra historia. Los procesos de independencia no se trataron tanto de una lucha nacional como de un enfrentamiento entre principios opuestos -libertad o despotismo-, con lo cual no se definían, en esos momentos, criterios de identidad más allá de la espontánea adhesión a la causa de la independencia (Palti, 1996). En el caso de Brasil la retórica y la práctica independentista fue muy diferente, donde no se presentó como un quiebre traumático. Indudablemente Brasil se recorta nítidamente en la escena latinoamericana, pero sin embargo es parte de los procesos que acontecen en todo el resto del continente.

    Pero volvamos a Octavio Paz y su pregunta por la identidad del mexicano, que aquí lo leeremos como “el hispanoamericano”. El autor comienza por describir ciertas particularidades o características no occidentales, comparándolos con los chinos o árabes, nos dice que son “herméticos e indescifrables… que arrastran en andrajos un pasado todavía vivo”. Lo que Paz lee por debajo del hermetismo latinoamericano es “miedo y recelo”, es la sospecha permanente de que cualquiera nos puede traicionar, en definitiva el “miedo a ser”, como una forma inauténtica de ser. Paz va a utilizar al lenguaje como hilo de Ariadna para descifrar el laberinto, y lo hará a través de “las palabras prohibidas, secretas, sin contenido claro”; aquellas palabras que expresan la cólera, la alegría o el entusiasmo del pueblo, y así llega a la popular frase: ¡Viva México, hijos de la Chingada!, y nos dice que esta frase es un “verdadero grito de guerra, cargado de una electricidad particular, esta frase es un reto y una afirmación, un disparo, dirigido contra un enemigo imaginario, y una explosión en el aire”.

    Pero… ¿Quién es la Chingada? Nos dice Paz que “chingar” es un verbo agresivo, teñido de sexualidad, pero que sin embargo no es sinónimo del acto sexual; chingar es ejercer violencia sobre otro. La idea de la violación rige oscuramente. Chingar es humillar, castigar y ofender. Es una palabra que establece una relación, siempre asimétrica, desigual, dicotómica, donde se es fuerte o se es débil. La Chingada entonces, es la Madre “abierta, violada o burlada por la fuerza” y el “hijo de la Chingada” es “el engendro de la violación, del rapto o de la burla”. La Chingada, a diferencia de la puta (“hijo de puta”) no es nadie, ni es nada “no ofrece resistencia a la violencia, es un montón inerte de sangre, huesos y polvo”. La Chingada no tiene identidad, es la Nada. Pero si la madre es la chingada, el padre será el chingón, el Macho, el lado activo de la relación, quien ejerce la violencia. El Macho es un padre que no paterna, indiferente a sus hijos, ni los protege, ni los conduce, sino que impone y humilla. Dirá Paz “es la incomunicación pura, la soledad que se devora a sí misma y devora lo que toca. No pertenece a nuestro mundo; no es de nuestra ciudad; no vive en nuestro barrio. Viene de lejos, está lejos siempre. Es el Extraño. Es imposible no advertir la semejanza que guarda la figura del “macho” con la del conquistador español”.

    En esta metáfora del conquistador como padre, podríamos pensar los distintos orígenes de la “América española” y la “América portuguesa”, donde el español no es un padre, es la crueldad misma, la humillación y el abandono. En el caso de Brasil, la cosa es diferente, el conquistador portugués reconoce a sus “hijos”, aun cuando también es un padre cruel y racista, Brasil es el hijo pródigo que se emancipa de la tutela de sus padres sin por ello repudiarlos. En el acto de trasladar la corona portuguesa a Latinoamérica, la colonia se redefine como reino. En el caso español, el primer monarca en pisar suelo latinoamericano lo hace en 1976, ciento cincuenta años después de la independencia de Bolivia, último país en cortar relaciones políticas con el imperio español. 

    Brasil es mirado por el resto de Latinoamérica como un igual, y al mismo tiempo como un “otro”. Un otro hacia dentro, en parte por las diferencias en los procesos históricos y el idioma, que funcionan como frontera cultural, y al mismo tiempo como un igual hacia fuera, frente al mundo, como un latinoamericano más. Podemos pensarlo por ejemplo, como la misma expresión del pronombre personal del castellano “nos-otros”, un otro que al mismo tiempo es “Nós”, es propio. Al igual que el resto de Latinoamérica, Brasil también “arrastra en harapos un pasado todavía vivo”, también está marcado por la pobreza, la desigualdad, la injusticia y en este sentido lo vuelve un hijo de la chingada, hijo de la mujer, la india y la esclava, y esto nos hermana, pero a modo de “medios hermanos” por parte de la madre. Ambas “Américas” podríamos compartir este gran mito original de la chingada, pero en el caso de la conquista hay una diferencia sustancial, donde Hispanoamérica tiene y carga la relación con el conquistador como una relación de violencia directa, con una lógica política bien clara, de amigo-enemigo, una lógica de guerra, que marcará a fuego toda la historia social de nuestros pueblos. 

