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Categoria: Caminhos para a revolução latino-americana
Coluna Caminhos para a revolução latino-americana. Editor responsável:
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A HISTÓRIA DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA
Republicado em parceria com: revista Avión Negro – revista de cultura politica Latino Americano
Primeira entrevista com Mario Oporto: Patria Grande, modelos de integração regional e processos sincrónicos na América Latina

Por: Cristina Angelini No título do seu livro* sobre o pensamento argentino sobre a América Latina, menciona Moreno e Perón, mas que outras figuras políticas e intelectuais colocaria num lugar de relevo durante o período que vai desde a independência até meados do século XX?
Antes de mais, seria muito interessante assinalar que a ideia da Pátria Grande, da unidade continental, da integração regional, não é uma moda, nem representa ideias do momento, mas faz parte de uma longa tradição argentina. Trata-se de um pensamento profundo deste lado do continente, uma grande contribuição que podemos dar.
Se pensarmos naquelas referências políticas e intelectuais que podemos destacar no período que vai desde a independência até meados do século XX, eu apontaria, antes de mais nada, para aquelas arengas do processo de emancipação. Porque não nos referimos apenas a pensadores ou escritores, mas também aqueles que construíram a ideia da integração latino-americana na prática política. A Proclamação Tiahuanaco de Juan José Castelli, toda a ideologia Artiguista, os projetos de unidade expressos no Congresso de Tucumán por Manuel Belgrano, as proclamações de José de San Martín ou o Manifesto de Martín Miguel de Güemes fazem parte de uma enorme tradição que eu gostaria de destacar.
Creio que o “Ensaio sobre a necessidade de uma federação geral entre os Estados hispano-americanos e o plano para a sua organização”, escrito por Bernardo de Monteagudo em 1824, escrito para o Congresso do Panamá, que Bolívar visionou como um congresso de unidade continental, é um dos destaques. Se eu tivesse de apontar um pioneiro intelectual no que seria um desenvolvimento orgânico da ideia de unidade latino-americana, pensaria em Bernardo de Monteagudo. Outro marco foi o diploma chileno Memoria sobre a conveniência e objeto de um Congresso General Americano, de Juan Bautista Alberdi, de 1844, que, juntamente com o de Monteagudo, me parece ser outro dos grandes trabalhos sistemáticos sobre a ideia de unidade. Também os harangues de Felipe Varela durante o conflito da chamada “Guerra da Tripla Aliança contra o Paraguai”, em defesa do Paraguai, os seus manifestos estão cheios de americanismo.
Destacaria, naturalmente, Manuel Ugarte, porque tem uma obra volumosa e uma visita permanente a todo o continente americano. Poderíamos destacar dessa obra El Porvenir de América Latina de 1910 e La Reconstrucción de Hispano América, outros dos seus grandes escritos. Gostaria de destacar Manuel Ugarte, mas também o americanismo neutralista de Hipólito Yrigoyen. A Reforma Universitária em Córdoba, aquele manifesto de a Juventude Argentina de Córdoba aos homens livres da América do Sul (La Juventud Argentina de Córdoba a los hombres libres de Sudamérica) de 18 de Julho é também outro documento a destacar.José Ingenieros e Alfredo Palacios foram também figuras relevantes no pensamento americano e, claro, FORJA (Fuerza de Orientación Radical de la Joven Argentina) onde Arturo Jauretche, Raul Scalabrini Ortiz se destacam, e onde há um imenso pensamento da Pátria Grande. Não se pode compreender o pensamento nacional se não se acreditar que a nação é muito mais do que os países que nasceram na fragmentação da América após a independência. Entre os escritores desse período, creio que a obra de Jorge Abelardo Ramos é muito significativa e que a sua Historia de la Nación Latinoamericana é notável. Além disso, Juan Domingo Perón é, sem dúvida, digno de menção. O “Discurso proferido a 11 de Novembro de 1953 no Colégio Nacional de Guerra”, penso eu, é um documento chave para compreender que o pensamento que se reduziu a esta extraordinária ideia de que o ano 2000 nos encontraria ou unidos ou dominados.
Diferencia-se entre pan-americanismo e latino-americanismo como dois paradigmas diferentes de integração. A doutrina de Wilson, a doutrina do quintal, e o funcionamento da OEA seriam exemplos deste primeiro paradigma. Quais seriam os exemplos, tanto no passado como no presente, do paradigma da integração latino-americana?
Sempre houve uma tensão e um dilema sobre como construir a unidade do continente. Esta unidade foi chamada por vários nomes: Hispanoamérica, Iberoamérica, Indoamérica, Panamerica, ou a ideia do Panamericanismo que incluía os Estados Unidos. É uma questão chave para resolver se a unidade do continente inclui o império que contém este continente ou se é o que acreditamos, a unidade daqueles povos herdeiros da coroa espanhola, da coroa portuguesa e também herdeiros de outras metrópoles estrangeiras que foram subordinadas, que fazem parte da periferia latino-americana, e que geram uma unidade original.
Esta unidade, que foi finalmente chamada América Latina, teve muitos exemplos de organização regional. Poderíamos destacar algumas delas, como o Mercado Comum do Sul, Mercosul, constituído em 1991 pelo Tratado de Assunção e originalmente constituído pela Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, com a adesão de outros membros com plenos direitos. A tentativa da Venezuela de aderir, a Cimeira de Brasília, e a assinatura do protocolo de adesão pela Bolívia. Este é um espaço que reúne 75% do Produto Interno Bruto da América do Sul. A Comunidade Andina foi outra expressão da busca da unidade, composta pela Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. É talvez o processo de integração mais antigo da região, uma vez que as suas experiências tiveram início em 1969, quando vários acordos de comércio livre estiveram verdadeiramente na vanguarda da integração.Houve outras tentativas importantes como a Comunidade das Caraíbas composta por quinze países, quase todos eles colónias inglesas e muitas de língua inglesa, onde vêem nesta ideia das Caraíbas, de comunidade, aquele sonho que Francisco Morazán teve no século XIX de unir a América Central. Isto é também algo que devemos destacar.
Depois, como grande órgão político, a União das Nações Sul-Americanas (UNASUR), nascida na Cimeira das Ilhas Margarita, na Venezuela, em 2007, como herança da Comunidade Sul-Americana de Nações, formada por doze países sul-americanos, é uma organização de concentração política com um total de 400 milhões de habitantes e uma área de mais de dezassete milhões de quilómetros quadrados. Se regressarmos à América Central, podemos pensar no Sistema de Integração Centro-Americana denominado SICA, estabelecido em 1991 em Tegucigalpa na Cimeira dos Presidentes da América Central. Um esforço imenso para integrar a região.
A ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da nossa América) foi outra tentativa de significado político, uma iniciativa promovida pela Venezuela para integrar os países da América Latina e das Caraíbas, baseada na solidariedade e na ideia de complementaridade das economias nacionais, proposta pelo Presidente Hugo Chaves, como alternativa à “Área de Livre Comércio das Américas” (ALCA) promovida pelos Estados Unidos; creio que esta foi outra experiência muito interessante na procura da integração.
A Comunidade dos Estados da América Latina e Caraíbas (CELAC) é outra das grandes tentativas, esforços e espaços de integração que procuram a coordenação política, a cooperação e a integração destes Estados. A CELAC, que foi criada em Dezembro de 2011 na Cimeira dos Estados da América Latina e Caraíbas realizada em Caracas, é outra das grandes instituições que nos faz pensar hoje numa possível unidade. Portanto, perante políticas como a OEA ou a ALCA, ou a Aliança para o Progresso, a busca da supremacia hegemónica dos Estados Unidos sobre a região e o continente, a América Latina e as Caraíbas sempre procuraram caminhos alternativos e independentes, para se considerarem como uma nova alternativa e procurarem diferentes ferramentas e diferentes mecanismos para as suas realidades, como as Caraíbas, o mundo andino, a Bacia do Prata, a Bacia Amazónica e as suas diferentes unidades.Na história da Nossa América há processos sincrónicos como, por exemplo, o primeiro impulso à independência, a ordem conservadora no final do século XIX, o primeiro processo de expansão democrática no início do século XX, os nacionalismos populares no pós-guerra, etc. Quais são, na sua opinião, as razões profundas deste sincronismo e quais são as suas consequências?
A história da Nossa América é, sem dúvida, caracterizada por processos sincrónicos simplesmente porque partem de uma base de unidade. Saliento três problemas que percorrem toda a história do nosso continente e que devem ser considerados como um todo. Um é o problema da desigualdade, que é uma questão de herança colonial, estrutural para a América Latina, aquilo a que poderíamos chamar a questão social. O outro é a questão nacional, a questão de romper com o colonialismo e ser capaz de construir alternativas independentes e autónomas, com as suas próprias decisões nacionais. Isto está ligado à questão da unidade, porque a herança colonial nos deu desigualdade, fragmentação e colonialidade. Portanto, para resolver os problemas das desigualdades estruturais na América Latina, ao longo do tempo e com características históricas diferentes, procurou-se a emancipação, e esta emancipação está directamente ligada à construção de uma sociedade mais justa. Se a sociedade perde tudo o que produz para os estrangeiros e não se emancipa a si própria, é muito difícil construir sociedades igualitárias. O grande dilema que sempre surgiu na América Latina foi se isto poderia ser feito sozinho em cada país, em que o continente se tornou fragmentado, balcanizado, ou se a opção era a unidade. Portanto, repito, há um triângulo entre a unidade, a questão social e a questão da emancipação nacional que marcharam juntos e marcharam juntos na independência, porque os exércitos lutaram juntos desde o início. O primeiro governante patriótico do Rio da Prata, que agora se chama Argentina, foi um boliviano de Potosí, Cornelio Saavedra. Por sua vez, um natural de Corrientes, José de San Martín, nascido no actual território do que agora chamamos Argentina, precedeu o Peru, e um venezuelano dos exércitos bolivianos, Sucre, governou a Bolívia. Assim, os exércitos lutavam juntos e os homens nascidos em todos os cantos da América do Sul misturaram-se ali e era um exército de sul-americanos que ia derrotar definitivamente os espanhóis em Ayacucho.
Dentro de dois anos, no dia 24, recordaremos o bicentenário dessa batalha que deu à América a sua independência definitiva. Nesta busca de unidade, o sincronismo é também uma contrapartida, porque existe um projecto fragmentário do que eram os Estados oligárquicos governados pelos proprietários das minas, da agricultura e da pecuária no final do século XIX. Mas houve também momentos sincronizados na luta pela democratização desta sociedade, os projectos a que chamaríamos reformista democrático, como o radicalismo argentino e chileno, ou a APRA peruana (Alianza Popular Revolucionaria Americana), ou o Batllismo uruguaio, ou as lutas anti-imperialistas como a de Sandino na Nicarágua ou a de Farabundo Martí em El Salvador, ou todos os processos que tentaram ir além da igualdade política e civil para procurar a igualdade social, da qual a revolução mexicana no início do século foi o paradigma. Há também uma longa história e uma longa luta pela terra e pela emancipação do povo indígena, pela revolução agrária que poderia ir de Artigas à revolução mexicana no século XIX e início do século XX. Isto será reproduzido novamente com os nacionalismos populares do pós-guerra, porque a experiência do peronismo na Argentina, como a do Varguismo no Brasil ou a de Cárdenas numa nova etapa da revolução mexicana, o demonstrará.
As profundas razões para este sincronismo são que existe um modelo oligárquico a que se opõe um governo popular. Como os projectos oligárquicos agiram em paralelo e ligados a restrições de representação política e inserção num mercado internacional que deu a este continente o lugar de produtor de algumas matérias-primas, houve sempre uma oposição que propunha a unidade à fragmentação, à desigualdade propôs sociedades com justiça social, à colonialidade propôs autonomia, emancipação e independência, ao modelo de monoprodução agromineral que propôs indústria, e aos projectos de repúblicas oligárquicas opôs-se à democracia, pelo que este sincronismo era inevitável. -
O MARX É POP
Willian Carneiro Bianeck
Aniversário de falecimento parece uma comemoração mórbida, mas não é incomum. Santos ganham festividades em suas mortes, ícones históricos viram feriados e filósofos são apenas lembrados por seus leitores que afirmam entenderem suas obras e para aficionados em citações duvidosas de internet. E tem pessoas como Marx, lembradas por detratores e entusiastas nas efemérides de sua despedida do mundo materialista que tanto lhe causou interesse.Não entendo muito bem sobre morte, porque é um assunto que evito. A ficção em seus mais variados gêneros adore especular razões concretas e etéreas que nos levam a partir deste para um outro plano ou apenas virarmos comida aos vermes que primeiro roerem as nossas frias carnes, para dar uma de pedante e botar uma referência machadiana por aqui. Afinal, textos sobre finais são todos parecidos e seguem o roteiro já esperado pelo leitor. Grandes histórias exigem finais poderosos, o que não foi o caso de Karl Marx, que foi acometido por doença e morreu na penúria, sem ter tido êxito quando vivo no seu intento de mudar o mundo. Seu projeto, contudo, não seria esquecido e solapado por sete palmos de terra.
