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Autor: Editor
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Cobertura da Filiação de Roberto Requião ao Partido dos Trabalhadores (PT)
Por: Rodrigo G. M. Silvestre

Foto: Rodrigo Silvestre O Jornal América Profunda realizou a cobertura do evento de filiação de Roberto Requião ao Partido dos Trabalhadores no dia 18 de março de 2022.
O evento realizado no Expo Unimed no Município de Curitiba/PR contou com a presença de movimentos sociais, autoridades como senadores e deputados, bem como um grande número de pessoas que foram especialmente para ver a filiação de um dos fundadores do MDB do Paraná ao Partido dos Trabalhadores.

Foto: Rodrigo Silvestre O evento marcou o retorno de o Ex-Presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva a Curitiba, cerca de três anos após sua libertação do prédio da Polícia Federal. O Ex-Presidente reencontrou diversos integrantes do movimento da Vigília Lula Livre, que puderam ter um momento em particular com Lula para registrar a participação de cada um.
O registro do discurso do Ex-Presidente foi marcado pela exaltação à entrada de Roberto Requião para as fileiras do PT, possivelmente para concorrer nas eleições para o governo do Estado do Paraná em outubro. O Ex-Governador por meio de um longo discurso expressou as necessidades do estado e o foco de sua possível candidatura.
A cobertura do Jornal América Profunda registrou o discurso do Ex-Presidente Lula, que pode ser conferido abaixo.
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Pobreza SSA
Por: Rodrigo G. M. Silvestre

Foto: João Debs POBREZA SSA
O tema das desigualdades, identidades sociais e formas de organização e lutas na Era Digital traz à tona a necessidade de conceber formas atualizadas de inserção da grande massa populacional colocada à margem na economia capitalista contemporânea. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais, em 2020 o Brasil possuía 5,7% da população em situação de extrema pobreza. São 12.028.000 com mais de 15 anos de idade que vivem com até R$ 3,04 por dia, em decorrência disso tem sérias restrições para obtenção de condições dignas, salubres e economicamente viáveis de viver (IBGE, 2021).
Nesse contexto parece relevante discutir a utilização dos conceitos capitalistas de Sociedade Anônima com base em uma visão Socialista da sociedade, como forma de organização social dessas pessoas em situação de extrema pobreza para enfrentamento da precarização na Era Digital. Amplia assim a discussão sobre as ferramentas para o enfrentamento da nova luta de classes do Século XXI, que está no epicentro da crise social moderna.
Nesse sentido a dimensão da comunicação digital é fundamental para a articulação do território e da comunidade. Primeiro pela necessidade de inclusão laboral, social e digital dessas pessoas, para que possam buscar fontes de conhecimento para solução de seus problemas associados às restrições econômicas e sociais. Segundo pela possibilidade de utilizar o espaço digital como fonte de recursos externos aos limites do território, sem ter que fisicamente se retirar do seu espaço de vivência. Por fim, um terceiro aspecto relevante é o dos direitos à participação nas instancias de deliberação, que podem ser intermediados pela camada de comunicação digital, tornando efetivamente democráticas as discussões e decisões.
De modo mais acelerado do que em outros tempos, a inovação tecnológica e a economia digital, apoiada nas redes virtuais e de comunicações emergem com a chamada Revolução 4.0 (ou Indústria 4.0) e remetem para a necessidade de uma reflexão profunda acerca do trabalho do futuro e das implicações que lhe são subjacentes. Num quadro de consolidação das cadeias de valor globais (global value chains), a Indústria 4.0 assenta no uso de tecnologias avançadas (tecnologias 3D, robótica) aplicadas à internet das coisas, permitindo a clientelização, maior rapidez, preponderância das plataformas digitais, inovação de produtos e serviços e a (ainda) maior descentralização da produção, entre outras coisas (ESTANQUE & COSTA, 2018). Esse fenômeno está intimamente relacionado com a necessidade de analisar, discutir e compreender em profundidade como os contatos cotidianos entre os segmentos vulneráveis da população e os serviços e as políticas públicas podem, em algumas circunstâncias, contribuir para reforçar (ao invés de mitigar) vulnerabilidades e formas de exclusão, perpetuando, assim, desigualdades sociais já existentes (IPEA. 2019).
O mundo e a sociedade brasileira vivenciam hoje reflexos dessas mudanças substanciais na organização produtiva, donde resultam um maior equilíbrio entre empresas de diferentes dimensões, mas também uma maior fragmentação, não só das funções produtivas, como também da força de trabalho. Essas tendências deixam antever alterações profundas na sociedade, mas também algumas linhas de continuidade, remetendo, não raras vezes, para cenários de destruição de emprego em larga escala aos quais é possível contrapor outros cenários mais auspiciosos.
Esses cenários mais auspiciosos não serão fruto da continuidade ou do mero acaso, serão possíveis como resultado de políticas públicas deliberadas e com clara missão sobre os resultados esperados. A conformação natural das relações de trabalho e do empreendedorismo no capitalismo contemporâneo são fonte de concentração de riqueza e exclusão social, portanto, para que sejam obtidos resultados diferentes, é necessário propor estratégias diferentes.
O tema das desigualdades, identidades sociais e formas de organização e lutas na Era Digital segundo Estanque e Costa (2018) pode ser pensado a partir de alguns cenários, nos quais para pensar o futuro do trabalho é necessário pensar no futuro das classes e das desigualdades. Neles ilustram-se as fronteiras das discussões sobre:
(i) A macro regulação económica do emprego, para discutir os fundamentos do pleno emprego à plena empregabilidade, especialmente o lugar da política económica na promoção do crescimento, na criação e na qualidade do emprego;
(ii) As novas tecnologias promovendo o fim do trabalho ou fim do emprego, com foco no papel das indústrias do futuro, nos diferentes tipos de trabalho digital, nas implicações da automação produtiva no trabalho, no desemprego tecnológico etc.;
(iii) O trabalho desigual, resultante em novas formas de desigualdade e da organização do trabalho, onde as desigualdades de género, traduzidas em persistentes assimetrias salariais ou de acesso a posições de responsabilidade nas empresas etc., ocuparam um lugar de destaque;
(iv) O futuro das relações de trabalho, discutindo os aspectos do direito ao trabalho e o direito do trabalho, a partir do qual os processos de diálogo/confronto/compromisso entre representantes de governos, empregadores e trabalhadores são o objeto de interesse.
A proposta de organização das novas relações de trabalho e emprego, por meio das Sociedades Anônimas, portanto, de entidades pensadas para a nova lógica de empreendedorismo inovador, subverte a lógica convencional do capitalismo contemporâneo.
Pensadas atualmente para permitir o fluxo de capital de risco para atividades “futuristas” e “disruptivas” podem ser utilizadas para complementar as outras formas de organização utilizadas em propostas sociais e políticas públicas, como os estímulos e programas de organização em cooperativas. Esses são bastante bem-sucedidos em seus resultados (IPEA, 2019), mas como observado, um contingente relevante (mais de 12 milhões de pessoas), ainda necessitam de alternativas para responder a essas mudanças da Era Digital.
Segundo Estanque e Costa (2018) constata-se a facilidade de enriquecimento e o concomitante acréscimo de poder que daí deriva sobre as finíssimas e riquíssimas camadas que dominam o vértice superior da pirâmide social. Hoje, no final da segunda década do novo milénio, a luta de classes ou se tornou silenciosa, porque assenta agora no consentimento e “esquecimento” dos “novos proletários”, no entanto, a escravidão parece reemergir com novos disfarces e a proliferação de redes comunicacionais e de novos gadgets do consumo quotidiano se transformam em erasers da memória, dos direitos e das promessas emancipatórias.