    Pero retomemos a Octavio Paz, que vuelve a tirar del hilo de Ariadna, y esta vez lo lleva al centro del laberinto invocando al gran mito fundacional mexicano, y allí enlaza a la chingada con  “La Malinche”. Conocida también como  Malintzin o Doña Marina, la Malinche fue una mujer náhuatl que nació hacia el año 1500, posiblemente en Oluta cerca de Coatzacoalcos, al sureste del Imperio Azteca, en la región de la actual Veracruz. En 1519, fue una de las veinte mujeres esclavas dadas como tributo a los españoles por los indígenas de Tabasco, tras la batalla de Centla. Con el tiempo, Doña Marina logró la confianza del conquistador Hernán Cortés, transformándose en su intérprete, consejera e intermediaria, lo que le permitió al invasor la conquista de Tenochtitlan. Cortés y la Malinche también fueron amantes y tuvieron un hijo, Martín, quien es considerado el primer mestizo surgido de la conquista de México. Más tarde Doña Marina, se casa con el español Juan Jaramillo, con quien tiene a su segunda hija María. No se sabe a ciencia cierta qué sucede después de la separación de Cortés, a partir de allí Malinche desaparece de la historia y comienza la leyenda, una de ellas es a través de “La Llorona” mito mexicano que se extendió a toda Hispanoamérica, que relata la historia del fantasma de una mujer que queda atrapada entre el cielo y el infierno, llorando la muerte de sus hijos y la suya propia.

    Si bien la historia de la Malinche comienza en la conquista, solo cuando México comienza a ser una Nación independiente, y se plantea el problema de la identidad nacional, la Malinche se transforma en símbolo de humillación del pueblo indígena como resultado de la traición, allí es donde Paz afirma que el (varón) mexicano se conforma como un violento rechazo a su vergonzosa madre. El problema de la identidad se presenta entonces, como un problema de identidad masculina (Franco, 2014).

    La Malinche es la madre de lo nuevo, del mestizaje. Es una mancha oscura, es lo impuro, lo indefinido, la mixtura. La Malinche y su hijo representan esa fotografía borrosa de lo propiamente latinoamericano, ese lugar donde late el miedo al ser. “Malintzin”, nombre real en su lengua natal, es transformado en “Malinche” por la mala pronunciación de los españoles. Este limbo donde queda atrapada la llorona, o ese nombre que es transformado por una nueva pronunciación, marcan lo indeterminado y accidental de lo Latinoamericano, ese ámbar flotante, ni indio, ni español. Como plantea Paz, y más adelante otras y otros intelectuales de nuestro continente, tanto indios como españoles quedan negados, afirmándonos solo en tanto mestizos. Dice Paz, el mexicano “se vuelve hijo de la nada. Él empieza en sí mismo”, el mexicano y la mexicanidad se definen entonces, como ruptura y negación. Pero si el origen del mexicano (o del latinoamericano) es ese hijo mestizo nacido de la chingada, que emerge en el desgarro de la conquista, y que no perdona la traición de la madre ¿quiénes somos las mexicanas o las latinoamericanas? 

    A través de la historia de la Malinche, Paz va plantear que aquí se efectiviza la conquista, en el acto de la violación, “no solamente en el sentido histórico, sino en la carne misma de las indias”. Como plantea Marta Lamas, Paz usa al personaje de la Malinche para describir la penetración cultural y el mestizaje, y deposita en ella el peso del conflicto de la Conquista. Sin dudas, la Malinche es un chivo expiatorio, el mito sobre los orígenes comienza con el relato de su traición ¿pero qué sucede si corremos la vara más atrás, por ejemplo a la llegada del invasor, o a la misma escena de la “entrega” de las mujeres? Sin dudas la escena cambia, y aparece ante nosotros otro camino posible, donde se puede pensar el origen mismo del colonialismo en un acto patriarcal.

