Categoria: Volume II * nº. 10 * Outubro de 2022

Edição de Outubro de 2022 do Jornal América Profunda

  • No bang-bang do Brasil, os eleitores decidirão se o país virará Guantánamo ou virará um berço de esperança pra América Latina, tudo em 14 dias.

    Por: Felipe Mongruel

    Há 6 anos mergulhados num golpe civil que destituiu a legítima presidenta Dilma Rousseaf, o Brasil enfrenta uma avalanche arreganhada de corrupção, empobrecimento das classes mais baixas, desemprego e um morticínio de quase 700.000 vidas perdidas pelo negacionismo da vacina, pelo incentivo ao uso de Cloroquina e demais remédios cientificamente provados como não eficazes, tudo isso capitaneado pelo maior impostor que já pisou nesta terra, Jair Bolsonaro.

    Porém, para contar essa história é necessário fazer uma rápida volta ao passado do país:

    Tudo tem início na Ação Penal 470, conhecida popularmente como Mensalão, um amplo processo de perseguição jurídica ao Partido dos Trabalhadores, ainda em 2005, na primeira gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que levou pra cadeia os mais próximos dirigentes do partido e os mais próximos ao presidente. O argumento utilizado foi de que o Partido dos Trabalhadores comprava votos no Congresso Nacional, de deputados federais, para aprovarem projetos de lei oriundos do Poder Executivo.

    Nunca nada foi provado, apenas sugerido, que certas instituições como o Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, dois bancos públicos desviavam dinheiro da sua parte de marketing para a compra de determinados Deputados.

    O primeiro laboratório de Lawfare(perseguição jurídica para assassinato de reputações) retirou da possibilidade sucessória do partido dos Trabalhadores, o maior cérebro na luta contra a Ditadura, desde a década de 60, o mineiro Jose Dirceu, então presidente da Casa Civil do Brasil, o segundo posto mais alto do comando executivo, atrás apenas do presidente.

    O Julgamento de tais ações acontece só em 2012, já na metade final do primeiro mandato de Dilma. Lula tinha saído do governo em dezembro de 2009, dando lugar a sua sucessora Dilma Rousseaf com 87% de aprovação da população, pelos incontáveis feitos à pratica Social, criando 18 universidades Federais, levando de mais de 3.000 estudantes universitários para mais de 8.000, realizando o sonho de milhões de empregadas domésticas e pedreiros que pela primeira vez na vida de suas famílias formavam um filho médico, engenheiro ou advogado; fazendo a transposição do Rio São Fransisco levando água para milhões de brasileiros do Nordeste brasileiro que há décadas viviam com a seca e com a escassez; fazendo o maior e mais amplo projeto de casas populares; levando luz para todos; levando dente na boca dos banguelas, sonho no coração dos pobres e trabalho nas mãos das famílias.

    Ainda em 2013, mais precisamente em junho, começaram manifestações de rua na cidade de São Paulo, chamado “não é só por 0,20 centavos” relativos o aumento das passagens de ônibus na capital paulista. Foi o primeiro grande ato de interferência da Direita, que nunca ganhou as ruas, dentro de pautas esquerdistas, financiando partidos e “atores” um tanto neutros, de possibilitar pautas confusas que levaram milhões de brasileiros às ruas, pra exigir o que ninguém sabia ao certo. Foram atos preparados pra ir minando a tentativa de sucessão de Dilma Rousseaf.

    Em 2014 então, a guerra dos meios de comunicação foram pra incentivar a população a reivindicar problemas sociais num “modelo FIFA” relativo aos estádios que estavam sendo construídos pra Copa do Mundo, mesmo assim, numa eleição apertadíssima Dilma vence seu adversário Aécio Neves, ex-governador do Estado de Minas, por pouquíssima vantagem.

    Ato contínuo sua posse em segundo mandato, o perdedor das eleições, alega fraude na Urnas. Dali pra frente, o Brasil mergulhou num Esgoto de uma Frente Ampla. Só que frente ampla feita pela Direita, de sinal trocado, de classe média concursada em Funcionalismo Público de altos salários mas que detesta pobre e ama ser lacaia da Classe Dominante. Grandes Corporações de Classes, as Forças Armadas e principalmente, o grande incentivador e fomentador disso tudo: As Igrejas Neo-Penteconstais.