A biografia do barbudo comunista confunde-se com sua própria obra. Não era conhecido muito por seu apreço aos grilhões acadêmicos, pois acreditava que a filosofia não poderia ficar restrita aos empoeirados gabinetes e bibliotecas universitários. Daí porque vivia em piquetes com seu fiel escudeiro Engels, lançando o seu “Manifesto do Partido Comunista” para tentar empoderar a classe proletária e demonstrar que outro sistema além do capitalismo é possível. A sua última tese sobre Feuerbach resume o mantra que carregou em suas trajetórias: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Das releituras leninistas e gramscianas, ao estruturalismo marxista de Althusser, as ideias marxistas continuam em voga, persistindo como uma pedra no sapato para o sistema capitalista. É muito difícil se encontrar qualquer análise séria sociológica sem levar em conta a importância dos ensinamentos da obra colossal “O Capital” e seus volumes; ainda que incompleta, o estrago que os estudos e escritos trouxeram sobreviveram até mesmo à ampla propaganda desprestigiosa dos principais meios de comunicação, empresários e até mesmo de intelectuais que não simpatizam com suas ideias.
“Um espectro assombra a Europa… O espectro do comunismo”: essa frase é vista como um mote para disseminar o medo de um mundo em que o capitalismo não se sustenta mais; na verdade, é uma mensagem para nos avisar que um outro mundo é possível e necessário, um mundo em que bilionários e suas sandices sejam apenas caricaturas históricas e a fome e a miséria partes de narrativas de terror que não estarão mais nas estatísticas contemporâneas.
Karl Marx hoje continua pop. Suas representações não se limitam a artigos acadêmicos ou livros enormes lidos somente por seus autores; passeiam na literatura, cinema e artes gerais. Há inclusive um passeio turístico em Londres chamado “Karl Marx The Walking Tour” que leva o turista de classe média às localidades preferidas do filósofo. Isso sem falar na sua própria imagem transformada em cédula de dinheiro na sua cidade natal, Trier, de zero euros: não valia nada de fato, mas era vendida à época por 3 euros. O fetiche pela mercadoria que se tornou a sua própria imagem.
Toda essa ladainha tem como conclusão o seguinte: Marx pode ter morrido no mundo materialista que tanto destrinchou, mas continua vivíssimo por meio das ideias e projetos que construiu e criticou. A morte do filósofo alemão não faz sentido, não para quem ainda segue seus preceitos. A data de hoje se presta mais para reavivar a sua atualidade e popularidade, para o bem ou mal. Para a parcela mais tacanha, Karl Marx representa tudo aquilo que não presta e deve ser combatido. Para os demais, é alguém que deve cada ver mais levado a sério, concordando ou não. Para Oswald de Andrade, era motivo para beber: ““ignorando o Manifesto Comunista e não querendo ser burguês, passei naturalmente a ser boêmio”. Para mim, trata-se de meu norte para seguir no meio de um mundo recheado de contrastes e gente bruta que ainda crê na barbárie como algo natural.
Willian Carneiro Bianeck é boêmio por opção, advogado por obrigação, péssimo literato em disfunção e sociólogo em eterna formação.
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A REVOLUÇÃO IN FLUX – ALVARO LINERA E O MARXISMO LATINO-AMERICANO
Por: Firmino

Foto: Joel Alvarez Seguindo a tradição de Mariategui, o boliviano Alvaro Linera é um dos mais instigantes pensadores marxistas da atualidade. Teórico e militante, aplica o marxismo à realidade latino-americana, especificamente à realidade boliviana, como o fez Lênin ao aplicar o método marxista à situação concreta da Rússia no séc. XX, seguindo à regra a tese de que a ciência de Marx não é um dogma mas um guia para a ação, Linera aponta como sujeito histórico do processo revolucionário em curso na Bolívia os povos indígenas, portanto, em grande parte, o campesinato, ao contrário do que predizia o marxismo dogmático, cujo sujeito histórico é o operariado. A diferença entre Lenin e Linera é que para aquele a incipiente mas combativa classe operária russa seria a vanguarda da revolução que despontava no horizonte; e o campesinato russo, 80% da população, mas politicamente despreparado, apesar do histórico de revoltas, era apenas um aliado tático da vanguarda proletária – como estava explícito no chamado à aliança operário-camponesa, no programa do Partido Bolchevique.
O processo revolucionário boliviano se inicia na resistência ao projeto neoliberal implantado em toda América Latina e de forma ainda mais cruel na Bolívia, com a privatização da água ( a guerra da água) no início deste século. Linera aponta cinco fases deste processo que avança de um republicanismo-proprietário até o atual republicanismo comunitário, conduzido pelo MAS de Evo Morales ( Linera foi vice-presidente da Bolivia no primeiro mandato de Evo). A primeira fase foi caracterizada pela resistência popular às políticas neoliberais implantadas desde Washington e com o apoio da classe dominante boliviana, com a mobilização de um poderoso bloco popular urbano-rural em torno do movimento camponês indígena, que trouxe à tona a crise do Estado, cuja dominação foi posta em questão com o consequente aparecimento das contradições históricas da dominação burguesa-colonialista no país ( Estado monocultural versus sociedade plurinacional) e as contradições de curta duração, como as nomeia Linera – nacionalização das riquezas naturais versus privatização.
Na segunda fase, acentua-se a crise de dominância burguesa-colonialista, os de cima não conseguiam governar e os debaixo começavam a articular e exigir formas de autogoverno. A disputa pela ordem estatal paralisou a reprodução da dominação – que Linera denominou de “empate catastrófico”. Essa situação perdurou de 2003 a 2008.