    La Malinche es mucho más que la traición, es una mujer que desde su triple condición de sumisión -como mujer, india y esclava- interviene en el desarrollo político de la historia. Marta Lamas nos dice que, “en el proceso de traducción/desciframiento ella se pone en juego con su cuerpo, su sexo, pero también con su inteligencia. La Malinche tiene metis (la astucia del débil frente al fuerte) y al aliarse con los españoles, seducir a Cortés e incidir mucho más que una simple traductora, Malitzin está siendo fiel a ella misma, a su deseo”. Lo que hace Malinche es una acción política sobre el mundo que le toca vivir transformándolo para siempre, pero su acción política implica la amenaza de la misma existencia de la comunidad, entonces minimizar u obscurecer la traición de la Malinche es de algún modo aceptar la colonización, y con ello las formas de vidas extremadamente violentas que impone. Como menciona Jean Franco, la Malinche queda entre la ruptura de los lazos de la comunidad cultural y la condición emancipadora, lo que hace de ella un personaje tan interesante como complejo. Quizás en esta complejidad, en este lugar incómodo que nos ofrece la Malinche encontremos nuevos matices para nuestros feminismos latinoamericanos, donde podamos mirarnos desde nuestras propias realidades, saliendo de la negación y sin caer en proyectos globales que nos impongan una falsa unidad, ocultando las desigualdades raciales, étnicas y de clases, que en última instancia nos llevan a reactualizar de forma simbólica la traición a nuestra comunidad. En este sentido, el feminismo decolonial nos invita a pensarnos de forma situada, en el marco de un continente marcado por múltiples opresiones, como el colonialismo, el capitalismo, el racismo, el patriarcado, todas ellas formas de poder que conviven, se entrecruzan, someten y excluyen. 

    A partir de este lugar, como nos propone Marta Lamas, se puede abrir a un pacto simbólico -un mito- diferente, podemos correr el hito histórico desde el punto de la traición de la Malinche, a la instancia previa de la entrega de las mujeres, al momento simbólico de la comunidad. Solo desde allí, podemos asumirnos como mujeres con deseos y capacidades políticas para transformar nuestra realidad y la de todo un continente.

    La invitación a volver a las páginas de Octavio Paz no tiene como finalidad buscar una verdad, ni siquiera un origen, ya que toda retórica de identidad nacional es una construcción ficticia de homogeneidad, donde se pierden los matices y la diversidad. Lo que aquí se propone, y por ello traemos a Paz y su Laberinto, es una reconstrucción poética que nos permita pensarnos como latinoamericanos y latinoamericanas, pero siempre de la mano del reconocimiento del otro, pensarnos en un gran Nos-Otros, para poder, como dice Rodolfo Kusch “descubrir un nuevo horizonte humano, menos colonial, más autentico y mas americano”.

     

     

    Bibliografía

    Franco, Jean (2014) “Las Conspiradoras”. Ed. Fondo de Cultura Económica. ISBN: 978-968-16-4290-7

    Kusch, Rodolfo (2008) “La negación en el pensamiento popular” Ed. Las Cuarenta. ISBN: 978-987-1501-03-8

    Lamas, Marta “Las nietas de la Malinche. Una lectura feminista de El laberinto de la soledad” publicado en: https://zonaoctaviopaz.com/detalle_conversacion/334/las-nietas-de-la-malinche-una-lectura-feminista-de-el-laberinto-de-la-soledad

    Palti, Elías José (1996) “Imaginación histórica e identidad nacional en Brasil y Argentina. Un estudio comparativo” Revista Iberoamericana, ISSN: 0034-9631, Vol: 62, Issue: 174, Page: 47-69

    Paz, Octavio (2007) “El laberinto de la soledad” Ed. Fondo de Cultura Económica. ISBN: 9788437506081

  • ANÁLISE DE CONJUNTURA: UMA TAREFA CONSTANTE

    ANÁLISE DE CONJUNTURA: UMA TAREFA CONSTANTE

    Por: Thaís Pagano

    Pensar criticamente a América Latina requer um olhar atento para o seu processo histórico, sua constituição como capitalismo periférico e sua condição de subalternidade, essencial ao sistema imperialista. Dessa forma, é inevitável refletir sobre a transformação de seus recursos naturais e humanos, inicialmente em capital europeu e, depois, norte-americano. O mecanismo global capitalista tratou de estabelecer paulatinamente seu modo de produção e a estrutura de classes, por meio de relações marcadas pela opressão e exploração, garantindo o desenvolvimento do capital mundial às custas do subdesenvolvimento dos países latino-americanos.