    Em 2014, começa no Brasil, uma Operação feita pelo Ministério Público Federal, chamada Operação Lavajato, com o apoio interminável dos grandes veículos nacionais de comunicação, a operação baseada na operação jurídico-politica italiana “Mani Pulitti”, tem seus protagonistas Sergio Moro, ex-juiz da Vara que concentrava todos os processos relativos a supostos desvios da Petrobrás, a maior empresa brasileira, com maioridade acionária do Estado, para levar à cadeia dezenas de pessoas, tudo com mais alto requinte de processos de exceção, sem garantias de Defesa e rasgando a Constituição Federal e do lado parceiro Deltan Dallagnol, o procurador chefe da Operação que trabalhava junto com o juiz da causa.( www.museudalavajato.com.br ) Tudo isso fica revelado pela Vaza-Jato, série de reportagens da Intercept Brasil. (https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/)

    O LAwfare atinge seu Estado máximo, através de Delações Premiadas, das quais só eram válidas as que citassem o Presidente Lula, de vazamentos ilegais de informações, de grampos e espionagem em escritórios de advocacia e de arroubos de Classe Média invadindo as ruas com a camisa da seleção brasileira, gritando “ Chega de Corrupção” o Brasil afunda-se num oceano degradante de mentiras, falácias e um ufanismo patético e canalha que vem a gerar a semente do grande ódio.

    Na eleição de 2018, com Dilma Rousseaf retirada do cargo de presidente da República num óbvio golpe das elites, num grande acordo nacional entre a classe dominante e depois de uma prisão completamente ilegal e criminosa que deixou preso por 580 dias, ou 1 ano e 7 meses, o maior brasileiro vivo e que caminha para ser o maior brasileiro da história: Luís Inácio Lula da Silva, o Brasil enverga sua espinha pra Ultra-Direita e nasce o mostro Bolsonaro.

    Obedecendo a cartilha trumpista e de seu criador Steve Bannon, uma disseminação em massa de desinformação assola o país. As famosas Fake-News ganham a casa das famílias brasileiras e  a Democracia no Brasil vira uma disputa entre aqueles que ainda acreditam numa Democracia Progressista e uma seita cega e odienta.

    Depois de solto da prisão, Luís Inácio Lula da Silva reconquista seus direitos políticos numa decisão da Suprema Corte Brasileira que declara o ex-juiz Sergio Moro que aliás ( largou a carreira de 22 anos como magistrado pra servir ao Governo Bolsonaro, aquele que ele mesmo ajudou a existir e ocupou o cargo de ministro de justiça) suspeito e incompetente em todos seus processos.

    Lula volta ao tabuleiro de xadrez e em grandes costuras políticas, vai trazendo seus históricos adversários de centro-direita pra seu bojo. Avança na candidatura do seu nome e vai ganhando aliados Brasil à fora. Enquanto isso, o Governo Federal, metralhado por denúncias e escândalos de toda natureza vai implementando um clima de guerra, principalmente na liberação total de compra de armas pela população, envolvendo o crime organizado e a policias.

    O Brasil virou um grande filme de faroeste, onde o maior partido de Esquerda da América Latina atravessou o rio mais caudaloso de inverdades e ataques e agora está chegando do outro lado limpo e com 6 milhões de votos de vantagem no primeiro turno das eleições pra grande disputa de 30 de outubro. Onde será decidido que país queremos, o da escuridão das salas de tortura, ou da claridade das portas da esperança. A luta de classes entre ricos e pobres nunca foi tão nítida. 33 milhões de brasileiros estão no estado de miséria e passam fome, enquanto 126 milhões tem problemas de insegurança alimentar. Só os batalhadores brasileiros vencerão esses anos de chumbo. Com raça e coragem nas ruas, esperança na cabeça, Lula no coração e 13, o número do PT, nas urnas.

    Que venham os dias de glória, antes que o Brasil acabe numa Guantánamo de proporções gigantescas.

     

  • A revolução da saúde como promotora do fim da “guerra contra as drogas”?

    Por: Rodrigo G. M. Silvestre

    Fonte da Imagem: https://ideiasradicais.com.br/a-historia-mostra-que-a-guerra-as-drogas-falhou/

    O Presidente Joe Biden anunciou, no dia 06 de Outubro de 2020, um perdão a todas as pessoas que estejam privadas de liberdade e processadas por simples porte de maconha na esfera federal. Essa é uma aparente conquista do campo progressista, com um passo na direção a descriminalização federal da substância.

    Os Estados Unidos tem diversos estados que já legislaram sobre o uso recreativo e de saúde dos produtos derivados de Cannabis sp., mas a legislação federal ainda guarda um regramento bastante rigoroso com relação a esses produtos. Classificam ainda como substância Classe 1, como a heroína, que não tem utilidade terapêutica e usos em saúde. Esse foi um dos pontos solicitados na fala do Presidente Biden, que os órgãos de regulação reavaliem a classificação dos produtos de Cannabis sp. para reconhecer sua utilização na indústria de saúde.