Foto: TELESUR A terceira fase foi caracterizada pela sublevação do povo. Os dominados passavam à ofensiva, quebrando o impasse e levando Evo Morales à presidência, dando início à quarta fase do processo revolucionário, ou o momento jacobino da revolução, em que as classes antagônicas se radicalizam e medem suas forças. Em 2008 acontece a tentativa de golpe pela classe dominante, com apoio do imperialismo americano. O povo derrota os golpistas graças a grande mobilização, ocupando estradas, assumindo o controle de fato das cidades e neutralizando as forças de repressão da burguesia-colonialista. Derrotado o golpe, o bloco popular índigena-camponês se consolida no aparelho de Estado. Tem início a quinta fase revolucionária que se prolonga até hoje com as nacionalizações e a divisão da renda nacional entre todos os bolivianos, com o controle econômico nas mãos do Estado e a grande burguesia sob controle democrático da população ( As classes dominantes, embora politicamente derrotadas, não perderam sua força nem o apoio foraneo e tentaram novamente um golpe de Estado, mais uma vez derrotado, depois da hesitação inicial das forças populares).
Esta quinta fase é caracterizada pelas “ tensões criativas” entre os movimentos populares, segundo Linera, na sua caminhada rumo a um socialismo comunitário do bom viver. Agora afloram as contradições dentro do próprio bloco popular governante, com as reivindicações cada vez maiores dos trabalhadores ainda encontrando dificuldades de atendimento dentro de um Estado herdado da estrutura colonial. A tensão entre interesses particulares dos dominados e os interesses gerais dentro do bloco popular governante, levando por vezes a impasses dos quais a burguesia colonial tenta se aproveitar para dividir a massa popular e seu governo.
Creio que apresentei, em linhas gerais, e muito brevemente, a quem não conhece, o processo que levou a uma das mais fecundas elaborações marxistas da atualidade. Os erros e omissões são de minha exclusiva responsabilidade. Mas quem quiser conhecer o pensamento de Linera, há livros dele traduzidos para o português.
Firmino Torres, observador.
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Revisão sistemática: o doido-de-quartel
Por: Marcos A. Brehm
Certa feita, em um país nem tão distante, houve um governo tão prolífico na arte da loucura e da insensatez, mas tão prolífico, que conseguiu até mesmo inaugurar um novo tipo de doido: O doido-de-quartel.
Mas o doido-de-quartel sempre existiu, você poderia argumentar.
Discordo. De fato que a matéria-prima para produção de doidos-de-quartel não é nada rara e a receita é bastante ordinária: pegue uns bons quilos de dissonância cognitiva, amasse bem com fascismo e salpique tudo generosamente com perversidade.
A receita costuma render bastante. O grande problema é o risco de contaminação: caso a mistura se contaminar com qualquer traço de ciência política, direito ou história, vai acabar perdendo toda a receita.
O doido-de-quartel não rasga dinheiro nem come bosta (ao menos não houveram registros até o momento), e não fosse sua indumentária sui generis, poderia se passar facilmente por um idiota ordinário, um tipo ostensivamente encontrado tanto nas ruas quanto na literatura.
O doido-de-quartel se veste de maneira extravagante, geralmente em tons camuflados combinados com amarelo-CBF-vibrante e bandeiras, em maior parte nacionais, mas algumas vezes de outros países, quem sabe mirando na futura internacionalização da ocupação. Estaria chegando o “barracks nuts international”? Só o futuro dirá.
Alguns estudiosos suspeitam que o uso excessivo de cores vibrantes seja associado à tentativa de acasalamento. Embora a maioria da população de doidos-de-quartel consista de indivíduos machos já em andropausa, já foram registrados momentos de coito entre doidos-de-quartel, inclusive em grupos. Mas parece que deu problema.
Os poetas sofrem de esperança. Com o doido-de-quartel é bem parecido, com exceção da parte da poesia: pro doido-de-quartel a esperança é sempre em vencer o inimigo invisível. Na maioria dos caos é o comunismo, mas já houveram registros de outros, a saber: bolivarianismo, artefatos de cor vermelha, priorado de Sião e impotência sexual.
O doido-de-quartel típico apresenta comportamento ritualístico a cada 72h, ocasião na qual os rebanhos de doidos-de-quartel se reúnem para entoar cânticos, patriotismo de ocasião, flatulências e definir os acontecimentos que deverão ocorrer dentro das próximas 72h, num ciclo sem fim.
O fato dos acontecimentos predefinidos nunca ocorrerem não parece influenciar em nada a esperança do doido-de-quartel, que convenhamos, também não é doido por mero acaso. Se especula muito sobre o que aconteceria se as profecias dos doidos-de-quartel se cumprissem, já que não há nenhum registro de ocorrência na literatura. Há quem diga que se curariam, há quem diga que não. Há ainda uma corrente de pesquisadores, bem mais ortodoxa, que afirma que virariam borboletas. Mas nunca saberemos.
Caso você tiver a oportunidade de observar um doido-de-quartel em seu habitat natural, que é em frente a algum quartel aleatório, faça um favor à sociedade e à você mesmo: Mande esse idiota ir tomar no cu, que agora é Lula e o choro é livre.
Sobre o Autor: Marcos “Castor” A. Brehm, amante das suculentas e bromélias, com multiplas formações acadêmicas e nenhuma competência adquirida. Não trabalha, apenas dá aula!
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No bang-bang do Brasil, os eleitores decidirão se o país virará Guantánamo ou virará um berço de esperança pra América Latina, tudo em 14 dias.
Por: Felipe Mongruel
Há 6 anos mergulhados num golpe civil que destituiu a legítima presidenta Dilma Rousseaf, o Brasil enfrenta uma avalanche arreganhada de corrupção, empobrecimento das classes mais baixas, desemprego e um morticínio de quase 700.000 vidas perdidas pelo negacionismo da vacina, pelo incentivo ao uso de Cloroquina e demais remédios cientificamente provados como não eficazes, tudo isso capitaneado pelo maior impostor que já pisou nesta terra, Jair Bolsonaro.Porém, para contar essa história é necessário fazer uma rápida volta ao passado do país:
Tudo tem início na Ação Penal 470, conhecida popularmente como Mensalão, um amplo processo de perseguição jurídica ao Partido dos Trabalhadores, ainda em 2005, na primeira gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que levou pra cadeia os mais próximos dirigentes do partido e os mais próximos ao presidente. O argumento utilizado foi de que o Partido dos Trabalhadores comprava votos no Congresso Nacional, de deputados federais, para aprovarem projetos de lei oriundos do Poder Executivo.
Nunca nada foi provado, apenas sugerido, que certas instituições como o Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, dois bancos públicos desviavam dinheiro da sua parte de marketing para a compra de determinados Deputados.