Nesse contexto, no Brasil, mais de 12 milhões de pessoas necessitam gerar relações de emprego, produção ou empreendedorismo que lhes proporcionem a capacidade de deixar a faixa considerada de extrema pobreza, o equivalente a atingir um valor diário superior a R$ 8,80. Isso significa que a forma de organização precisa gerar uma receita adicional de R$ 5,76 por dia. Esse montante adicional é de R$ 69.281.280,00, ou em termos anuais R$ 25.287.667.200,00. Isso representa um acréscimo de 0,3422% do Produto Interno Bruto brasileiro de 2019, que é o último dado do IBGE consolidado.
A utilização dos conceitos capitalistas de organização social na forma de Sociedade Anônima, ajustados pela visão Socialista das relações de trabalho, podem contribuir para a reversão do processo histórico que ser verifica contemporaneamente. Nele ocorre, segundo Estanque e Costa (2018) o emagrecimento das classes médias no mundo ocidental, acompanhado de uma tendencia de concentração da riqueza no topo da pirâmide social, que caracteriza “a luta de classes do século XXI”.
O desafio está na dispersão desses recursos entre tantas pessoas, e como articular a comunicação, controle entre tantos agentes e atores. Se por um lado não é improvável que um conjunto de Sociedades Anônimas produzam um lucro de cerca de 25 bilhões de reais por ano, por outro é bastante complexo coordenar a comunicação e escuta de mais de 12 milhões de pessoas dispersas pelo vasto território brasileiro. Assim, por hipótese a organização como Sociedade Anônima Socialista poderia ser capaz de realizar ambos os objetivos (renda e comunicação).
REFERÊNCIAS
Elísio Estanque e Hermes Augusto Costa, « Trabalho e desigualdades no século XXI: velhas e novas linhas de análise », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], Número especial | 2018, colocado online no dia 05 novembro 2018, criado a 19 abril 2019. URL: http://journals.openedition.org/rccs/7947; DOI: 10.4000/rccs.7947.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais. Brasília: IBGE, 2021.
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas / Roberto Rocha C. Pires Organizador. – Rio de Janeiro: Ipea, 2019. 730 p.: il., gráfs., fots, mapas. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7811-353-7
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Antecedentes da Guerra na Ucrânia
Por: Célio Roberto

Batalhão neonazista Azov da Ucrânia (Imagem: Reuters) Nenhum conflito surge porque em um belo dia um estadista acordou de péssimo humor e decidiu invadir um país.
Embora a mídia ocidental queira dar a impressão que seja dessa forma, dando à guerra um caráter moral ou psicologizante dos atores envolvidos. Dividindo o mundo entre “mocinhos” e “vilões”. Contudo, a situação é muito mais complexa.
Para entendermos a guerra na Ucrânia é imprescindível voltarmos para o período da Guerra Fria. Quando do surgimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1949.
Essa aliança militar – encabeçada pelos EUA – tinha o objetivo de proteger os países capitalistas europeus de supostas investidas políticas e militares da antiga União Soviética e aliados.
O que resultou em uma divisão geopolítica da Europa entre socialismo e capitalismo, que ficou conhecida como Cortina de Ferro.
Em resposta à OTAN, a URSS organizou o Pacto de Varsóvia em 1955. Com o mesmo objetivo de salvaguardar os países socialistas do Leste Europeu e a própria URSS.
Decisões Geopolíticas Caras no Futuro
A grande questão é: se a OTAN foi criada para combater o socialismo, por que mesmo com o fim da URSS e do socialismo no Leste Europeu, a aliança militar continuou a existir?
Aliás, não apenas continuou a existir como também incorporou mais países. E o que é pior, agregou ex-repúblicas do bloco socialista e ex-repúblicas soviéticas que fazem fronteira com a Rússia.
Se desde 1991 não existe mais a URSS, quem é o novo inimigo da Europa capitalista? A Rússia capitalista? Se ela não é o inimigo a ser combatido, por que não a convidam para compor a OTAN?
Obviamente, os estadistas russos sabem muito bem que o Ocidente ainda encara a Rússia como sua inimiga.
Breve Histórico da Ucrânia (subtítulo)
A região que hoje é a Ucrânia esteve por séculos sob o domínio dos czares russos e em 1922 foi incorporada à URSS. A Ucrânia só se tornou um Estado independente após a desintegração da URSS em 1991.
Com o fim do socialismo na Europa, ficou acordado entre os membros da OTAN que a organização não deveria mais se expandir em direção à Rússia. Como mencionado acima, isso não ocorreu.
A Ucrânia é o país de maior fronteira com a Rússia no Leste Europeu e não é membro da OTAN. Os dois países sempre tiveram relações estreitas do ponto de vista cultural. Muitos ucranianos são russos étnicos e falam o russo, sobretudo no leste da Ucrânia.
O governo ucraniano de Víktor Yanukóvytch, eleito em 2010, tinha boa relação com a Rússia. Tentava manter os ânimos controlados entre os ucranianos do oeste e russos étnicos do leste da Ucrânia. Esta última região dava maior apoio político e eleitoral a Yanukóvytch.
Há uma rivalidade histórica entre essas duas regiões. O oeste tem mais afinidade com a Europa ocidental e possui uma identidade nacionalista ucraniana. O leste tem maior relação com a Rússia e sua cultura.
Em 2013, Yanukóvytch decidiu que a Ucrânia não faria parte da União Europeia, o que revoltou parte da população do oeste ucraniano.
Essa revolta gerou um movimento chamado Euromaidan. Muitos desses manifestantes eram pessoas comuns insatisfeitas com o governo Yanukóvytch.
No entanto, muito parecido com o que ocorreu no Brasil em Maio de 2013, essa manifestação passou a ser cada vez mais infestada por neofascistas.
Muitos autores defendem que houve uma “Revolução Colorida” na Ucrânia, quando um país é vítima de sabotagem financiada por potências estrangeiras para depor um governo que não é do seu interesse.
O grupo ultranacionalista Setor Direita e o partido neofascista Svoboda, tomaram a liderança das manifestações à medida que aumentava a violência policial.
Com sua impopularidade em alta, Yanukóvytch foi deposto pelo parlamento ucraniano e seu governo foi substituído por uma coalizão de liberais e neofascistas do Svoboda.
Inevitavelmente, os ucranianos do leste ficaram revoltados com a composição do novo governo que não os representava. Não demorou muito para que os ucranianos do leste fossem perseguidos pelo governo neofascista.
A maior insatisfação contra o governo se deu na região da Crimeia, de população majoritariamente russa étnica. Foi a oportunidade perfeita para Putin anexar a região em 2013, legitimado por um referendo que optou pela anexação à Rússia.
As províncias de Donetski e Loganski, com apoio russo, também realizaram referendos que resultaram em suas independências. Por não aceitar a soberania dessas regiões, o governo ucraniano deu início a uma guerra civil.
Por conta da ineficiência das forças armadas ucranianas, elas foram auxiliadas por grupos paramilitares neonazistas – como o Batalhão Azov – no combate à independência de Donetski e Loganski. Conflito que prossegue até os dias atuais.