    Para os latino-americanos, o que significa essa manifestação progressista do Presidente do EUA? Porque do ponto de vista prático a medida atingiu cerca de 6.500 pessoas que se enquadram na proposta de perdão, bem como nenhuma pessoa que efetivamente está privada de liberdade no país e será atingida pelo perdão presidencial.

    Essa é então uma ação mais de sinalização que de efeito real. A guerra às drogas, que a décadas é a política determinante nos Estados Unidos, tem profunda reflexão nos países latino-americanos. A imposição do combate a indústria de drogas, nos Estados Unidos, não era proporcionalmente severa para habitantes do território dos EUA como é para os habitantes dos territórios produtores de drogas, como Colômbia e Bolívia. Será então que o posicionamento do presidente americano é uma sinalização para o arrefecimento dessa política?

    O que ocorre mais recentemente é que a indústria de saúde tem trabalhado fortemente com a introdução de produtos à base de Cannabis sp. e isso tem levado a um questionamento sobre a utilidade da manutenção da atual regulação. Os empreendimentos baseados em produtos de Cannabis sp. por exemplo, tem sérios problemas para utilizar o sistema financeiro federal no EUA, pois a legislação entende que os lucros obtidos nessa atividade precisam ser enquadrados dentro da lei antidrogas.

    Pode-se então concluir que a motivação para a atual postura seja mais para sensibilizar os eleitores jovens com relação aos candidatos democratas nas eleições legislativas que se aproximam nos EUA. Somada a uma motivação tipicamente americana, que é promoção e facilitação da atividade empresarial, especialmente com capacidade para dominar mercados externos a partir do posicionamento do governo federal americano. Bem menos, portanto, pela sinalização de uma postura menos controladora dos EUA em relação aos países latino-americanos.

    O Brasil tem também flertado com a essa mudança progressista induzida pela indústria de saúde. O tamanho da população a ser atendida por esse tipo de produtos tem criado crescente interesse na regulamentação da atividade no país e também pela aquisição centralizada pelo SUS.

    Especialmente duas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentam atualmente a utilização dos produtos derivados de Cannabis sp. no país (RDC Anvisa n.º 327/2019 resolução e RDC nº 335, de 24 de janeiro de 2020). Também existem nas casas legislativas projetos como o PL 399/2015 na Câmara do Deputados e o PL 4776/2019 no Senado Federal. Todas essas regulamentações tem em comum o atendimento aos interesses crescentes da indústria de saúde na oferta desse tipo de produto.

    Todas essas evoluções no campo da saúde têm colocado em xeque o enquadramento dos produtos derivados de Cannabis sp. com não tendo utilidade terapêutica, portanto, minando fortemente os argumentos apresentados ao longo de anos sobre o “terrível efeito” do consumo de substâncias como CBD e THC.

    Em paralelo a essa evolução na área de saúde, o Brasil realizou alterações progressistas em sua legislação. Por exemplo, é possível relembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a autoridade policial pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e requisitar exames e perícias em caso de flagrante de uso ou posse de entorpecentes para consumo próprio. Ou seja, que na presença de pequena quantidade de drogas, o usuário, ao ser levado a delegacia pode receber a opção pelo TCO ao invés de ser processado criminalmente.

    Esse é um ponto fundamental, pois a discricionariedade do ato de opção pelo TCO é fortemente influenciada pelos preconceitos e estereótipos sociais. Sendo necessário dizer que a população periférica, preta, parda e pobre é objetivamente mais penalizada por escolhas da autoridade policial. Esse mesmo viés é reconhecido na declaração do Presidente Biden, pois afeta de maneira semelhante a população norte americana.

    O Brasil também observa ansiosamente os desfechos do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tentou pela última vez retomar, em 06 de novembro de 2019, a análise do Recurso Extraordinário nº 635.659, que propõe a descriminalização do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006. Com três ministros já tendo realizado seu voto, especialmente o relator, que recomenda a substituição das medidas privativas de liberdade para sanções na esfera administrativa. Muito ainda falta para a conclusão do processo e também para saber como as medidas efetivamente irão impactar as pessoas no país.

    Cada vez mais a sociedade caminha para tratar as questões das drogas como problemas de saúde pública e não de segurança pública. Isso terá impactos relevantes na forma como lidamos com o encarceramento no país, em especial dos contingentes que são colocados à margem do sistema capitalista hegemônico. Mas a velocidade como que as medidas chegam efetivamente a impactar a vida das pessoas latino-americanas, parecem ainda aquém de qualquer nível satisfatório. Não é plausível que o interesse público tenha que ser sempre rebocado pela livre iniciativa para romper as barreiras de pensamentos, regulações e legislações.