    Especificamente sobre o Brasil, seu contexto de crise econômica e política vem garantindo a ampliação e consolidação do conservadorismo ultraliberal, fortalecido pelo discurso do fundamentalismo religioso das igrejas pentecostais, tendo como destaque um conjunto de medidas que agravam a questão social, que atinge negativamente a vida dos trabalhadores. Nesse sentido, é possível identificar os esforços do capital financeiro em assegurar as privatizações, o desmonte de políticas públicas e sociais, e o assolamento de direitos sociais e trabalhistas. O regime de acumulação na ordem capitalista se assenta na exploração da classe que vive do trabalho e na expropriação das riquezas das regiões periféricas, em harmonia com a geopolítica dos centros mundiais de poder. A ascensão do conservadorismo reacionário tem marcado o solo brasileiro de forma singular há cinco anos e ameaçado permanente e violentamente a democracia.

    São nas mazelas sociais, próprias das sociedades capitalistas, expressas na miudeza do cotidiano, que a conjuntura se revela. Sendo assim, para compreender os acontecimentos políticos que nos permeiam, é fundamental realizar análise de conjuntura, que é uma leitura especial, crítica e profunda da realidade, feita em função de um propósito. Independente de nossa vontade ou percepção, essa análise já faz parte de alguma maneira do nosso dia-a-dia, quando fazemos pesquisas para tomada de decisões, como a compra de produtos no supermercado, matrícula do filho na escola ou a saída de um emprego. Essas decisões são decorrentes de avaliações realizadas a partir das informações e conhecimentos que dispomos.

    A análise de conjuntura é um ato eminentemente político, por isso nunca é neutro e desinteressado. É uma tarefa complexa que exige capacidade de perceber, compreender, descobrir sentidos, identificar demandas, relações, tendências, projetar ações a partir de dados e informações, com o objetivo de desvendar a trama das relações sociais. É um retrato dinâmico da realidade, que mistura conhecimento e descoberta, possibilitando uma leitura intensa da realidade política, econômica e social. Feita sob a ótica das classes populares, pode instrumentalizar a organização da luta coletiva e política dos trabalhadores, por meio da investigação dos acontecimentos considerando-os determinados histórica e socialmente, buscando se constituir enquanto elemento de transformação da realidade social. Ela é um instrumento que permite identificar os interesses e as necessidades em jogo, ponderando as articulações e dimensões locais, regionais, nacionais e internacionais dos fenômenos.

    Algumas categorias são essenciais para realizar análise de conjuntura, são elas: acontecimento – fatos que adquirem sentido especial para um indivíduo, grupo, classe social ou país; cenário – espaço no qual as ações da trama social se desenvolvem; atores – indivíduos, classes e grupos sociais, instituições, como sindicatos, partidos políticos, jornais, rádios, igrejas; relações de força – relação estabelecida entre os atores, que pode ser de confronto, domínio e subordinação ou de equilíbrio, diálogo, igualdade e cooperação; articulação entre estrutura e conjuntura – acontecimentos e ações desenvolvidas pelos atores sociais, situadas em determinadas estruturas,  têm relação com o processo histórico, com as relações sociais, econômicas e políticas, estabelecidas ao longo do tempo, interferindo na conjuntura.

    O acirramento da desigualdade social, em especial nos países da América Latina, território subjugado pelo poder imperialista, nos impele a buscar caminhos para transformar o contexto latino-americano e isso só é possível com o conhecimento de sua realidade multifacetada. Sendo assim, a análise de conjuntura é uma ferramenta fundamental para que os movimentos sociais populares na América Latina possam superar suas limitações teóricas e organizativas, pois ela propõe uma espécie de intervenção política, definindo estratégias capazes de avaliar as forças que participam da dinâmica social que estão em constante mutação, diferenciando as disposições de ordem subjetiva (vontade) das de ordem objetiva (real).

    Em tempos de capital financeirizado, expressão da nova hegemonia liberal-financeira, se faz urgente o fortalecimento de processos de resistência para a construção de outras formas de sociabilidade, que combatam a pauperização, a subordinação, a exploração dos trabalhadores, a desigualdade social, a criminalização dos movimentos sociais e que garantam a socialização da riqueza socialmente produzida, a efetivação de direitos, bem como a consolidação da democracia e da cidadania.

  • EDITORIAL

    EDITORIAL

    Caros Leitores, sejam bem vindos ao Jornal virtual América Profunda, seu jornal mensal de atualidades latino-americanas, mesmo que essas atualidades se remetam a séculos e séculos de construção histórica e fenomenológica do ser latino-americano. O titulo do jornal ganha esse nome em referência à obra mais conhecida do argentino Gunther Rodolfo Kush, um filósofo que tentou sempre traduzir e evidenciar as origens latinomaericanas em contraposição ao que nos foi colonizadamente inserido, seja no aspecto moral, religioso, cultural e/ou filosófico.