Inclusive, o ministro do interior ucraniano, Arsen Avakov, incorporou o Batalhão Azov à Guarda Nacional do país. Não por coincidência, partidos, grupos, movimentos e indivíduos de esquerda são perseguidos na Ucrânia.
Os EUA financiavam – por meio de dinheiro, treinamento e armamento pesado – o novo governo ucraniano e esses “rebeldes” que lutavam pela “liberdade” e “democracia” contra a “tirania” russa.
Em 2021, EUA e Ucrânia votaram contra a resolução da ONU que condenava a glorificação do nazismo. A razão é muito simples, mesmo que esses países não sejam propriamente neonazistas, eles sabem que num eventual processo de radicalização, os neonazistas serão sua tropa de choque.
Crimes de ódio contra homossexuais e judeus só têm aumentado na Ucrânia nos últimos anos. O colaboracionista do nazismo durante a II Guerra Mundial, Stepan Bandera, foi alçado a herói nacional ucraniano.
A guerra civil teoricamente teria fim com o Acordo de Minsk, estabelecido entre os governos ucraniano e russo. O primeiro não cumpriu o que prometeu e continuou a atacar as províncias independentes de Donetsk e Lugansk.
Contribuição do Governo Zelensky ao Conflito (subtítulo)
Desde que chegou ao poder, o atual presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, dissolveu o parlamento ucraniano, instigou guerra contra províncias independentes e pôs em prática uma política externa pró-Ocidente. O governante ucraniano foi encorajado por Joe Biden a ter a Ucrânia incorporada à OTAN.
O que, inevitavelmente, por se tratar de um país que faz enorme fronteira com a Rússia, ao se sentir ameaçado, Putin deu início à guerra que todos estamos vendo.
Putin tenta colar a pecha de que a população ou o Estado ucraniano é neonazista para legitimar o ataque. O que não é verdade. Entretanto, é inegável a forte influência que o neonazismo tem penetrado o Estado e a sociedade civil ucraniana.
Não à toa, a neofascista bolsonarista, Sara Winter, diz ter sido treinada na Ucrânia. Manifestantes bolsonaristas exibem bandeiras ultranacionalistas ucranianas e dizem que vão “ucranizar” o Brasil.
Putin não tem absolutamente nada de comunista ou progressista. Ele é membro do partido de direita Rússia Unida, com fortes relações com a Igreja Ortodoxa Russa. O governante russo é extremamente conservador nos costumes e avesso à causa LGBTQI+.
Portanto, é absurdo argumentarem que Putin deseja recriar uma nova União Soviética a partir da guerra com a Ucrânia. Ele é um grande aliado da burguesia russa. É um contrassenso que a esquerda seja entusiasta do governo Putin.
Em Defesa da Soberania dos Povos (subtítulo)
Os verdadeiros democratas devem:
1) se opor à guerra entre Rússia e Ucrânia.
2) defender a não ingerência de EUA e Ocidente – por meio da OTAN – para coagir militarmente adversários políticos.
3) prezar pela autodeterminação dos ucranianos que não se sentem representados pelo Estado nacional.
Não podemos esquecer que nosso país também elegeu um presidente neofascista. Nem por isso podemos afirmar que nosso povo é fascista.
Obviamente, na Ucrânia, o neonazismo está muito mais entranhado no Estado e sociedade civil do que por aqui.
Entretanto, há uma grande parcela da população ucraniana que não coaduna com o fascismo e não é neonazista. Os verdadeiros democratas devem zelar pela vida da população vítima desse conflito.
Meu nome é Célio Roberto Ribeiro de Andrade. Tenho 38 anos, nascido e criado na Vila Nova Cachoeirinha, periferia da zona Norte de São Paulo, reduto do samba paulistano. Sou formado em história e graduando de Relações internacionais pela Universidade Federal de São Paulo. Sou professor de história da rede Objetivo e educador popular dos cursinhos populares pré-vestibulare, Cursinho Livre da Norte e Cursinho Popular do Paraisópolis.
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Crise dos Refugiados: De quem são as vidas que você não chora
Por: Hanin Majdi Dawud Al Najjar
Ao testemunhar as reações de comoção na cobertura midiática da Guerra entre a Rússia e Ucrânia, é evidente a atribuição de maior importância a algumas vítimas de guerra sobre outras, ocasião em que o horror da guerra tem sido tratado sob uma narrativa baseada em argumentos claramente racistas e xenofóbicos, delineados sob uma ideia de civilização com limites epidérmicos.Demonstrando forte senso de solidariedade com a Ucrânia, os discursos de condenação dos conflitos belicosos emitidos por diversos jornalistas ao redor do mundo têm carregado em seus relatos o uso da palavra “civilizado” para descrever a Ucrânia em contraste com países do Oriente Médio, em uma tendência característica do vocabulário do colonialismo.
Expressões como “Eles se parecem tanto conosco”. É isso que o torna tão chocante. A guerra não é mais algo que atinge populações empobrecidas e remotas. Isso pode acontecer com qualquer um. São mensagens nas quais a distinção humanitária estabelece uma violenta lógica de exclusão ao retratar padrões duplos baseados em classe social, raça, etnia e nacionalidade, promovendo a implantação de uma hierarquia do luto.
Por sua vez, é de se observar a amplitude das outras guerras em percurso, como o Iêmen, país há 11 anos mergulhado em uma devastadora crise humanitária que causou até o momento cerca 350 mil mortes, o deslocamento de 71% da população, bem como a insegurança alimentar de 5 milhões de pessoas. Estas sofrem desnutrição aguda, o que transforma esse conflito no que a ONU chamou de pior desastre humanitário do mundo.
A guerra na Etiópia desencadeada em 2020 tem sido considerada uma das mais brutais do mundo com a exposição de sua população a assassinatos e estupros em massa. Nos últimos anos a radicalização do budismo no Estado de Mianmar promove a perseguição de uma minoria étnica muçulmana conhecida como Rohingya, as atrocidades desse genocídio incluem a utilização do estupro e a queima de pessoas vivas em praça pública como arma de guerra, um massacre incentivado pelo governo da região.
O já abalado Haiti entrou em uma crise política que provocou uma guerra civil com fluxo generalizado de pobreza, deslocamento e violência. Estima-se que a guerra na Síria dizimou 600 mil pessoas desde 2011 e forçou 13 milhões ao refúgio, além de deixar o país.
O Afeganistão é um dos lugares mais mortíferos do mundo para mulheres e crianças. 2,7 milhões de afegãos foram forçados a fugir da guerra nos últimos 20 anos durante a guerra provocada pelos EUA.
A limpeza étnica na Palestina liderada pela criação do Estado de Israel em 1948 e a substituição da população palestina por colonos de origem judaica já dura 74 anos e é marcada por um apartheid violento e um genocídio atroz que marca o número de 6 milhões de refugiados.
A busca dessas populações por refúgio consiste no encontro com fronteiras fechadas, obstáculos que notadamente os ucranianos não encontraram em seu percurso, pois até seus animais de estimação vem recebendo mais apoio político e emocional no cruzamento de fronteiras do que qualquer cidadão da África ou Oriente Médio, os quais lidam com consequências tão mortais em sua permanência quanto em sua fuga da guerra ao encontrar bloqueio tanto por terra quanto por mar.
A condição violável a qual certas vidas são expostas, bem como a repercussão do luto público demonstra uma discriminação aberrante e um mundo no qual a cor da pele é um passaporte.