O primeiro laboratório de Lawfare(perseguição jurídica para assassinato de reputações) retirou da possibilidade sucessória do partido dos Trabalhadores, o maior cérebro na luta contra a Ditadura, desde a década de 60, o mineiro Jose Dirceu, então presidente da Casa Civil do Brasil, o segundo posto mais alto do comando executivo, atrás apenas do presidente.
O Julgamento de tais ações acontece só em 2012, já na metade final do primeiro mandato de Dilma. Lula tinha saído do governo em dezembro de 2009, dando lugar a sua sucessora Dilma Rousseaf com 87% de aprovação da população, pelos incontáveis feitos à pratica Social, criando 18 universidades Federais, levando de mais de 3.000 estudantes universitários para mais de 8.000, realizando o sonho de milhões de empregadas domésticas e pedreiros que pela primeira vez na vida de suas famílias formavam um filho médico, engenheiro ou advogado; fazendo a transposição do Rio São Fransisco levando água para milhões de brasileiros do Nordeste brasileiro que há décadas viviam com a seca e com a escassez; fazendo o maior e mais amplo projeto de casas populares; levando luz para todos; levando dente na boca dos banguelas, sonho no coração dos pobres e trabalho nas mãos das famílias.
Ainda em 2013, mais precisamente em junho, começaram manifestações de rua na cidade de São Paulo, chamado “não é só por 0,20 centavos” relativos o aumento das passagens de ônibus na capital paulista. Foi o primeiro grande ato de interferência da Direita, que nunca ganhou as ruas, dentro de pautas esquerdistas, financiando partidos e “atores” um tanto neutros, de possibilitar pautas confusas que levaram milhões de brasileiros às ruas, pra exigir o que ninguém sabia ao certo. Foram atos preparados pra ir minando a tentativa de sucessão de Dilma Rousseaf.
Em 2014 então, a guerra dos meios de comunicação foram pra incentivar a população a reivindicar problemas sociais num “modelo FIFA” relativo aos estádios que estavam sendo construídos pra Copa do Mundo, mesmo assim, numa eleição apertadíssima Dilma vence seu adversário Aécio Neves, ex-governador do Estado de Minas, por pouquíssima vantagem.
Ato contínuo sua posse em segundo mandato, o perdedor das eleições, alega fraude na Urnas. Dali pra frente, o Brasil mergulhou num Esgoto de uma Frente Ampla. Só que frente ampla feita pela Direita, de sinal trocado, de classe média concursada em Funcionalismo Público de altos salários mas que detesta pobre e ama ser lacaia da Classe Dominante. Grandes Corporações de Classes, as Forças Armadas e principalmente, o grande incentivador e fomentador disso tudo: As Igrejas Neo-Penteconstais.
Em 2014, começa no Brasil, uma Operação feita pelo Ministério Público Federal, chamada Operação Lavajato, com o apoio interminável dos grandes veículos nacionais de comunicação, a operação baseada na operação jurídico-politica italiana “Mani Pulitti”, tem seus protagonistas Sergio Moro, ex-juiz da Vara que concentrava todos os processos relativos a supostos desvios da Petrobrás, a maior empresa brasileira, com maioridade acionária do Estado, para levar à cadeia dezenas de pessoas, tudo com mais alto requinte de processos de exceção, sem garantias de Defesa e rasgando a Constituição Federal e do lado parceiro Deltan Dallagnol, o procurador chefe da Operação que trabalhava junto com o juiz da causa.( www.museudalavajato.com.br ) Tudo isso fica revelado pela Vaza-Jato, série de reportagens da Intercept Brasil. (https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/)
O LAwfare atinge seu Estado máximo, através de Delações Premiadas, das quais só eram válidas as que citassem o Presidente Lula, de vazamentos ilegais de informações, de grampos e espionagem em escritórios de advocacia e de arroubos de Classe Média invadindo as ruas com a camisa da seleção brasileira, gritando “ Chega de Corrupção” o Brasil afunda-se num oceano degradante de mentiras, falácias e um ufanismo patético e canalha que vem a gerar a semente do grande ódio.
Na eleição de 2018, com Dilma Rousseaf retirada do cargo de presidente da República num óbvio golpe das elites, num grande acordo nacional entre a classe dominante e depois de uma prisão completamente ilegal e criminosa que deixou preso por 580 dias, ou 1 ano e 7 meses, o maior brasileiro vivo e que caminha para ser o maior brasileiro da história: Luís Inácio Lula da Silva, o Brasil enverga sua espinha pra Ultra-Direita e nasce o mostro Bolsonaro.
Obedecendo a cartilha trumpista e de seu criador Steve Bannon, uma disseminação em massa de desinformação assola o país. As famosas Fake-News ganham a casa das famílias brasileiras e a Democracia no Brasil vira uma disputa entre aqueles que ainda acreditam numa Democracia Progressista e uma seita cega e odienta.
Depois de solto da prisão, Luís Inácio Lula da Silva reconquista seus direitos políticos numa decisão da Suprema Corte Brasileira que declara o ex-juiz Sergio Moro que aliás ( largou a carreira de 22 anos como magistrado pra servir ao Governo Bolsonaro, aquele que ele mesmo ajudou a existir e ocupou o cargo de ministro de justiça) suspeito e incompetente em todos seus processos.
Lula volta ao tabuleiro de xadrez e em grandes costuras políticas, vai trazendo seus históricos adversários de centro-direita pra seu bojo. Avança na candidatura do seu nome e vai ganhando aliados Brasil à fora. Enquanto isso, o Governo Federal, metralhado por denúncias e escândalos de toda natureza vai implementando um clima de guerra, principalmente na liberação total de compra de armas pela população, envolvendo o crime organizado e a policias.
O Brasil virou um grande filme de faroeste, onde o maior partido de Esquerda da América Latina atravessou o rio mais caudaloso de inverdades e ataques e agora está chegando do outro lado limpo e com 6 milhões de votos de vantagem no primeiro turno das eleições pra grande disputa de 30 de outubro. Onde será decidido que país queremos, o da escuridão das salas de tortura, ou da claridade das portas da esperança. A luta de classes entre ricos e pobres nunca foi tão nítida. 33 milhões de brasileiros estão no estado de miséria e passam fome, enquanto 126 milhões tem problemas de insegurança alimentar. Só os batalhadores brasileiros vencerão esses anos de chumbo. Com raça e coragem nas ruas, esperança na cabeça, Lula no coração e 13, o número do PT, nas urnas.
Que venham os dias de glória, antes que o Brasil acabe numa Guantánamo de proporções gigantescas.
