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Categoria: Volume I * nº. 2 * Outubro de 2021
Edição de Outubro de 2021 do Jornal América Profunda
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A LUTA DE CLASSES EM TEMPOS PANDÊMICOS E O PANDEMÔNIO BRASILEIRO
Por: Thaís Pagano
A pandemia de Covid-19, cujo nome é SARS-2, ou seja, “Síndrome Respiratória Aguda Grave – 2”, indica não ser algo novo ou sem precedentes, já que é a segunda do seu gênero neste século. Em 2003 a SARS 1 foi chamada de “a primeira doença desconhecida do século XXI”. Sendo assim, é possível realizar uma crítica à ausência de investigação da SARS 1 por parte dos governantes, o que poderia ter permitido a previsão do Coronavírus – COVID 19, bem como a disponibilidade de efetivos instrumentos para seu combate por parte da medicina.
O contexto da pandemia evidencia em escala mundial, a debilidade da lógica neoliberal, que busca transferir aos sujeitos a responsabilidade de encontrar saídas para atender suas próprias demandas. Os indivíduos são culpabilizados por sua condição de vulnerabilidade e têm suas relações regidas pela economia de mercado. Nessa perspectiva, o Estado deixa de garantir o atendimento às necessidades da população e a oferta de meios de subsistência, assumindo políticas focalizadas e seletivas, legitimando relações clientelistas. Observa-se o agravamento da desigualdade social, a banalização da vida humana, consolidando assim o papel do Estado como “mínimo para o social e máximo para o capital”. As privatizações fortalecem a retração do Estado e marcam um cenário de mercantilização e regressão de direitos, sustentado no produtivismo capitalista, que degrada todos os horizontes da vida social, como a poluição das águas e ar, desmatamentos, precarização dos alimentos. O capital modifica as condições ambientais para sua própria reprodução.
Nota-se um vírus ideológico desencadeado pelo Coronavírus, que envolve notícias falsas, teorias de conspiração, paranoias, racismo e xenofobia. As várias formas de enfrentamento à pandemia atual, mostram o retorno a recursos medievais como misticismos, pessimismo apocalíptico, fábulas, orações, profecias e fantasias como maldição. Essas questões sinalizam à necessidade de resgatar o método cartesiano e intensificar a valorização à ciência. A ineficiência global no trato com a saúde populacional está evidenciada especialmente no equívoco das medicalizações, na indisciplina quanto à produção de vacinas necessárias, na incapacidade quanto à administração de recursos e na oferta de medidas de proteção, o que provoca inevitavelmente o agravamento da situação. Uma vez que a saúde é um bem público, o estado de saúde de cada indivíduo depende da saúde do corpo social, que deve atuar por meio das instituições políticas e sociais. A restrição da liberdade de circulação é o reconhecimento de que a saúde é um bem público, porém a perversidade do sistema hegemônico não possui uma efetiva rede de proteção contra a contaminação e seus desdobramentos.
A complexidade de uma epidemia está na articulação entre determinações naturais e sociais, de análise transversal, sendo preciso compreender os pontos em que as duas determinações se cruzam, por meio da rigorosidade dos estudos científicos. São inegáveis a luta pela liderança econômica mundial entre EUA e China, a ascensão do capitalismo chinês e sua intensa presença no mercado local e global. Na China é possível observar a ligação entre uma confluência entre a natureza e a sociedade que segue costumes mais rudimentares de higiene, por um lado, e uma difusão planetária deste ponto de origem transportado pelo mercado mundial capitalista e a sua dependência de mudança incessante, por outro. A pandemia é transversal e de rápida mobilidade, e é pela espécie humana que o percurso natural do vírus de uma espécie transita para outra.