    Sugerir-se viver a partir de si mesmo, antes de assimilação cega de culturas estrangeiras como sendo a verdade absoluta, superando a vida submissa, resignada e subserviente é fundamental para reconhecer os valores do que já se tem, que é cultura própria.

    Buscar tais elementos como constitutivos de um povo que, em grande medida, foi explorado e permaneceu inerte; o que veio e continua vindo de fora, além da imposição, é aceito por haver acostumado a um ritmo de vida passiva. Portanto, clama repensar sua posição; clama oferecer os elementos próprios daqui, deste lugar, para que sejam pensadas novas maneiras. Como nos lembram alguns filósofos, é preciso pensar de outro modo. É isso que os autores deste jornal nos propõem: pensar de outro modo, pensar de outro lugar (do aqui) e fazer valer o que aqui é vivido.

    Na primeira edição você vai encontrar análises conjunturais sobre a violência neoliberal a um continente que se despedaça por ações cada vez mais arbitrárias e reacionárias como é o caso do Brasil; encontrará também o papel central do maior movimento  mundial sócio/politico existente, o movimento feminista, e as agruras vividas pelas mulheres deste continente; análise a cerca de uma nova America Latina possível com base nos textos de Alvaro Garcia Linera; crônicas e demais opiniões a cerca do ser existencial latinomericano e suas características riquíssimas e sólidas que nos fazem transcender às volências colonialistas, seja pela música que nos abunda, seja pela culinária que nos une, seja pela poesia que nos fortifica. Até pela nossa história, que nos sangra mas ao mesmo tempo nos estimula a criar nosso sol de cada dia, também encontraremos aqui. E por falar em sol, a estrela que nos guia pra romper as correntes do imperialismo onde criamos e resignamos novos horizontes será sempre do tamanho dos nossos sonhos e dos nossos amores, porque a América Latina é uma mulher mãe, guerreira, forte, amante e ardente que luta pelos seus filhos e pelo seu lar, como as sementes lutam pela potência de um dia ser árvore e os homens lutam para um dia serem livres.

    Em frente América Profunda, cresce-te e anda! Independente e altiva, será o berço de uma linguagem contrária ao arbítrio, sensível à localização e utópica por um planeta justo, digno e de igualdade social.

    Viveremos e Venceremos.

  • Se não agora, quando?

    Se não agora, quando?

    Por: Ana Flávia Bassetti

    Tempos sombrios como o que estamos vivendo pedem foco. Mas, sobretudo, pedem luta. E não há luta política que não seja conjunta. Não há conjunto sem afinamento. Não há afinamento sem diálogo. É necessário transformar, de dentro para fora. Não, não é simples. Já começo dizendo que o meu olhar parte de uma lupa sensível voltada para um universo muito íntimo. Mas é o meu universo, é o que vivo e, meus caros, não há verdades minhas que não saiam das vísceras. Vísceras que só entendem o que já sentiram na pele ou ruminaram empaticamente no coração. 

    Venho falar de um tema que há algum tempo divido com amigas e, ainda que timidamente, amigos de noites e conversas fecundas. Estou ambientada num pequeno reduto da esquerda curitibana que tanto me acolhe, mas que também tanto me frustra enquanto mulher. Na mesa há uma pauta que nos une: a avalanche vil de uma política que nos magoa, nos sufoca, nos revolta e nos confraterniza. Porém, a cisão é iminente logo as luzes se demoram. No caminho entre a mesa em que dividimos a pauta, o cinzeiro e os copos até qualquer tipo de relacionamento mais íntimo a tragédia se anuncia. A esquerda ainda escuta samba. E viva! A esquerda masculina hetero cis ainda tem saudades da Amélia. Trágico! 

    Existe uma fraternidade (se não é o bom e velho português nos desnudando) que se autoprotege e que não inclui as mulheres mas que, ao contrário, usa a misoginia como argamassa afetiva do seu laço. Freud explica a brotheragem! Em “Psicologia das massas” ele fala que o sentimento mais importante para a sensação de pertencimento identitário e consequente coesão de um grupo é o repúdio. Eu não estou exagerando. A misoginia, afinal, toma várias facetas: do discurso antifeminista declarado – e até feminicídio – à exaltação das mulheres, mas enquanto objeto. 

