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Categoria: Volume II * nº. 6 * Abril de 2022
Edição de Junho de 2022 do Jornal América Profunda
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A necessidade de resgate dos empreendedores e empreendedoras do Brasil
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
O Brasil possuí cada vez mais pessoas que precisam empreender para sobreviver. Essa massa de pessoas não encontrará no curto prazo postos de trabalho formais, aqueles que garantam sua dignidade e inserção social satisfatória. Por essa razão é fundamental que os diálogos da esquerda possam atualizar os discursos para contemplar esse enorme contingente de cidadãos.
As práticas de apoio do Estado à atividade empreendedora tem focado quase que exclusivamente no empreendedorismos tecnológico inovador. São moldadas por uma falsa percepção de que há espaço para todos e todas na economia capitalista competitiva. Nesse caso, bastaria uma boa ideia e muita competência para que o resultado seja produzido. É a ideia da meritocracia neoliberal, onde o homem sozinho pode vencer o sistema e, independente de sua classe ou posição social, galgar as benesses da livre concorrência.
Sabemos hoje, que esse tipo de visão é excludente e que apenas mascara os privilégios dos empreendimentos que são feitos pela própria elite detentora do capital. Não é provável que as oportunidades sejam aproveitas da mesma forma, dado os diferentes contextos onde elas surgem. É preciso uma intervenção do Estado, não apenas para dirimir as imperfeições do mercado, mas para liderar o processo de mudança social. Marina Mazzucato chama isso de Estado Empreendedor.
Para o Brasil, que é um país empreendedor por natureza, não há Estado mais apropriado do que aquele que direciona a atividade econômica com base nas necessidades reais e objetivas de sua população. Em linha com esse argumento a pergunta do correspondente do jornal América Profunda foi feita ao pensador Emir Sader sobre qual o desafio de incluir no discurso da esquerda o grupo de empreendedores e empreenderas brasileiros.
O evento foi promovido pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PARANÁ (APP Sindicato) e pode ser revisto na integra no portal da entidade. Aqui colocamos o recorte com a pergunta e a resposta feita pela participação do Jornal América Profunda para provocar a reflexão.
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Amores líquidos e algoritmos. Sobre quebrar o coração e os mecanismos (in)sensíveis de venda das redes.
Por: Ana Flávia Bassetti

No final do ano passado perdi, inesperadamente, dois clientes que pagavam mais da metade do meu salário. No mesmo dia, recebi uma compra feita pela internet: um maiô e uma blusa num total de R$489 que resultaria em, no máximo, vinte minutos de satisfação dos meus desejos. Olhei para aquilo e vi que era um absurdo. Além de não fazer parte da minha realidade, eu precisava de fato daquelas coisas? Foi quando estabeleci o seguinte propósito para o ano que chegava: não compraria nada de absolutamente supérfluo. Com um sorriso de satisfação de canto de boca, pensei: “o que esse algoritmo sacaninha vai me oferecer agora? Hein, hein, hein?”. Claro que eu não tenho interesses estritamente supérfluos, mas eles são os que mais rendem para a máquina, certo? Bom, desde então ele tentou várias coisas, mas sem muito foco. Me oferecia de seguro para cachorro até curso de psicanálise. Sim, eles estão nos escutando e metrificando o tempo todo, mas acho que a minha vida andava mesmo mais eclética e aleatória.Foi quando, no começo de maio, me apaixonei. Perdidamente. Dessas coisas que, em pouquíssimo tempo, você tem certeza que é pra sempre porque você quer que seja. Você quer tanto que dê certo porque você quer tanto, que você quer logo que a pessoa venha com as merdas todas dela e quer ir com todas as suas e vamos resolver juntos e ser felizes para sempre! Há um mês me encontrava apaixonada. Feliz. Realizada. Satisfeita. Claro que nem tudo são flores, mas estava mais crente na vida do que nunca na vida e, consequentemente, menos consumista do que nunca.
Então, sabe o que o fucking algoritmo fez? Ele não me deixou esquecer em nenhum momento do que eu poderia perder. Como seria ruim se eu perdesse. E, claro, o que fazer para não perder. E ele nem precisava! Como boa ansiosa depressiva, eu sabia que, a qualquer momento, poderia cavar minha ruína sozinha (ou não, vai saber…). Mas acho que ele ajudou. Ah! Ajudou! Até comentei com meu namorado na época (engraçado usar “na época” para um mês atrás, Bauman explica?) sobre os conteúdos patrocinados que começaram a aparecer na minha timeline (ainda é timeline que fala?). Coisas como “faça ele sonhar todos os dias com você”, “como segurar um homem”, “descubra se ele te ama de verdade em 10 passos”, “10 posições para fazer na cama e esquentar as coisas”, “baixe agora o app e descubra se você está sendo traída”…dessas para pior…
E eu, mesmo que a carcaça diga muitas vezes o contrário, nunca fui lá muito segura. Alguém é?
E também, neste exato momento, estou na fase de procurar culpados. Peço que não me julgue.