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Trilhos sombrios: “Nova Ferroeste” e o impacto na vida dos moradores de Morretes
Texto enviado por: David Couto, Sociólogo e Professor da rede pública
No dia 10 de março, mais de centenas de moradores dos bairros Mundo Novo, Rio Sagrado, Morro Alto, Candonga, entre outros, compareceram na Capela São José Operário, no bairro Mundo Novo, para ouvir a exposição do EIA-RIMA apresentado pelos técnicos do Instituto de Pesquisa FIPE para o Projeto da “Nova Ferroeste”. Este projeto, defendido pelos Governos do Mato Grosso do Sul e do Paraná e grandes setores do Agronegócio, pretende construir uma ferrovia para ligar o Mato Grosso do Sul ao Porto de Paranaguá de tornar mais eficiente a exportação dos produtos do Agronegócio e também a importação. Com faixas e camisetas contrárias ao Trecho 5 da Ferrovia, que atravessa a Serra do Mar e as comunidades locais, os moradores se manifestaram e interrogaram constantemente os técnicos expondo suas preocupações com os grandes impactos negativos do empreendimento ao meio ambiente e a vida dos moradores.
Dentre as informações que mais causaram incômodo aos moradores estão os altos níveis de impacto social e ambiental, a ausência de benefícios sociais às comunidades, os argumentos em favor do traçado atual, entre outras. A organização da comunidade e conhecimento do grupo sobre o extenso documento apresentado tem colaborado no engajamento de mais comunidades ao movimento de resistência ao trecho 5 do projeto.
Em meados de outubro de 2021, a comunidade foi impactada com a notícia da “Ferroeste” como uma ameaça avassaladora que fugia à compreensão dos moradores. “Hoje o nosso objetivo é deixar isso explicado a cada um, conscientizar do imenso impacto qua vai causar na floresta e em nossas vidas”, afirma Adriana Sezoski Dubiella, moradora do Candonga. Segundo Adriana,” em nome do progresso nos deparamos com o discurso dos interessados, que iludem alguns de nossos vizinhos, querendo suprir toda devastação que ocorrerá com valores financeiros ou programas e promessas mentirosas de desenvolvimento econômico local. Estamos acima de qualquer negociação, exigimos mudança do traçado no trecho 5!”
Acompanhe a matéria.
Entrevistadas/os por ordem de aparição:
Gleice Moreira
Renato Mocellin
Jaqueline Monteiro Oliveira
Marcos F. Gluck Rachwal
Márcia Beatriz FCXavier
Jorge Ramalho
Antônio Fontoura NogueiraRoteiro de entrevistas:
David CoutoImagens:
Beli BertalhaDireção de montagem:
Beli Bertalha
David CoutoTexto:
David coutoProdução:
TV Trapiche -
Eu vou tirar você desse lugar
Por: Karoline Silva Costa
Passamos pelo primeiro mês do ano, mas a impressão é de que foi janeiro que passou por nós. Por cima. Não se tem notícia de onde não tenha havido inundações. Entre tantos mortos e desabrigados, quem não perdeu a casa e os móveis, perdeu um cachorro ou um gato, e ninguém mais sabe diferenciar tristeza de fome. É a falta de comida para milhões de brasileiros, a gasolina pela qual você não consegue pagar, uma pandemia que não tem fim porque o governo insiste em desestimular a vacinação… Um pequeno resumo da nossa imensa coleção de tragédias, todas provocadas ou agravadas nos últimos anos a partir da inescrupulosa gestão bolsonarista. E, ao carregar esse combinado medonho de buraco no peito com buraco no estômago, a gente vai tentando reencontrar a esperança de poder rimar amor com dor.
Aposto que a maioria de nós até dispensaria a parte do “cantar iê-iê-iê”; e Raul, se vivo estivesse, entenderia que, nesse contexto, chegamos ao ponto de preferirmos corações partidos ao invés de tantas desgraças sociais. Mas a gente anda sem paciência, sem saúde e sem tempo para celebrar um romance ou mesmo lamentar dor de corno. O Brasil de Bolsonaro é infecundo e todas as nossas energias são gastas para pensar formas de enxotá-lo. Porque a sua impassibilidade diante da morte mina em nós, pouco a pouco, o ânimo mesmo de viver. Mas é lembrar que os seus ideais políticos não são outros senão aqueles que passam pela desestabilização rasteira dos seus oponentes e pela própria desvalorização da vida, que a centeia da revolta é reacendida. Nós não podemos ceder a esse convite à apatia.
Portanto, que fevereiro, março, abril… passem por cima de nós igualmente. Ouviu-se que antes de melhorar, as coisas ainda poderiam piorar e eu acredito nisso. Mas se resistirmos um tanto mais, haverá certeza de que em outubro é primavera e, não à toa, rosas vermelhas adornarão o futuro desde a/o Alvorada. Para que o brasileiro volte a ser feliz, mesmo que chore de vez em quando depois de um pé-na-bunda. Pela possibilidade, expectativa e conveniência de viver ou sofrer de amor em paz, fora Bolsonaro!
Opiniões
Um homem desejava violentamente a uma mulher
A umas quantas pessoas isso não parecia bem
Um homem desejava loucamente voar
A umas quantas pessoas isso parecia mal
Um homem desejava ardentemente a Revolução
E contra a opinião da guarda civil
Trepou sobre os muros secos dos deveres
Abriu o peito e sacando os arredores de seu coração,
Agitava violentamente a uma mulher,
Voava loucamente pelo teto do mundo e os povos ardiam, as bandeiras.Juan Gelman, poeta peronista argentino (1930-2014).
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Brizola, 100 anos
Por: Vinicius Carvalho
Minha mãe sabe que eu escrevo textos e que vivo disso na prática, mas nunca leu nenhum deles. Eu tento separar as coisas, pois não parece, mas sou meio tímido e para ter o conforto e a liberdade para escrever sobre determinados assuntos, prefiro que meus parentes não leiam.Não é como se eu escrevendo fosse um personagem, mas o contrário, é como se eu fosse um personagem dentro da própria casa. Porém, desde ontem começou a cobrança da minha mãe, “Vinícius, amanhã é 100 anos do Brizola, você não vai escrever sobre ele”? Então, pedido de mãe é uma ordem. Meu pai sempre foi petista e minha mãe brizolista, esta foi a divisão da minha casa desde sempre.
A percepção de uma criança que viveu sob os auspícios do governo de Brizola em plena Baixada Fluminense sob dois mandatos é muito diferente do que o mito que foi criado em torno dele. Para nós, Brizola não era o homem da Campanha da Legalidade, o homem que havia voltado do exílio ou uma espécie de “Fidel Castro” brasileiro como afirmava em tons de temor a imprensa nacional.
Brizola era a dignidade batendo na nossa porta, era a autoestima de poder trabalhar com os sapatos engraxados, estudar com os kichutes limpos, pois Brizola significava o esgoto sendo canalizado, o asfalto chegando na sua rua e a água potável chegando na sua torneira. Para isso, sabia que tinha que governar e bem, para governar bem sabia que precisava conciliar, conciliar muito e tá tudo bem. Conciliar para quem nunca teve nada nunca foi problema, pelo contrário, sempre foi a política do possível.
Cabe lembrar que os anos 1980 e 1990 ainda eram marcados pela ação dos esquadrões da morte e grupos de extermínio, herança da ditadura militar, nos subúrbios e periferias. A esquerda possível nessas regiões ou estava restrita aos conselhos eclesiais de base, da Igreja Católica, ou às associações de moradores locais.