    Nas regras da “casa dos homens”, vale não se envolver (publicamente, claro) com a ex de um amigo para poupar-lhe qualquer desgaste, mas não vale se posicionar contrariamente a um gaslighting público para proteger uma amiga de uma injustiça e quiçá outros danos internos. No primeiro caso, a mulher é colocada como propriedade: um objeto com o qual se pode interagir, mas nunca abrir espaço para qualquer tipo de conexão. No segundo caso, o consentimento que o silêncio traz produz o resultado organicamente: a mulher que sempre fica como a louca, que causa confusão. Vale manter as mulheres do grupo a uma distância que permita que o homem continue no centro, usando de forma sacana uma herança de camadas e camadas de rivalidade feminina mantida funcionalmente a favor do patriarcado. É estratégico! Afinal, uma feminista incomoda muita gente, duas feministas desmascaram muito coisa. 

    Não lembro quem foi que disse: “não há nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esquerda”. E eu ainda alerto para o perigo refinado do segundo. Ora, minhas luzes de emergência acendem facilmente diante de um extremo direitista com sua misoginia escancarada. Mas ainda demoro a perceber o quanto ainda faço berço para a base (maternal?) da esquerdomachia. É difícil dissecar o machismo inteligentemente velado. Tão sutil, tão concreto, tão canalha. É fácil mandar um hetero-top escroto para as cucuias, sem dó. Difícil mesmo é lidar com um parceiro de ideias e ideais que, muitas vezes por pura repetição, nos pega no âmago. E pode nos destruir. Vos digo, então, com conhecimento de causa e causos: não passarão! 

    É sobre isso que eu quero falar. Não só aqui. Não quero ser emissora, quero fazer parte. Paro este texto em súplica: vamos falar sobre isso! Pode soar torpe falar de qualquer coisa que não pareça estar estritamente relacionada à desesperança do momento presente. Mas, para que alguma coisa emerja dos nossos sonhos de boteco, para que nossas pretensões eleitorais tomem forma, para que nossos ideais sociais fecundem, precisamos nos afinar! Sendo assim, este texto é para dentro, mais do que tudo. É para os amigos de luta e jornada. É mais do que um pedido de reflexão e de ajuda. É um pedido de “vamos juntos!”. Mando um “sinto muito”, posto que enfim me nego à culpa, à você companheiro que se sinta ultrajado, ofendido e até incompreendido. Mas, peço licença para a provocação, você é o alvo maior do pedido encarecido que aqui humildemente derramo: você sente isso porque ainda conserva (conservador?) o modus operandi que te serve e que – eis o mais triste da (tua) história – também te destrói. Te destrói de dentro para fora. Te destrói porque te mantém refém de uma masculinidade tóxica que inibe o teu ser em plenitude. O índice de suicídio só cresce entre os homens. É verdade que as mulheres tentam mais, mas até na hora de morrer o cabra tem que ser macho, não é mesmo? E te destrói porque atrasa, e muito, a tua luta que é nossa. 

    Se doeu, te digo: não há mudança açucarada. Se movimentou qualquer coisa aí dentro: me coloco à disposição. Não como seio ou ventre, mas como ombro, ouvidos e coração. Para, afinal, continuarmos juntos, só que lado a lado.

     

    (ilustração: Charles Dana Gibson)

  • Qual foi o Brasil de Paulo Freire e qual é o Paulo Freire do Brasil de hoje.

    Qual foi o Brasil de Paulo Freire e qual é o Paulo Freire do Brasil de hoje.

    Por: Felipe Mongruel

    Antes de falar de Angicus (Rio Grande do Norte, Brasil) preciso falar que Paulo Reglus Neves Freire, ou simplesmente Paulo Freire, desde 2012 é o Patrono da Educação Brasileira mesmo que cães tentem ladrar ao contrário. Se não pelas centenas de analfabetos que um dia Paulo resolveu alfabetizar em Angicus num curso de 40 horas, pelo método horizontal de profundidade critica e de olhar atento do indivíduo pra dentro de si.

    Na relação som e imagem, Paulo Freire descobriu que os substantivos demostrados com sua função na vida humana tinham o poder de compreensão do seu papel no mundo. Por exemplo, “farinha”, “tijolo” sendo demonstrados no dia-a-dia do sertanejo, atrelados aos seus efeitos com outros substantivos, “trabalho”, “pobreza”, não só ensinavam mas educavam. Construíam, pensavam e libertavam.

    Através de seu método de libertação, o advogado socialista foi convidado pelo prefeito do Recife da época (estamos falando da década de 50) Miguel Arraes, para ser o secretário de educação da capital do São Fransisco. Assim também, na gestão estadual do futuro governador Arraes, Paulo o acompanhou e, em diante, o Brasil de Paulo Freire era um país de sonhos e de corrida independente e soberana.

    Estava provado que a velocidade do método de alfabetização aliado à educação crítica dos significados da vida real era um potente transformador democrático na sociedade.