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A revolução da saúde como promotora do fim da “guerra contra as drogas”?
Por: Rodrigo G. M. Silvestre

Fonte da Imagem: https://ideiasradicais.com.br/a-historia-mostra-que-a-guerra-as-drogas-falhou/
O Presidente Joe Biden anunciou, no dia 06 de Outubro de 2020, um perdão a todas as pessoas que estejam privadas de liberdade e processadas por simples porte de maconha na esfera federal. Essa é uma aparente conquista do campo progressista, com um passo na direção a descriminalização federal da substância.Os Estados Unidos tem diversos estados que já legislaram sobre o uso recreativo e de saúde dos produtos derivados de Cannabis sp., mas a legislação federal ainda guarda um regramento bastante rigoroso com relação a esses produtos. Classificam ainda como substância Classe 1, como a heroína, que não tem utilidade terapêutica e usos em saúde. Esse foi um dos pontos solicitados na fala do Presidente Biden, que os órgãos de regulação reavaliem a classificação dos produtos de Cannabis sp. para reconhecer sua utilização na indústria de saúde.
Para os latino-americanos, o que significa essa manifestação progressista do Presidente do EUA? Porque do ponto de vista prático a medida atingiu cerca de 6.500 pessoas que se enquadram na proposta de perdão, bem como nenhuma pessoa que efetivamente está privada de liberdade no país e será atingida pelo perdão presidencial.
Essa é então uma ação mais de sinalização que de efeito real. A guerra às drogas, que a décadas é a política determinante nos Estados Unidos, tem profunda reflexão nos países latino-americanos. A imposição do combate a indústria de drogas, nos Estados Unidos, não era proporcionalmente severa para habitantes do território dos EUA como é para os habitantes dos territórios produtores de drogas, como Colômbia e Bolívia. Será então que o posicionamento do presidente americano é uma sinalização para o arrefecimento dessa política?
O que ocorre mais recentemente é que a indústria de saúde tem trabalhado fortemente com a introdução de produtos à base de Cannabis sp. e isso tem levado a um questionamento sobre a utilidade da manutenção da atual regulação. Os empreendimentos baseados em produtos de Cannabis sp. por exemplo, tem sérios problemas para utilizar o sistema financeiro federal no EUA, pois a legislação entende que os lucros obtidos nessa atividade precisam ser enquadrados dentro da lei antidrogas.
Pode-se então concluir que a motivação para a atual postura seja mais para sensibilizar os eleitores jovens com relação aos candidatos democratas nas eleições legislativas que se aproximam nos EUA. Somada a uma motivação tipicamente americana, que é promoção e facilitação da atividade empresarial, especialmente com capacidade para dominar mercados externos a partir do posicionamento do governo federal americano. Bem menos, portanto, pela sinalização de uma postura menos controladora dos EUA em relação aos países latino-americanos.
O Brasil tem também flertado com a essa mudança progressista induzida pela indústria de saúde. O tamanho da população a ser atendida por esse tipo de produtos tem criado crescente interesse na regulamentação da atividade no país e também pela aquisição centralizada pelo SUS.
Especialmente duas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentam atualmente a utilização dos produtos derivados de Cannabis sp. no país (RDC Anvisa n.º 327/2019 resolução e RDC nº 335, de 24 de janeiro de 2020). Também existem nas casas legislativas projetos como o PL 399/2015 na Câmara do Deputados e o PL 4776/2019 no Senado Federal. Todas essas regulamentações tem em comum o atendimento aos interesses crescentes da indústria de saúde na oferta desse tipo de produto.
Todas essas evoluções no campo da saúde têm colocado em xeque o enquadramento dos produtos derivados de Cannabis sp. com não tendo utilidade terapêutica, portanto, minando fortemente os argumentos apresentados ao longo de anos sobre o “terrível efeito” do consumo de substâncias como CBD e THC.
Em paralelo a essa evolução na área de saúde, o Brasil realizou alterações progressistas em sua legislação. Por exemplo, é possível relembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a autoridade policial pode lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e requisitar exames e perícias em caso de flagrante de uso ou posse de entorpecentes para consumo próprio. Ou seja, que na presença de pequena quantidade de drogas, o usuário, ao ser levado a delegacia pode receber a opção pelo TCO ao invés de ser processado criminalmente.
Esse é um ponto fundamental, pois a discricionariedade do ato de opção pelo TCO é fortemente influenciada pelos preconceitos e estereótipos sociais. Sendo necessário dizer que a população periférica, preta, parda e pobre é objetivamente mais penalizada por escolhas da autoridade policial. Esse mesmo viés é reconhecido na declaração do Presidente Biden, pois afeta de maneira semelhante a população norte americana.
O Brasil também observa ansiosamente os desfechos do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tentou pela última vez retomar, em 06 de novembro de 2019, a análise do Recurso Extraordinário nº 635.659, que propõe a descriminalização do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006. Com três ministros já tendo realizado seu voto, especialmente o relator, que recomenda a substituição das medidas privativas de liberdade para sanções na esfera administrativa. Muito ainda falta para a conclusão do processo e também para saber como as medidas efetivamente irão impactar as pessoas no país.
Cada vez mais a sociedade caminha para tratar as questões das drogas como problemas de saúde pública e não de segurança pública. Isso terá impactos relevantes na forma como lidamos com o encarceramento no país, em especial dos contingentes que são colocados à margem do sistema capitalista hegemônico. Mas a velocidade como que as medidas chegam efetivamente a impactar a vida das pessoas latino-americanas, parecem ainda aquém de qualquer nível satisfatório. Não é plausível que o interesse público tenha que ser sempre rebocado pela livre iniciativa para romper as barreiras de pensamentos, regulações e legislações.
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Trilhos sombrios: “Nova Ferroeste” e o impacto na vida dos moradores de Morretes
Texto enviado por: David Couto, Sociólogo e Professor da rede pública
No dia 10 de março, mais de centenas de moradores dos bairros Mundo Novo, Rio Sagrado, Morro Alto, Candonga, entre outros, compareceram na Capela São José Operário, no bairro Mundo Novo, para ouvir a exposição do EIA-RIMA apresentado pelos técnicos do Instituto de Pesquisa FIPE para o Projeto da “Nova Ferroeste”. Este projeto, defendido pelos Governos do Mato Grosso do Sul e do Paraná e grandes setores do Agronegócio, pretende construir uma ferrovia para ligar o Mato Grosso do Sul ao Porto de Paranaguá de tornar mais eficiente a exportação dos produtos do Agronegócio e também a importação. Com faixas e camisetas contrárias ao Trecho 5 da Ferrovia, que atravessa a Serra do Mar e as comunidades locais, os moradores se manifestaram e interrogaram constantemente os técnicos expondo suas preocupações com os grandes impactos negativos do empreendimento ao meio ambiente e a vida dos moradores.