Depois de um mês de êxtase e alegria, havíamos nos desencontrado e, exatamente no dia 04 de junho, como em muitas outras tantas vezes na minha vida, saí decidida a provar para o mundo que era melhor sozinha, sem sucesso. Não que eu não seja boa sozinha, mas quando tento provar saibam que a merda está feita. Saibam não, saiba de uma vez por todas você, Ana Flávia! Bom, fato é que levei um golpe emocional seguido de um golpe financeiro: caí naquele da troca de cartões de banco, sabe? Eu, muito inocente e pseudo alegre saindo da festa e ainda ouvindo na minha mente inquieta resquícios de “juro que não vai doer se um dia roubar o seu anel de brilhante, afinal de contas dei meu coração e você pôs na estante…. aí de mim que sou romântica”, fui comprar mais uma cerveja desnecessária de um ambulante e bum!, já era. Muito dinheiro pelo ralo. E mesmo depois de, enfim, ter uma parte recuperada (do dinheiro, não dá dignidade) e de conversas com amigos na tentativa de entendimento de que o dinheiro, como os homens, vem e vai e que esses casos têm a ver, de alguma forma, com a desigualdade social que nos assola, ainda me sinto uma merda.
Hoje, quase cicatrizada depois de uma semana me refastelando em lágrimas pelos golpes tomados, ouvindo música caipira para ter um pouquinho mais de fé no mundo e tentando sentir um cheiro de mato no bouquet do vinho barato (para quem?) do mercado, eis que o algoritmo vem me aterrorizar novamente. Calma, não me julgue tão cedo. Sim, uma semana é pouco, mas as coisas têm sido assim né? Tem um autor do qual eu gostava mas que agora vai na Fátima Bernardes e que eu não gosto mais por isso – porque tem esse meu lado escroto e pseudo intelectual que desmerece as coisas que, de alguma forma, se adaptam a este mundo escroto e funcional – que diz que a conta que a gente paga ao finalizar um relacionamento é de 10%. Nada a ver com a música sertaneja. Segundo ele, ao final de cada história a gente tem uma conta de 10% do tempo que ela durou para pagar em dor de cotovelo. Ou seja, se você ficou com alguém durante um mês, vai sofrer por três dias. Acho bom pensar assim. E estava aqui tentando me convencer disso, já que já se passaram sete dias. E nessa, tentando me convencer a seguir em frente, tenho ainda que lidar com o algoritmo me dizendo como trazer ele de volta em dez dias, como dar um chá de sumiço para ele correr atrás (tem e-book deste, inclusive), qual a mensagem exata que eu devo mandar para que ele se re-apaixone. Mas, ao que parece, este é só o começo. A coisa tá bem desenvolvida. Quando comecei a denunciar esses posts patrocinados como fraudulentos, começaram a aparecer coisas mais, poderia dizer, “elaboradas”, como por exemplo sobre como o chá de sumiço não funciona porque, afinal, “você quer que ele fique pelos motivos certos, certo?”. É quase como uma dialética sangrenta de venda que usa dessa nossa tão atual dificuldade de lidar com as frustrações da vida e da consequente busca por respostas prontas para coisas para as quais não há. O amor existe. Ele é bom. E ele, muitas vezes, dói. Não existem respostas fora. Não existem! Será que, nem no momento desta dor mais genuína, não podemos não comprar nada?
Uma voz de alento de uma cara amiga vinda pelo direct (ah! como amo paradoxos) diz que as pessoas só fazem com a gente o que permitimos. E eu, com um tanto de fé em mim e na humanidade, adiciono que os algoritmos também
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Rediscutindo o Empreendedorismo na Esquerda
Por: Rodrigo G. M. Silvestre
O Brasil possuí uma massa de milhões de pessoas desempregadas e um enorme contingente indivíduos que desenvolvem alguma atividade empreendedora para cobrir suas necessidades cotidianas. De acordo com o relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2021, realizado pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP) o Brasil tem 43 milhões de empreendedores, volume que compreende os que já têm um negócio formalizado ou, no último ano, realizaram alguma ação com intenção de ter um empreendimento no futuro. Dentre esses, cerca da metade são empreendedores por necessidade.Nesse sentido, é preciso vencer os velhos paradigmas da esquerda no Brasil que tem verdadeira dificuldade de lidar com essa população. Apresentando a visão de que a atividade empreendedora é a antítese da formação da identidade de classe entre os trabalhadores. Porém, não é concebível que esse contingente de 43 milhões de pessoas possam ingressar no mercado de trabalho nos atuais moldes da economia nacional. Desta maneira, a coexistência com a “classe” de empreendedores, especialmente os por necessidade, deve estar no cerne da discussão de qualquer governo popular, especialmente nos anos que se seguirão. Estes serão marcados por um cenário econômico hostil, com variáveis macroeconômicas deterioradas e forte pressão sobre o orçamento público.
Se por um lado empreendedorismo não forma uma unidade em torno do conceito de “classe trabalhadora”, por outro ele pode gerar uma unidade que abarque a noção de “consciência social”. Onde o desenvolvimento das atividades produção e comercialização de bens e serviços possam ser estabelecidas de maneira humanizada. Com um resgate dos valores sociais que estão em franca ameaça no contexto atual.
Essa consciência é necessária não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina, que precisa de uma integração e identidade coletiva cada vez mais forte. Sem ela o continente sul-americano corre o risco de ter suas condições sociais ainda mais degradadas, dada a dinâmica geopolítica que se desenhou, especialmente após a Guerra da Ucrânia, que sinaliza uma alteração dos centros de poder econômico mundial do eixo Estados Unidos e Europa, para um eixo que terá certamente a China e outros territórios da Ásia como entes relevantes.
Em todos os territórios latino-americanos, em especial no Brasil atual, os empreendedores seguem invisíveis perante o Estado. As ações de promoção do empreendedorismo tecnológico inovador, que são chamativas para o público em geral, não representam de fato o tipo de atividade que precisa de proteção. Não é o modelo do Vale do Silício que precisamos replicar em solos tupiniquins, mas um modelo pensado nas necessidades e limitações que são encontradas na realidade econômica brasileira e latino-americana.