    Começava a década de 60 no Brasil e uma profunda polarização política no país acontecia. Em 2 de abril de 1963, foi realizada a última aula na cidade de Angicus-RN, onde o método tinha nascido. O evento de então contou com a presença de dois personagens importantes para o prosseguimento da história: João Goulart, então presidente da República e o General Castelo Branco comandante do 4º Exército. No ano seguinte, João Goulart, ou simplesmente, “Jango”, decretou o PNA- Programa Nacional de Alfabetização- chamando Paulo Freire para ser o responsável pelo programa que detinha o intuito de alfabetizar 5 milhões de brasileiros e brasileiras onde, na época, analfabetos não podiam votar, e por óbvio, tal medida seria uma expansão de muita relevância para o número de eleitores no colégio eleitoral brasileiro.

    Entretanto, como a classe dominante nunca dorme, o programa que estava previsto pra ser oficialmente iniciado em 13 de maio de 1964 não aconteceu. Em 1º de abril daquele ano, se instalava a ditadura militar no Brasil que carregou 21 anos da nossa história, além de milhares de pessoas mortas e desaparecidas para os porões da tortura, da censura, do reacionarismo e da arbitrariedade.

    O General Castelo Branco foi instituído presidente, o PNA extinto e Paulo Freire preso.

    Após a prisão de 70 dias, Paulo começava a sua vida no exilio: Bolivia, Chile, depois Estados Unidos e posteriormente Suíça.

    No Chile, Freire trabalhara com educação de campesinos para o governo chileno e é de lá que lança sua principal obra, datada de 1968, PEDAGOGIA do OPRIMIDO, que foi traduzido para dezenas de línguas mundo a fora. No mesmo ano, o Brasil instalava o AI-5 (Ato institucional nº 05.) fechando o Congresso Nacional e recrudescendo o espirito autoritário.

    Freire sai do Chile em 1969, pouco antes do golpe militar de lá (1973) e se muda para os Estados Unidos, onde vai lecionar na Universidade de Harvard.

    Em 1970, Freire parte pra Genebra, na Suíça, onde trabalhou como Consultor do Conselho Mundial de Igrejas visitando mais de 30 países. No ano seguinte liderou o IDAC- Instituto de Ação Cultural, promovendo trabalhos de Justiça Social na Itália, Suíça e África.

    Já em 1975, Freire chega ao continente africano onde participa do processo de descolonização de países como Moçambique, Guiné-Bissau, Angola entre outros. A década 70 no Brasil acaba com a Lei de Anistia, promovendo o retorno do educador à pátria mãe.

    Em seguida, Paulo Freire passa a dar aula em universidades públicas e privadas de São Paulo e é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Dá-se início ao Movimento das Diretas Já e durante o governo de José Sarney que herdou a cadeira presidencial após a súbita morte de Tancredo Neves em 1985, Paulo perde sua esposa Elza no ano seguinte e em 1988, enfim, é promulgada a Constituição Federal da Republica do Brasil, conhecida como Constituição cidadã.

    Nas primeiras eleições diretas, a maior cidade da América do Sul, São Paulo, elege a nordestina Luiza Erundina como prefeita e Paulo Freire ocupa o cargo de secretário municipal na sua gestão.

    O advogado pernambucano Paulo Freire, educador e revolucionário, detentor de 48 títulos honoris causa, 3º maior autor citado em obras de educação no mundo, inventor do maior e mais libertador processo educacional do Brasil deixou de bater seu coração em 2 de maio de 1997. Porém bate forte o coração revolucionário, bate forte o coração libertador, o coração daquele que expande e verdadeiramente fez nascer em nós o agente transformador das causas sociais e do pensamento crítico.

    Em 2018, o Brasil elegeu Jair Bolsonaro presidente da República, como uma de suas pautas: a criminalização e a destruição da obra de Paulo Freire. O ataque feito a Freire é o ataque à emancipação social e à justiça social. As agressões à obra de Freire nada mais são do que ataques da classe dominante aos excluídos da vida digna e desprotegidos do bem estar social.

  • A Utopia

    A Utopia

    Por: Felipe Mongruel

    A genuína diferença entre entender e compreender é a que o primeiro conceito limita-se a absorção do enunciado. Enquanto o outro, revela sua capacidade de transmissão daquilo que foi adquirido, daquilo que foi entendido. Dando sequência motriz à raiz ideária.

    Na tarefa utópica de traduzir a realidade da linguagem desse país, os pensadores do tema agem muito bem como entendidos das causas e de seus efeitos. Demonstram a realidade subliminar apresentada a um eixo da população que goza dos mais íntimos e tragicômicos produtos dessa ordem. Num poder curandeiro, numa verdade acreditada. Inatingível. Inquebrantável.