Dentre as informações que mais causaram incômodo aos moradores estão os altos níveis de impacto social e ambiental, a ausência de benefícios sociais às comunidades, os argumentos em favor do traçado atual, entre outras. A organização da comunidade e conhecimento do grupo sobre o extenso documento apresentado tem colaborado no engajamento de mais comunidades ao movimento de resistência ao trecho 5 do projeto.
Em meados de outubro de 2021, a comunidade foi impactada com a notícia da “Ferroeste” como uma ameaça avassaladora que fugia à compreensão dos moradores. “Hoje o nosso objetivo é deixar isso explicado a cada um, conscientizar do imenso impacto qua vai causar na floresta e em nossas vidas”, afirma Adriana Sezoski Dubiella, moradora do Candonga. Segundo Adriana,” em nome do progresso nos deparamos com o discurso dos interessados, que iludem alguns de nossos vizinhos, querendo suprir toda devastação que ocorrerá com valores financeiros ou programas e promessas mentirosas de desenvolvimento econômico local. Estamos acima de qualquer negociação, exigimos mudança do traçado no trecho 5!”
Acompanhe a matéria.
Entrevistadas/os por ordem de aparição:
Gleice Moreira
Renato Mocellin
Jaqueline Monteiro Oliveira
Marcos F. Gluck Rachwal
Márcia Beatriz FCXavier
Jorge Ramalho
Antônio Fontoura NogueiraRoteiro de entrevistas:
David CoutoImagens:
Beli BertalhaDireção de montagem:
Beli Bertalha
David CoutoTexto:
David coutoProdução:
TV Trapiche -
Eu vou tirar você desse lugar
Por: Karoline Silva Costa
Passamos pelo primeiro mês do ano, mas a impressão é de que foi janeiro que passou por nós. Por cima. Não se tem notícia de onde não tenha havido inundações. Entre tantos mortos e desabrigados, quem não perdeu a casa e os móveis, perdeu um cachorro ou um gato, e ninguém mais sabe diferenciar tristeza de fome. É a falta de comida para milhões de brasileiros, a gasolina pela qual você não consegue pagar, uma pandemia que não tem fim porque o governo insiste em desestimular a vacinação… Um pequeno resumo da nossa imensa coleção de tragédias, todas provocadas ou agravadas nos últimos anos a partir da inescrupulosa gestão bolsonarista. E, ao carregar esse combinado medonho de buraco no peito com buraco no estômago, a gente vai tentando reencontrar a esperança de poder rimar amor com dor.
Aposto que a maioria de nós até dispensaria a parte do “cantar iê-iê-iê”; e Raul, se vivo estivesse, entenderia que, nesse contexto, chegamos ao ponto de preferirmos corações partidos ao invés de tantas desgraças sociais. Mas a gente anda sem paciência, sem saúde e sem tempo para celebrar um romance ou mesmo lamentar dor de corno. O Brasil de Bolsonaro é infecundo e todas as nossas energias são gastas para pensar formas de enxotá-lo. Porque a sua impassibilidade diante da morte mina em nós, pouco a pouco, o ânimo mesmo de viver. Mas é lembrar que os seus ideais políticos não são outros senão aqueles que passam pela desestabilização rasteira dos seus oponentes e pela própria desvalorização da vida, que a centeia da revolta é reacendida. Nós não podemos ceder a esse convite à apatia.
Portanto, que fevereiro, março, abril… passem por cima de nós igualmente. Ouviu-se que antes de melhorar, as coisas ainda poderiam piorar e eu acredito nisso. Mas se resistirmos um tanto mais, haverá certeza de que em outubro é primavera e, não à toa, rosas vermelhas adornarão o futuro desde a/o Alvorada. Para que o brasileiro volte a ser feliz, mesmo que chore de vez em quando depois de um pé-na-bunda. Pela possibilidade, expectativa e conveniência de viver ou sofrer de amor em paz, fora Bolsonaro!
Opiniões
Um homem desejava violentamente a uma mulher
A umas quantas pessoas isso não parecia bem
Um homem desejava loucamente voar
A umas quantas pessoas isso parecia mal
Um homem desejava ardentemente a Revolução
E contra a opinião da guarda civil
Trepou sobre os muros secos dos deveres
Abriu o peito e sacando os arredores de seu coração,
Agitava violentamente a uma mulher,
Voava loucamente pelo teto do mundo e os povos ardiam, as bandeiras.Juan Gelman, poeta peronista argentino (1930-2014).
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Brizola, 100 anos
Por: Vinicius Carvalho
Minha mãe sabe que eu escrevo textos e que vivo disso na prática, mas nunca leu nenhum deles. Eu tento separar as coisas, pois não parece, mas sou meio tímido e para ter o conforto e a liberdade para escrever sobre determinados assuntos, prefiro que meus parentes não leiam.Não é como se eu escrevendo fosse um personagem, mas o contrário, é como se eu fosse um personagem dentro da própria casa. Porém, desde ontem começou a cobrança da minha mãe, “Vinícius, amanhã é 100 anos do Brizola, você não vai escrever sobre ele”? Então, pedido de mãe é uma ordem. Meu pai sempre foi petista e minha mãe brizolista, esta foi a divisão da minha casa desde sempre.
A percepção de uma criança que viveu sob os auspícios do governo de Brizola em plena Baixada Fluminense sob dois mandatos é muito diferente do que o mito que foi criado em torno dele. Para nós, Brizola não era o homem da Campanha da Legalidade, o homem que havia voltado do exílio ou uma espécie de “Fidel Castro” brasileiro como afirmava em tons de temor a imprensa nacional.
Brizola era a dignidade batendo na nossa porta, era a autoestima de poder trabalhar com os sapatos engraxados, estudar com os kichutes limpos, pois Brizola significava o esgoto sendo canalizado, o asfalto chegando na sua rua e a água potável chegando na sua torneira. Para isso, sabia que tinha que governar e bem, para governar bem sabia que precisava conciliar, conciliar muito e tá tudo bem. Conciliar para quem nunca teve nada nunca foi problema, pelo contrário, sempre foi a política do possível.