Vivemos em estado permanente de crise, uma vez que o capitalismo é pandêmico. O neoliberalismo, versão dominante do capital, é o causador do colapso social. O objetivo é não resolver a crise, pois isso exige a destruição do capitalismo. A pandemia desnuda o sistema do capital, não sendo ela um fenômeno natural, mas sim decorrente das relações sociais estabelecidas pelo capitalismo, cujo sistema é destrutivo, metabólico de funcionamento em que as partes que o constituem e o todo objetivam a valorização e o acúmulo da riqueza de forma privada. Isso mostra a virulência em seu sentido precarizante e destrutivo. O caráter parasitário do capital reside na paralisação da produção pela classe trabalhadora, já que sem o trabalho o capital não se valoriza e, por isso, não sobrevive. O arsenal tecnológico não cria riqueza, mas a potencializa com sua maquinaria industrial e assim depaupera a classe trabalhadora. A economia e sua produção em massa de objetos manufaturados estão sob a égide do mercado mundial, havendo grande rivalidade entre os centros imperialistas. Estados nacionais enfrentam a epidemia com o objetivo de salvar o capitalismo, ou seja, manter a ordem hegemônica, por meio do mecanismo da exclusão de qualquer reflexão crítica que conduza ao enfraquecimento do grande capital. A epidemia torna flagrante a contradição entre economia e política, aprofunda o enfraquecimento do sistema de saúde por parte do Estado e a conjuntura o obriga a gerir a situação, priorizando os interesses da burguesia. O funcionamento do mercado mundial teve redução do crescimento econômico, o que aponta para a necessidade de uma reorganização da economia global para que não se fique mais à mercê dos mecanismos de mercado.Quanto ao Brasil, considerando as características daquele que ocupa a cadeira presidencial – o pandemônio, o enfretamento à pandemia tem se mostrado desastroso desde o princípio. O presidente da república, que já incialmente minimizou os riscos do coronavírus, de maneira incessante repudia as orientações da Organização Mundial da Saúde, contraria as medidas sanitárias, desrespeita a dor dos enlutados, menospreza o estado de saúde das pessoas infectadas pelo vírus ao imitá-las com falta de ar, desincentiva a vacinação, promove confronto político com governadores, espalha notícias falsas, estimula o uso de medicamentos com ineficácia comprovada cientificamente (Kit COVID), nega a compra de vacina da Pfizer, permite o vencimento de teste de covid 19, sem contar a vergonha mundial em seu discurso enganoso na Assembleia Geral da ONU.
Muitos pronunciamentos marcaram seu trajeto na condução pandêmica do país: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.”; “Tudo agora é pandemia, tem que acabar com esse negócio, pô. Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas.”; “Isso vai ser uma gripezinha ou nada.”; “Eu não sou coveiro!”;”Se você virar um jacaré, é problema seu. Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles (Pfizer) não têm nada a ver com isso.” “Esse vírus trouxe uma certa histeria. Tem alguns governadores, no meu entender, eu posso até estar errado, mas estão tomando medidas que vão prejudicar muito a nossa economia”; ” (com menos de 100 mortes); “Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus.” (com 1.200 mortes). Não à toa é classificado como genocida por quem tem o mínimo de apreço à dignidade humana.
É possível extrair conhecimento tanto de situações de crise quanto daquelas consideradas dentro da “normalidade”. A epidemia evidencia a necessidade de uma mudança radical, global e urgente. O sistema capitalista é perverso, mata mas precisa preservar vidas, afinal quem irá produzir e consumir? Essa experiência mostra que o vírus é democrático por não fazer distinção, porém é essencial frisar que todos estão na mesma tempestade, mas não no mesmo barco. As embarcações são completamente diferentes. É possível que a pandemia nos faça refletir sobre união e solidariedade, sem que tenhamos um percurso de construção de uma sociedade de fato justa e igualitária? Sabe-se que existem outras catástrofes em curso, decorrentes da ininterrupta interferência do homem na natureza: seca, calor, tempestades, que exigem coordenação global eficiente.
Que saibamos construir novas figuras políticas, realizar rigorosa crítica, elaborar novas narrativas sobre a saúde pública, educação, ciência e de fato fundar uma nova política. É preciso uma mudança radical, uma organização global que possa regular e controlar a economia, constituir uma sociedade alternativa, para além do Estado-Nação, baseada na solidariedade e cooperação global, reconhecer efeitos potencialmente benéficos da pandemia para rever nossas prioridades e construir alternativas para a criação de outras formas de sociabilidade. O coronavírus também pode induzir-nos a pensar em alternativas à nossa obsessão por veículos individuais. Só se pode salvar liberdades através de mudanças radicais num capitalismo global que se aproxima do seu próprio colapso. É de singular importância alimentarmos nossa resistência por meio de espaços de discussão e produção de conhecimento. O debate político deve ser coletivo, para além das pautas identitárias, priorizando no momento aquilo que nos iguala que é a preservação da vida.
É urgente o fortalecimento do SUS como política pública, universal e gratuita, sendo garantido seu efetivo investimento, com medidas que considerem a saúde como atribuição dos poderes públicos. É nosso dever enquanto sociedade civil pressionar os governantes a assumirem a responsabilidade pelo atendimento à saúde da população. As políticas públicas como saúde e educação devem agir de forma integrada. Para que a solidariedade vivenciada na pandemia não seja transitória, é preciso repensar nosso universo da cultura, visando uma real transformação social.