A primeira esquerda possível, as CEB’s, tinha participação limitada na vida política e acabava por se restringir em campanhas contra a carestia. Dom Adriano Hypólito, Bispo de Nova Iguaçu, ligado à esquerda, certa vez foi sequestrado, espancado, abandonado nu e com o corpo pintado de vermelho no Alto da Boa Vista. A segunda, os conselhos comunitários e associações de moradores, ainda mais vulnerável às estruturas violentas, era facilmente solapada e, por isso, mais uma vez, o que restava era dialogar e conciliar para barganhar.
Este foi o cenário que Brizola encontra ao voltar do exílio e vencer as eleições do RJ em 1982. Ali, não estava em jogo a geopolítica ou a revolução.
A revolução que Brizola faria, dali em diante, seria a esperança de futuro para as crianças pobres, o projeto dos CIEP’s implementado por Darcy Ribeiro e inspirado no modelo educacional cubano. Ensino integral, piscina, quadra de esportes, alimentação de qualidade e tranquilidade para os pais. A criança era deixada na porta da escola 7 horas da manhã e buscada às 18:00, alimentada, cheirosa e de banho tomado – afirmo sem medo de errar, se o projeto dos CIEP’s não fosse sabotado, o Rio de Janeiro hoje seria outro, um lugar infinitamente melhor, mais próspero e menos violento.
Outra revolução que Brizola faria seria cultural, nunca nenhum político se confundiu tanto e tão genuinamente com a cultura do Rio de Janeiro quanto o gaúcho. Brizola era oposto ao “manoelcarlismo* que dominava a imagem que a elite cultural carioca queria levar do Rio para o resto do Brasil, a Bossa-Nova-Zona-Sul, o branco forte moreno e de olhos verdes. Brizola era o homem que criaria o Sambódromo, era amigo de Beth Carvalho, era o cara que você entendia quando ouvia Fundo de Quintal.
Por ter ligação verdadeira com o subúrbio carioca, Brizola significou também uma melhoria na visibilidade da cultura verdadeiramente popular produzida na cidade.
Pouco ou nada faz sentido a tentativa que fazem até hoje de antagonizar Lula e Brizola. São figuras diferentes, com históricos políticos diferentes e que na época da redemocratização representavam bases sociais, políticas e espaços geográficos diferentes.
Brizola passara a ser forte no Rio, praticamente isolado, perseguido impiedosamente pela elite aristocrática local e pela Rede Globo, ainda nos anos finais da ditadura militar, e para isso teve que se aproximar do povo pobre e semialfabetizado.
Para tal, Brizola permeou o imaginário, não de jovens universitários e intelectuais recém voltados do exílio. Para fazer política popular, Brizola foi para São João de Meriti, filiou um pipoqueiro da pracinha central da cidade e o lançou candidato a prefeito pelo PDT. Foi para Caxias e filiou manicures, foi para Queimados e filiou pedreiros, foi para Magé e filiou açougueiros.
No Rio, sob rejeição e oposição da elite reacionária e da esquerda ilustrada, filiou e contou com apoio de figuras que a intelectualidade cultural havia transformado em personagens exóticos, como Agnaldo Timóteo, Carlos Imperial e até o Capitão do Tri, Carlos Alberto Torres.
Lula, em São Paulo, contava com uma base muito mais organizada e orgânica. Apoio de intelectuais da USP, do Novo Sindicalismo que beirava milhões de sindicalizados, dos Conselhos Eclesiais de Base – mas não numa região conflagrada pelo extermínio e pela miséria como a Baixada Fluminense – e sim no urbanizado, próspero, industrial, rico e desenvolvido ABC Paulista.
Não deveria existir choque ou rivalidade, Brizola e Lula representariam a complementação perfeita entre dois mundos e duas classes populares. Curiosamente, uma classe popular, a paulistana, industrial e filha da CLT de Vargas mas que tentava antagonizar e superar o varguismo; e outra, a fluminense, tão precarizada que em plenos anos 1980 sequer ainda tinha acessado aquele Brasil varguista, ainda estavam vivendo sob as condições de vida de algo muito parecido com a Velha República.
Lula, um pernambucano que migrou da seca e dos resquícios da Primeira República para a industrial São Paulo. Brizola, um gaúcho politicamente e socialmente bem posicionado que, bem como outros gaúchos, Vargas e Jango, foram para o Rio de Janeiro e lá tomaram um banho de povo.
Percebam, este é um texto que conta a perspectiva de um jovem sobre o Brizola, um texto de felicitações. Não cabe nele fazer apontamentos críticos, que até podem existir, mas não faria sentido aqui. Acredito que estejam pululando milhares e milhares de textos sobre o Velho Briza hoje na rede, alguns exaltando sua história, alguns se repetindo, muitos dizendo o quanto ele foi injustiçado, dezenas de outros querendo apontar suas inconsistências.
Já este, eu quero que seja uma carta de agradecimento em nome de quem foi criança sob seu governo, de pobres que tiveram as vidas melhoradas sob seu mandato. É um texto escrito a pedido de uma senhora nordestina que migrou para o Rio e gostava do Brizola de verdade, não no imaginário da classe-média ou dos seus meandros ideológicos, mas do que o Brizola tinha de povão.
Este texto é uma homenagem não apenas ao centenário de Leonel de Moura Brizola, mas também para a minha mãe que o pediu e mas não lerá, pois sequer terá paciência para tal. Porém ficará muito feliz e gratificada em saber que eu o escrevi.
Este foi o Brizola que eu conheci e marcou a minha vida, muito obrigado por tudo, Velho Briza.
* Manoelcarlismo; termo criado pelo amigo suburbano, Vitor Almeida. Historiador, intelectual, trabalhista, brizolista e ex-candidato a vereador pelo Rio de Janeiro, pelo PDT. Manoelcarlismo é o ato de produzir uma imagem única sobre o Rio de Janeiro, a de um suposto estilo de vida carioca, reproduzido pelas novelas de Manoel Carlos usando o Leblon como cenário e a Bossa Nova como onomatopeia.
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Sociedade do Diálogo
Por: Rodrigo G. M. Silvestre

A Nau dos Insensatos é uma pintura do artista brabantino Hieronymus Bosch (1450 — 1516) Vivemos uma sociedade limítrofe. As pessoas contemporâneas isolaram-se de tal forma, absortas em suas próprias realidades, que observam passivamente a degeneração social.
Tornamo-nos uma sociedade sedentária, violenta e depressiva. Frutos do que Byung-Chul Han vai chamar de Sociedade do Cansaço, somos incapazes de dialogar verdadeiramente entre nós. Estabelecemos pequenos monólogos simultâneos, de modo que mesmo estando da presença de outros, estamos sós.
Vertiginosamente caminhamos para morrer menos de verminoses e condições degradantes no parto, para morrer por armas de fogo, seja em conflito, seja por suicídios motivados pela depressão ou transtornos de ansiedade.
Esse será então o limiar que vivemos? Será fato que a sociedade ocidental como a conhecemos já atingiu seu ápice e agora vivenciaremos seu ocaso?
Não tenho pretensões messiânicas, mas acredito que os futuros possíveis são frutos da nossa representação e vontade. Na melhor linha de Schopenhauer e da virada linguística da Escola Austríaca.