    Um guerra de fatos versus ultrafatos, de realidade com a realidade ultramaterial maniqueísta e ligada ao íntimo de si. Ao eu si. A moral.

    É uma re-ligação de conceitos que não são os conceitos clássicos de outrora, como por exemplo FASCISMO, com suas novas versões atualizadas, utilizadas nos templários da nova época: whatsapp, facebook, twitter e instagran. São conceitos mais sorrateiros, mais simplistas, mais curtos e com poucos caracteres para versões atualizadas de lavagem de roupa suja e briga entre vizinhos.

    É exatamente alí, nos cafofos e nos muquifos da língua que a seita bolsonarista se encontra. Num arremedo de ideias demoníacas da bruxa do 71, com chantagens escatológicas dos Augustinhos Carraras. É o cortiço do Brasil em nova versão, afeita pelos combustíveis do Grande Capital utilizando-se cinicamente a versão da Liberdade de Expressão.

    Compreendendo um pouco mais: no país do Carnaval, os problemas se coadunam todos no sexo.

    Como se porventura sexo fosse problema e não solução, o genocídio das minorias, os exterminios indígenas e da comunidade LGBTQIA+, onde facilmente se vêem o fruto dos reacionários e reprimidos homens motoqueiros armados e musculosos que precisam se garantir em grandes camionetes estilo Agro é pop, com versões altíssimas do produto cultural nocivo e idiota do Sertanejo universitário. Quando muito se vê pelas telas atuais torturas e agressões bizarras cometidas pela Policia (não se engane) se trata de mais uma bichona enrustida que verte tesão pelo alinhamento da farda ou a lustrosa graxa dos seus coturnos.

    Mas estes brasileiros não queriam estar ali, queriam estar gozando lambendo aqueles coturnos durante horas na sadomasoquista tarefa de serem sabujos e lacaios dos seus opressores, mantendo a dor da corrente que lhes apalpa o bumbum e cospe em suas caras.

    O Bolsonarismo não vive sem antes morder a isca das relações sociais. E estas, se dão por ordem afetiva. É por afinidade que um banqueiro ou um rentista goza ao ver o dólar bater cinco reais enquanto 60 milhões de iguais nadam na merda da miséria. É por puro prazer de sair do armário que estes escravos sexuais do capital gritam “mito” destemidamente, cortando direitos de trabalhadores e vendo aposentados morrer a míngua. Eles gozam quando a classe baixa rói o osso. Quando são presos, quando são despejados, quando o Milico fala grosso que eles “vão manter as instituições funcionando, custe o que custar” num claro tom ameaçador.

    É o pouco apreço à cultura a história de uma colônia que faz brasileiros e brasileiras serem colonos e colonas incessantemente. E o outro lado, a que eu pertenço, se verte em raiva e perplexidade ao ver o bizarro mundo dos cortiços, dizendo “como podem ter votado nesse cara?”. Outro erro.

    Não se vê ao horizonte próximo uma transmutação de todos esses valores, fareja-se, quem sabe, mais guerra entre individualistas e coletivistas. Entre “um” versus “nós.” E felizmente ou infelizmente é nela que temos que assumir e engolir nossas escolhas. Enquanto nos colocamos ao estado coletivo da presença do Estado salvando vidas pelo SUS no pior país no tratamento da pandemia às escolas agro-ecológicas do MST ou as suas toneladas de alimento doado à milhões de brasileiros das periferias do brasilzão de todo dia, estamos vencendo. Estamos nos unindo em mensagens subliminares.

    É apenas quando assumirmos sermos formigas nesse estado coletivo que recolocaremos as ideias um país de todos. Para todos. E por todos.

    Não importa se os símbolos pátrios eles usaram para acorrentar seus súditos e fiéis, nossos símbolos são de igualdade, liberdade e fraternidade, que como todos sabem, é vermelha.

    A diferença semântica entre os polos é que um deles ainda existe a palavra amor. Em sua espécie partilhar; solidarizar; unir; triunfar. A todos. Ao formigueiro inteiro.

    E quem não pode com a fomiga, não atiça o formigueiro.

    Viveremos e venceremos! Num Estado Coletivo em que poderemos amar tudo aquilo que o outro é, que poderemos aceitar tudo aquilo que o outro é, e que poderemos defender tudo aquilo que o outro é.  E só assim que poderemos foder o dia inteiro.

    E é pra lá que caminharemos, a esse horizonte, onde mora a utopia.

    Cresce-te e anda, Jornal América Profunda.