O vírus tem a capacidade de abalar todas as certezas. A aptidão de adaptação se altera fortemente com a pandemia, exigindo mudanças drásticas. Incorporamos que não há uma alternativa de existência além daquela imposta pela ideologia do capitalismo. Absorvemos e reproduzimos seus valores, garantindo assim a reprodução da vida social nos moldes do poder hegemônico, por sermos moldados e adestrados ao longo da vida. Porém, a crise também nos mostra que uma outra vida é possível, sem consumismo e desperdício, priorizando aspectos muitas vezes ignorados pela alienação da vida cotidiana. É preciso coletivamente discutir e construir alternativas, incorporando isso em nossa cultura. O sentimento de solidariedade não simplesmente surgirá em nossas relações, ele demanda exercício de construção paulatina. A democracia precisa de capacidade política para responder às emergências, por meio da busca de soluções na democracia participativa nos bairros e comunidades com educação voltada à solidariedade e cooperação.
Aqui no Brasil temos um duplo desafio: derrotar o vírus e o verme messias. São necessárias toneladas de ivermectina para combater o pandemônio do bolsonarismo e varrer da nossa história o fascismo que assola a população brasileira e que representa uma severa ameaça global. Povo na rua, vacina no braço e comida no prato!
As reflexões aqui apresentadas foram inspiradas no material intitulado Coronavírus e a Luta de Classes, lançado pela Editora Terra Sem Amos, em 2020, que reúne textos de Mike Davis, David Harvey, Alain Bihr, Raúl Zibechi, Alain Badiou e Slavoj Žižek.
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Des-controladas.
Por: Ana Flávia Bassetti
“descontrolada! a senhora está totalmente descontrolada. linda, não precisava nem abrir a boca. outro aborto que aconteceu na história brasileira. burra. se encontro na rua, soco até ser preso. toda poderosa. histérica! ela é louca. raciocina brilhantemente como homem. bruxa! você é secretária de qual secretário? prostituta! porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece. nojenta. deviam ganhar menos. as mulheres têm mais sensibilidade para as questões sociais e vão ocupar cargos na área de assistência social. mocinha, se inscreve no Big Brother, põe um silicone e tenta algo na TV ou na indústria pornô. os homens recorrem à violência porque se sentem intimidados e não aceitam que as mulheres, no geral, são mais fortes e melhores. abortista! as mulheres têm uma natural propensão para as atividades das artes, da cultura, do lazer onde, gerando emprego, elas podem ter renda e melhorar sua condição de vida. é assim que nós vamos fazer a política da mulher. agressiva! quer dar furo. arrogante! se eleita, quem administrará a cidade não será ela, mas seu marido. quem você quer provocar com esse batom vermelho? você é casada? elas não fazem questão de estar na CPI. você é muito burra, meu Deus, como pode. meu anjo, cala a boca! está nervosa. anticristã! se foi um erro das lideranças não indicarem as mulheres, a culpa não é nossa. rude. acho que as mulheres já foram mais respeitadas e mais indignadas, né? não precisa ficar aí gritando. calma, não precisa ficar nervosa. tu é patricinha mimada, poderia estar comprando bolsa no shopping. se você está com essa agenda tão cheia assim, com filho pequeno, etc. como quer ser prefeita? você tem tesão em mim? você quer ser homem? vou te tratar como homem. é mulher, tem que falar mesmo. está querendo aparecer. política não é muito da mulher. quem é essa cachorrinha? essa menininha vai para a cozinha lavar louça. safada! mulher agressiva e arrogante. doida! despreparada. descontrolada!”
São todas citações de falas recentes de homens sobre mulheres ou a elas dirigidas em espaços políticos brasileiros.
Interrompidas. Descredibilizadas. Ignoradas. Desautorizadas. Silenciadas. Questionadas. Abafadas. Silenciadas. Menosprezadas. Assediadas. Violentadas. Atacadas por serem mulheres.
Ora, o machismo e a misoginia tiveram papel de destaque no impeachment da Presidente Dilma, no ambiente político formal e fora dele. A violência política de gênero é largamente usada pelos homens como ferramenta de poder. Olha que ainda ocupamos pouquíssimo espaço! E quanto mais avançamos, mais esta violência tende a se intensificar.
Bom, que guardem saliva! Nada, absolutamente nada, indica que recuaremos ou nos calaremos.
“Minha palavra é de mulher, mas vale. Não é só palavra de homem que vale, não.” Marielle Franco
Imagem: Leolinda Daltro, baiana, professora, defensora da educação laica nos povos indígenas. Era, claro, também hostilizada: chamavam-na “mulher do diabo”. Criou o primeiro partido político feminista do Brasil, o Partido Republicano Feminino, em 1910. As mulheres só puderam participar oficialmente da vida política brasileira, votando e sendo votadas, em 1932.