Possivelmente podemos construir uma Sociedade do Diálogo. Pensar a interação entres as pessoas com base em uma missão comum, pautada em ouvir mais, ver mais, e falar menos. Interromper a sanha de ser ouvido na multidão de monólogos. Identificar a similaridade entre os discursos e criar um ponto de agregação, não de dominação.
A sociedade latino-americana, degradada de maneira crescente nesses últimos trinta anos, precisa projetar qual será sua identidade para os próximos trinta anos. Não parece um cenário animador a manutenção da trajetória atual. Especialmente porque o isolamento social deu espaço e voz ao que temos de pior. Na busca por nosso eterno salvador, demos espaço aos piores representantes de nossos grupos dominantes. O custo social e humano foi altíssimo.
Surgem sinais de mudança. Não de mudança progressista, infelizmente, mas de mudança de resgate de valores e diálogos mais humanistas, felizmente. Ao menos a sensação é de que o elevado custo social pago pela inércia e isolamento latino-americano conseguiu criar a comoção das pessoas, falta ainda a organização. Ainda estão os indignados aguardando pelo salvador, pelo líder carismático.
É preciso criar os espaços para o diálogo, para a ruptura das bolhas criadas pela adoção desenfreada das tecnologias de comunicação e informação. Bolhas dentro das castas sociais mais abastadas e bolhas sociais que expurgam integralmente do debate uma grande parte da população. É, portanto, necessário criar um contraponto, que passa pela revalorização do local, do cuidado com o território e uma redescoberta dos valores externos às rotinas do consumo.
Vivemos uma frequente disputa pela verdade, bem como uma discussão eterna baseada nos emissores e não mais nas ideias emitidas. Como resultado vemos efervescer os conflitos e as rupturas. Preferimos sofrer solitários a compartilhar os sofrimentos coletivamente e buscar soluções e cuidado. Mas se podemos identificar os problemas, possivelmente podemos propor soluções. Especialmente se essas são tão simples quanto permitir que o diálogo ocorra, mesmo sabendo que os temas iniciais serão difíceis, indóceis e pouco agradáveis. Explicitar os conflitos e ouvir os divergentes será um passo necessário, embora não seja suficiente. Precisaremos ir além e projetar em conjunto os resultados que queremos para a Pátria Grande!
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Editorial – Dezembro
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[et_pb_column type=”4_4″][et_pb_text admin_label=”Text”]Dezembro, um homem de barba, voz grossa, risada poderosa e barriga farta, é aguardado ansiosamente por toda a população, para trazer esperança, presentes e graças! Seria ele o Papai Noel? Seria ele Luiz Inácio? José Mujica? Ou seria ele Felipe Mongruel?Por toda América Latina, dezembro representa a revisitação das tradições natalinas de convivência e esperança. Mas de quem são essas tradições? Se esperamos por um velho senhor branco, que vem lá do Polo Norte para avaliar se fomos “bons” e merecemos então presentes. Comemos comidas que não são nossas e desejamos um futuro que não nos é possível.
O Jornal América Profunda se propôs a revisitar essas “verdades tradicionais” e buscar o resgate de nossa ancestralidade comum, assim como de nossas distinções fundamentais. Tem sido um árduo desenvolvimento e construção coletiva. Muito ainda se tem por fazer e comunicar. E hoje, o que nos agrega é a luta pela democracia.
Essa é a temática dessa edição de dezembro, Democracia, substantivo feminino! O futuro não será gestado na tradição dos líderes carismáticos que temos! Precisamos da real novidade!
Não é razoável negar que essa transição requer tempo, é preciso construir novas lideranças. Até lá, pela tamanha degradação social, ambiental, econômica e cultural que vive a América Latina, algumas dessas lideranças tradicionais serão ainda necessárias. E por suas capacidades de lidar como cenário atual, são desejáveis. Mas não são lideranças suficientes.
Não são suficientes pois não são mais representativos. Não deveriam ser mais os protagonistas em um continente que é essencialmente mestiço! No qual maiorias, como negros, ou minorias, como nações e povos originários, não podem mais ser apenas “ouvidos” pelos líderes brancos que irão dar-lhes ou não a salvação (ou presentes de Natal). Precisam ser os protagonistas nas posições de liderança.
Segundo pesquisa recentemente pública pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), a América Latina vivencia ainda uma profunda e estrutural desigualdade quando consideram-se determinações de raça e gênero para estudar a assimetria de renda. Segundo pesquisas realizados pela CEPAL em 2020, com base em dados coletados entre 2017 e 2018, em geral, na América Latina tanto a pobreza quanto a pobreza extrema possuem maior incidência entre negros em comparação ao restante da população. Ademais, quando comparado com o restante da América Latina, o cenário brasileiro, por exemplo, ainda se destaca por apresentar a maior disparidade na taxa de pobreza incidente sobre negros em comparação com o restante da população.
Com relação ao recorte de sexo, a tendência da região latinoamericana , permite observar os maiores índices de feminização da pobreza entre a população negra se comparado com a não-negra. Segundo estudo da CEPAL (2020), em 2019, para cada 1000 homens vivendo em domicílios em situação de pobreza, tomando novamente o Brasil como exemplo, havia 1126 mulheres vivendo nessas mesmas condições. Ou ainda que 705 mil homens brancos, ganham o mesmo que todas as 32,7 milhões de mulheres negras do Brasil!
Nesse sentido, não faz sentido mais que esses mesmos homens brancos represente as vozes dessas mulheres no Estado Democrático. É preciso abrir alas para que elas possam protagonizar a construção de um futuro menos desigual. A pandemia mostrou o resultado comparativo entre os estados governados por mulheres e os liderados por velhos homens brancos “tradicionais”. A diferença foi literalmente um caso de vida e morte.
Vivemos enfim, um momento de esperança, seja pela retomada de uma via democrática no Chile, com a vitória de Gabriel Boric nas eleições nacionais, seja com a expectativa de retomada de uma liderança com sensibilidade popular como Lula no Brasil. Nesse sentido, dois Natais separam esses territórios de uma virada para o olhar social. Menos Minsky e mais Mariana Mazucatto! Precisamos de líderes (possíveis) que implementem um Estado Orientado por Missão! Só assim poderemos compartilhar de fato o valor, e eliminar as mazelas sociais que nos fustigam na posição de colonizados. Mas a missão do nosso Estado Latinoamericano não pode vir proposta de fora, precisa ser disputada e construída internamente! Para isso, existe esse Jornal, para criar o debate e o espaço de Diálogo.
Nessa edição, alguns marcos são importantes para compartilhar. Um deles é a adoção de licenças abertas (não comerciais) para o conteúdo do Jornal. Acreditamos que é uma forma de expandir o debate e manter animada a discussão na América Latina e além dela. Outro ponto de muito orgulho, é a obtenção no nosso ISSN (International Standard Serial Number), então agora nosso conteúdo também conta como produção para nossos autores e colaboradores! Seguimos na luta e em busca de fortalecimento de nossa grande nação latino-americana! Saúde e Socialismo!