Cabe lembrar que os anos 1980 e 1990 ainda eram marcados pela ação dos esquadrões da morte e grupos de extermínio, herança da ditadura militar, nos subúrbios e periferias. A esquerda possível nessas regiões ou estava restrita aos conselhos eclesiais de base, da Igreja Católica, ou às associações de moradores locais.
A primeira esquerda possível, as CEB’s, tinha participação limitada na vida política e acabava por se restringir em campanhas contra a carestia. Dom Adriano Hypólito, Bispo de Nova Iguaçu, ligado à esquerda, certa vez foi sequestrado, espancado, abandonado nu e com o corpo pintado de vermelho no Alto da Boa Vista. A segunda, os conselhos comunitários e associações de moradores, ainda mais vulnerável às estruturas violentas, era facilmente solapada e, por isso, mais uma vez, o que restava era dialogar e conciliar para barganhar.
Este foi o cenário que Brizola encontra ao voltar do exílio e vencer as eleições do RJ em 1982. Ali, não estava em jogo a geopolítica ou a revolução.
A revolução que Brizola faria, dali em diante, seria a esperança de futuro para as crianças pobres, o projeto dos CIEP’s implementado por Darcy Ribeiro e inspirado no modelo educacional cubano. Ensino integral, piscina, quadra de esportes, alimentação de qualidade e tranquilidade para os pais. A criança era deixada na porta da escola 7 horas da manhã e buscada às 18:00, alimentada, cheirosa e de banho tomado – afirmo sem medo de errar, se o projeto dos CIEP’s não fosse sabotado, o Rio de Janeiro hoje seria outro, um lugar infinitamente melhor, mais próspero e menos violento.
Outra revolução que Brizola faria seria cultural, nunca nenhum político se confundiu tanto e tão genuinamente com a cultura do Rio de Janeiro quanto o gaúcho. Brizola era oposto ao “manoelcarlismo* que dominava a imagem que a elite cultural carioca queria levar do Rio para o resto do Brasil, a Bossa-Nova-Zona-Sul, o branco forte moreno e de olhos verdes. Brizola era o homem que criaria o Sambódromo, era amigo de Beth Carvalho, era o cara que você entendia quando ouvia Fundo de Quintal.
Por ter ligação verdadeira com o subúrbio carioca, Brizola significou também uma melhoria na visibilidade da cultura verdadeiramente popular produzida na cidade.
Pouco ou nada faz sentido a tentativa que fazem até hoje de antagonizar Lula e Brizola. São figuras diferentes, com históricos políticos diferentes e que na época da redemocratização representavam bases sociais, políticas e espaços geográficos diferentes.
Brizola passara a ser forte no Rio, praticamente isolado, perseguido impiedosamente pela elite aristocrática local e pela Rede Globo, ainda nos anos finais da ditadura militar, e para isso teve que se aproximar do povo pobre e semialfabetizado.
Para tal, Brizola permeou o imaginário, não de jovens universitários e intelectuais recém voltados do exílio. Para fazer política popular, Brizola foi para São João de Meriti, filiou um pipoqueiro da pracinha central da cidade e o lançou candidato a prefeito pelo PDT. Foi para Caxias e filiou manicures, foi para Queimados e filiou pedreiros, foi para Magé e filiou açougueiros.
No Rio, sob rejeição e oposição da elite reacionária e da esquerda ilustrada, filiou e contou com apoio de figuras que a intelectualidade cultural havia transformado em personagens exóticos, como Agnaldo Timóteo, Carlos Imperial e até o Capitão do Tri, Carlos Alberto Torres.
Lula, em São Paulo, contava com uma base muito mais organizada e orgânica. Apoio de intelectuais da USP, do Novo Sindicalismo que beirava milhões de sindicalizados, dos Conselhos Eclesiais de Base – mas não numa região conflagrada pelo extermínio e pela miséria como a Baixada Fluminense – e sim no urbanizado, próspero, industrial, rico e desenvolvido ABC Paulista.
Não deveria existir choque ou rivalidade, Brizola e Lula representariam a complementação perfeita entre dois mundos e duas classes populares. Curiosamente, uma classe popular, a paulistana, industrial e filha da CLT de Vargas mas que tentava antagonizar e superar o varguismo; e outra, a fluminense, tão precarizada que em plenos anos 1980 sequer ainda tinha acessado aquele Brasil varguista, ainda estavam vivendo sob as condições de vida de algo muito parecido com a Velha República.
Lula, um pernambucano que migrou da seca e dos resquícios da Primeira República para a industrial São Paulo. Brizola, um gaúcho politicamente e socialmente bem posicionado que, bem como outros gaúchos, Vargas e Jango, foram para o Rio de Janeiro e lá tomaram um banho de povo.
Percebam, este é um texto que conta a perspectiva de um jovem sobre o Brizola, um texto de felicitações. Não cabe nele fazer apontamentos críticos, que até podem existir, mas não faria sentido aqui. Acredito que estejam pululando milhares e milhares de textos sobre o Velho Briza hoje na rede, alguns exaltando sua história, alguns se repetindo, muitos dizendo o quanto ele foi injustiçado, dezenas de outros querendo apontar suas inconsistências.
Já este, eu quero que seja uma carta de agradecimento em nome de quem foi criança sob seu governo, de pobres que tiveram as vidas melhoradas sob seu mandato. É um texto escrito a pedido de uma senhora nordestina que migrou para o Rio e gostava do Brizola de verdade, não no imaginário da classe-média ou dos seus meandros ideológicos, mas do que o Brizola tinha de povão.
Este texto é uma homenagem não apenas ao centenário de Leonel de Moura Brizola, mas também para a minha mãe que o pediu e mas não lerá, pois sequer terá paciência para tal. Porém ficará muito feliz e gratificada em saber que eu o escrevi.
Este foi o Brizola que eu conheci e marcou a minha vida, muito obrigado por tudo, Velho Briza.
* Manoelcarlismo; termo criado pelo amigo suburbano, Vitor Almeida. Historiador, intelectual, trabalhista, brizolista e ex-candidato a vereador pelo Rio de Janeiro, pelo PDT. Manoelcarlismo é o ato de produzir uma imagem única sobre o Rio de Janeiro, a de um suposto estilo de vida carioca, reproduzido pelas novelas de Manoel Carlos usando o Leblon como cenário e a Bossa Nova como onomatopeia.