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Capitalismo e catador de lixo
Por: Fernando Eurico L. Arruda Filho
Como o catador de lixo está inserido no sistema capitalista
How the garbage collector is inserted in the capitalist system
Defensor Público do Maranhão
lopes.arrudafilho@gmail.com
Resumo
A lógica do sistema capitalista é a ampliação do valor de troca das mercadorias. Com a priorização da embalagem das mercadorias, em detrimento do efeito prático destas, perfaz-se a lógica esquizofrênica da cadeia incessante da obsoletização dos produtos, os quais possuem cada vez mais uma menor vida útil. O reaproveitamento dos produtos ingressa nessa reprodução ampliada do capital para ter valor de troca, por isso o interesse do capital na reciclagem. No segundo momento do circuito econômico, configura-se a mais-valia do catador de lixo, o qual é inserido na sistemática, como reciclador, em condições aviltantes, ficando à mercê de atravessadores e sucateiros. A lucratividade desse segundo ciclo advém da precarização do catador. Para amenizar essa situação, devem ser instituídas a coleta seletiva e associações e cooperativas de catadores, além de campanhas publicitárias educativas para a coleta a partir dos domicílios e a efetivação da Lei 12.305/10 (Política Nacional de Resíduos Sólidos).
Palavras-chave: 1. Capitalismo. 2. Obsoletização. 3. Catador.
Abstract
The logic of the capitalist system is the expansion of the exchange value of goods. With the prioritization of the packaging of goods, to the detriment of their practical effect, the schizophrenic logic of the incessant chain of obsolescence of products, which have an increasingly shorter useful life, is made. The reuse of products enters this expanded reproduction of capital to have exchange value, hence the interest of capital in recycling. In the second moment of the economic circuit, the added value of the garbage collector is configured, which is inserted in the system, as a recycler, in demeaning conditions, being at the mercy of middlemen and scrap dealers. The profitability of this second cycle comes from the precariousness of the collector. To alleviate this situation, selective collection and associations and cooperatives of collectors should be instituted, in addition to educational advertising campaigns for collection from households and the implementation of Law 12,305/10 (National Policy on Solid Waste).
Keywords: 1. Capitalism. 2. Obsolete. 3. Waste picker.
O catador como elemento necessário para um sistema que o expele
Hoje se prega muito o discurso do meio ambiente sustentável. Uma das principais recomendações da Agenda 21 da ECO 92 foi a reciclagem de resíduos sólidos, com vistas à diminuição dos problemas ambientais, economia de energia e evitar desperdício. A reciclagem é o reaproveitamento do que se desperdiça. É a recuperação das potencialidades de uso do produto através de processos de transformação físico-químicos, tendo o produto, ao final, valor de troca. Assim, o reaproveitamento diminui a degradação ambiental.
Como a fabricação prioriza a embalagem em detrimento do efeito prático do produto, o descarte de rejeitos na natureza assumiu proporções inimagináveis na nossa sociedade essencialmente consumista. Por isso a importância da reciclagem.
O catador de lixo é uma simples peça de uma engrenagem bem mais complexa e grandiosa. A lógica esquizofrênica capitalista segue a seguinte ordem quanto ao ciclo dos produtos: 1ª) fabricação; 2ª) consumo; 3ª) rejeito; 4ª) catação; 5ª) reutilização; 6ª) nova fabricação; 7ª) novo consumo; e 8ª) novo rejeito. Ou seja, o circuito econômico é a industrialização, o consumo e o descarte (resíduo sólido), numa cadeia incessante.
O elemento fundante do sistema capitalista é a obsoletização das mercadorias que significa a diminuição cada vez maior da vida útil dos bens de troca. O ciclo de reprodução capitalista se alimenta do aumento do mercado de troca, surgindo, a partir disso, o mercado cada vez maior dos ferros velhos. Com a taxa decrescente de utilização do valor de uso das mercadorias, acelera-se a produção e o posterior descarte. O capitalismo se autorreproduz por esse motor.
O capital se preocupa somente com sua reprodução ampliada. Não se importa com o destino das mercadorias e o aproveitamento delas. É uma contradição imanente ao próprio sistema capitalista o qual gera novas necessidades e mercadorias a todo instante. Para o mecanismo capitalista, o produto tem que ser vendável, não necessário ao consumo humano. São despiciendas a utilidade ou mesmo o próprio desperdício. A sistemática ampara-se sempre numa evolução sem quaisquer limites.
Marcelino Gonçalves bem elucida essa questão:
Neste sentido a produção capitalista não visa primordialmente a satisfação da necessidade dos produtores diretos, ou de qualquer outro membro da sociedade. O seu fim é garantir o ímpeto de reprodução do capital através do consumo, e esta é a racionalidade, a razão que lhe dá sentido. Daí, pouco interessar a utilidade ou o desperdício das mercadorias por quem as adquire, desde que ela cumpra a sua função no sistema do capital. (GONÇALVES, 2006, p. 105)
A mercadoria tem que ter valor de troca através de uma transação comercial de modo que a partir disso se evidencia a utilidade da mercadoria pelo seu ato de venda. Para o capital, a mercadoria tem que ser menos usada, pois, assim, será logo descartada e substituída por outra para seguir o ciclo de venda de outras peças. O produto tem que se inserir num tempo cada vez diminuto de sequência de troca.
O capital não objetiva a satisfação das necessidades humanas, senão não existiriam famintos no mundo. As mercadorias são cada vez mais frágeis e descartáveis. Quanto mais for diminuída a vida útil da mercadoria, mais o capital se amplia. Isso eleva a produtividade, apesar de o consumo se fincar em número concentrado de pessoas.
Como o consumo é o ápice do processo capitalista, é através dele que o capital se amplia e se reproduz, originando a taxa de utilização decrescente da vida útil das mercadorias cuja expressão é o desperdício, como aponta mais uma vez Marcelino Gonçalves:
O desperdício é expressão da taxa decrescente de utilização, que abrevia a vida útil das mercadorias e gera uma grande quantidade de resíduos, de coisas que não servem mais para quem as dispensa. No entanto, sabemos que esse objeto, agora sem utilização, não perdeu as suas características físico-químicas, nem sua forma corpórea deixou de ser fruto de trabalho humano socialmente organizado. O que acontece é que ele está no momento de seu descarte, posto fora de um contexto social e econômico que lhe dava sustentação enquanto objeto útil e ingressa em outro contexto socioeconômico e político. (GONÇALVES, 2006, p. 107)
A racionalidade, portanto, é do desperdício, ocasionando a destruição do meio ambiente. Karl Marx assenta que a produção das mercadorias reproduz o próprio sistema capitalista. E qual o interesse do capital na reciclagem? Por que a reciclagem faz parte de uma outra engrenagem que sustenta uma reprodução ampliada do capital?
Um dos problemas decorrentes do consumismo é a geração de resíduos sólidos e o reaproveitamento destes é a solução para um meio ambiente saudável e sustentável. Além disso, no que diz respeito ao trabalho, o catador de lixo participa de uma outra dimensão social e econômica em toda essa estrutura do capital. É o circuito econômico da reciclagem, com a compra e venda, transporte, armazenamento e pré-processamento dos produtos mais procurados: papel, plástico e metais, por terem mais poder de troca.
Para que esse segundo momento econômico exista, o trabalho do catador de lixo é essencial.
O trabalho de catação, que dá vida a um sistema que o expele, é feito em ruas, lixões, cooperativas e usinas de triagem e compostagem. O catador é a base de uma segunda etapa do circuito econômico do capitalismo, pois reciclam os materiais rejeitados.
Essa reciclagem é realizada em condições aviltantes, sem vínculo formal e remuneração digna, gerando grande margem de lucro àqueles que se apropriam do trabalho do catador de lixo. A lucratividade diminuiria se ocorresse o fornecimento de chapéus, botas, luvas, óculos e máscaras aos catadores, além da construção de diversos outros aparatos em prol dos catadores.
Para Marx, a produção no capitalismo dá-se pela mais-valia. Segundo ele, o valor da mercadoria produzida tem que ser maior que a soma dos valores das mercadorias, meios de produção e força de trabalho exigidos para a produção daquela.
Ou seja, para o capitalismo, uma mercadoria só é considerada um produto do trabalho humano quando ela preencher uma relação de troca. Como não poderia ser diferente, no processo de reciclagem também ocorre a mais-valia, que é a apropriação do trabalho humano. O trabalho do catador de lixo é extremamente vilipendiado, sobrepujando sobremaneira a mais-valia.
Quanto à mais-valia, Marx pontua:
Mas a renda pressuposta de toda classe proprietária tem que surgir na produção, e, portanto, ser de antemão uma dedução do lucro ou dos salários […] Para que se aumente o valor do lucro, tem que haver um terceiro cujo valor se reduza. Quando se afirma que o capitalista gasta 30 dos 100 em matéria-prima, 20 em maquinaria, 50 em salário e que logo vende estes 100 por 110, desconsidera-se que, se tivesse desembolsado 60 pelo salário, não haveria obtido lucro algum, salvo que obtivesse mais que os 110, uns 8,2%, etc. Ele troca seu produto por outro cujo valor está determinado pelo tempo de trabalho nele empregado. Vendeu um produto de 20 dias de trabalho, digamos, e obtém um dia por cada dia. O excedente não surge da troca, ainda que tão somente nela se realize. Surge de que deste produto que consome 20 dias de trabalho, o obreiro só obtém o produto de 10, etc., dias de trabalho. Na mesma medida em que cresce a força produtiva do trabalho, decresce o valor do salário. (MARX, 2006, p. 77)
Assim, a operação quanto aos resíduos recicláveis é o outro circuito econômico com um contexto socioeconômico e político bem diferente do primeiro. E qual a lucratividade de um ciclo econômico que trata de algo que foi descartado? O lucro advém de uma precarização cada vez maior das relações de trabalho nas quais o catador está imerso, o qual fica sempre à mercê de sucateiros e atravessadores.
Qualquer esforço no sentido de mudar essa lógica para dar ao catador melhores condições de trabalho é meramente paliativo, pois, no contexto em que o capitalismo se encontra, miséria e deterioração ambiental estão se consolidando mais e mais. A recuperação dos resíduos sólidos objetiva somente reinserir um novo produto no mercado de consumo, sem qualquer outra satisfação, como afirma Marcelino Gonçalves: “(…) a recuperação do valor de uso real e efetivo, no caso dos materiais contidos nos resíduos recicláveis, não objetiva prioritariamente a satisfação de uma determinada necessidade social” (GONÇALVES, 2006, p. 117).
Trabalho e natureza são capturados pelo capitalismo e as consequências disso são degradação ambiental e precarização do trabalho dos catadores. E quais as possíveis soluções?
Foto de João Paulo Guimarães. Lixão de Pinheiro-MAPossíveis soluções
O poder público municipal tem papel protagonista na amenização desse aviltamento do catador. É obrigação municipal criar centrais de triagem para a comercialização dos resíduos sólidos e inserir os catadores no processo produtivo da reciclagem, conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10).
Necessária a efetivação de políticas públicas em favor dos catadores já estabelecidas legalmente. Além das condições seguras e higiênica para o exercício do ofício e a inclusão no mercado formal de trabalho, o catador precisa trabalhar com um produto de qualidade. Tem que haver uma reparação anterior dos produtos orgânicos e inorgânicos a fim de evitar contaminação. Isso significa economicidade.
O descarte, portanto, tem que ser de qualidade. Numa ponta do ciclo encontra-se o catador o qual deve estar preparado para receber aquele produto. Por isso a importância da constituição de cooperativas e associações de catadores para as quais devem ser destinados os materiais pertinentes. No início do trânsito, o produto já não pode estar contaminado. As cooperativas e associações devem estar equipadas com o maquinário suficiente para o tratamento do produto. O catador deve ter o treinamento necessário para utilizar as máquinas e se inserir nesse circuito produtivo.
Os produtos descartados são de três espécies: matéria orgânica, rejeito e material reciclável. O trabalho feito em cooperativas e associações de catadores é a triagem, prensagem e estocagem para posterior venda. Para que a recuperação dos resíduos sólidos tenha mais eficácia, é imprescindível uma coleta seletiva cujo fundamento é encaminhar os materiais recicláveis para as cooperativas e associações de catadores, além de não os misturar com os resíduos orgânicos.
Com a coleta seletiva e o devido tratamento dos materiais, o resíduo chegaria mais limpo para os catadores, os quais disporiam de produtos mais comercializáveis e com melhor preço.
Tudo isso passa pela construção de aterros sanitários para os quais devem ser destinados os rejeitos (produtos inservíveis). Mas, antes desse escoamento, o produto deve ser encaminhado para usinas de triagem e compostagem, para recuperação dos recicláveis e armazenamento dos resíduos orgânicos, a fim de que o catador tenha um produto passível de ser transformado para ser recolocado no ciclo das trocas de consumo.
Entretanto, qualquer política que inclua o catador na engrenagem produtiva do capital deve ter como pano de fundo uma campanha de conscientização sobre o programa de coleta seletiva de resíduos sólidos a partir dos domicílios. Para se chegar a um a efetivo descarte seletivo, é imprescindível o envolvimento de toda a sociedade. A consolidação de uma consciência cidadã referente à seletividade dos produtos que irão ao “lixo” é a medida primeira para que todo esse esforço tenha sucesso.
É imprescindível o dispêndio financeiro com campanhas publicitárias educativas para conscientizar a população sobre a coleta seletiva. Isso não beneficia somente o catador, mas todos, haja vista que se terá uma cidade mais limpa e um meio ambiente menos degradado.
Na prática, muitos governantes ficam desestimulados com a enorme despesa pública para o funcionamento de centrais de triagem. Por isso a falta de investimento na coleta seletiva, de maneira que a conscientização do cidadão, através de boas campanhas publicitárias educativas, é o caminho mais eficiente e menos oneroso para que toda essa arquitetura tenha sucesso e o produto chegue ao catador com mais qualidade.
Por outro lado, devem ser implementadas as políticas públicas da Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelecidas pela Lei 12.305/10, a qual consagra todos os direitos dos catadores. Apesar da dificuldade estrutural que o sistema capitalista impõe, como já dito, tem que haver a inclusão dos catadores nesse trajeto econômico para que eles alcancem autonomia através de uma associação ou cooperativa, pois não podem viver somente de assistencialismo.
Com o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), a execução de ações direcionadas à reutilização, reciclagem e valorização dos resíduos sólidos deve ser efetivada com a participação dos catadores, não somente de empresas privadas de reciclagem.
Enfim, é nesse sentido que se pode dizer que assim se resgatará uma dívida histórica com os catadores e aos quais será dada uma situação menos dramática.
Referências
GONÇALVES, Marcelino Andrade. O trabalho no lixo. 2006. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006. Pág. 105
MARX, Karl. Elementos Fundamentales para la Crítica de la Economía Política (Grundrisse) 1857-1858. vol. 3. Madri: Siglo Veintiuno Editores, 13. ed., 2006.

Célio Roberto