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Crise e contranarrativa: como a pauta do aborto eclipsou o alívio no IR e expôs o jogo político de 2026

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Por: Rodrigo G. M. Silvestre
A derrubada, pela Câmara dos Deputados, da resolução do CONAMA que garantia o aborto legal em casos de violência sexual colocou o País diante de uma comoção política e social. O movimento, impulsionado pela bancada ligada ao PL e pela ala mais conservadora do Congresso, revogou uma norma que regulamentava o que o próprio Código Penal já previa desde 1940. O resultado foi imediato: a reação massiva nas redes sociais e na imprensa — especialmente em veículos progressistas — transformou o tema em um dos maiores focos de repercussão negativa do ano.
O detalhe é que o episódio coincidiu com o anúncio, pelo Governo Federal, da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais. Uma medida profundamente popular, responsável por aliviar a carga de milhões de trabalhadores, acabou quase esquecida no noticiário. A agenda positiva, cuidadosamente planejada pelo Planalto, foi engolida pela indignação gerada pela pauta moral.
Esse tipo de sobreposição não é inédito. Durante o governo Lula, por exemplo, a aprovação da nova política de valorização do salário mínimo, que garantia aumentos reais acima da inflação, ocorreu na mesma semana em que a oposição levantou o polêmico debate sobre o marco temporal das terras indígenas — um embate jurídico e ideológico que rapidamente dominou os noticiários. Em outra ocasião, a sanção do programa “Desenrola Brasil”, voltado à renegociação de dívidas de famílias de baixa renda, coincidiu com a apresentação de propostas da direita para flexibilizar o Estatuto do Desarmamento, gerando ruído e deslocando o foco público da conquista econômica para a pauta da segurança.
Os paralelos revelam um padrão político: a disputa pelo controle do discurso público. Enquanto o governo tenta consolidar suas vitórias econômicas e sociais, a oposição opera em torno de temas morais, identitários ou polêmicos o suficiente para monopolizar a atenção da opinião pública e deslocar o debate. Essa guerra de narrativas, ancorada em estratégias de agenda e contra-agenda, deve se intensificar à medida que o País se aproxima das eleições presidenciais de 2026 — quando o domínio do discurso poderá valer tanto quanto o resultado nas urnas.
Mas essa dinâmica não é exclusividade da direita. Nos últimos anos, momentos de fortalecimento de setores conservadores também foram sufocados por mobilizações eficazes da esquerda, que conseguiu transformar pautas populares da oposição em crises ou debates morais ampliados. O jogo da comunicação é bidirecional — e cada campo político aprendeu a operar sobre o território emocional do outro.
Um dos exemplos mais marcantes foi a tentativa de avanço do projeto de redução de impostos sobre combustíveis, capitaneado pelo então bloco liberal do Congresso. A proposta prometia um efeito direto no preço ao consumidor em pleno período de alta inflacionária, mas acabou perdendo espaço na mídia após o surgimento das denúncias sobre o uso irregular de emendas do relator. A narrativa sobre o “orçamento secreto” dominou a cobertura por semanas, transformando o que seria uma vitória política em mais um episódio de desgaste ético para o campo aliado ao PL.
Outro caso foi a votação da PEC que visava restringir decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal, proposta inicialmente vista como uma resposta institucional legítima por boa parte do eleitorado de direita. O debate, porém, foi rapidamente deslocado após uma articulação de influenciadores progressistas associar o projeto a um suposto “ataque à democracia”. A retórica ganhou corpo nas redes, impulsionada por celebridades e militantes, até que a discussão sobre os méritos técnicos da proposta praticamente desapareceu do radar público.
Mais recentemente, um movimento semelhante ocorreu durante o lançamento da proposta de reforma administrativa defendida por alas conservadoras. Apesentada como uma tentativa de modernizar o serviço público e ampliar a eficiência do Estado, a pauta acabou soterrada por uma sequência de protestos impulsionados por sindicatos e movimentos sociais, que emplacaram o discurso de que a medida “destruiria direitos” e serviria de “pretexto para privatizações”. O efeito político foi imediato: o governo recuou na tramitação e o debate racional sobre o tema foi substituído por slogans e polarização.
Esses episódios, somados aos anteriores, reforçam que a disputa central da política brasileira não se dá apenas em votos, mas na capacidade de dominar o ciclo narrativo. Em um país em que a arena digital dita as emoções do dia, quem pauta o debate público — seja enaltecendo conquistas ou transformando vitórias alheias em crises — molda também a percepção de poder. É nesse tabuleiro que se desenha o embate de 2026: não apenas entre projetos de governo, mas entre as máquinas de discurso que definem o que o país pensa e sente a cada semana.
Os três principais elementos da guerra de narrativas que tendem a impulsionar a eleição de 2026 no Brasil são: polarização, construção de versões concorrentes dos fatos e a disputa pelo canal dominante de comunicação.
1. Polarização radical
A polarização política e ideológica tornou-se a força motriz das narrativas contemporâneas. Ela transforma adversários em antagonistas, levando a debates marcados por embates calorosos e dificuldades em promover diálogo genuíno. O ambiente social, em vez de divergências pontuais, passa a ser dividido em campos opostos, com posições incompatíveis e antagônicas, tornando qualquer solução para os conflitos uma tarefa complexa.
2. Competição por versões dos fatos
A guerra narrativa é, acima de tudo, uma disputa pela imposição de versões sobre os acontecimentos reais. Cada lado busca não apenas dar sentido aos fatos, mas reformular episódios de acordo com seus valores e interesses, tornando sua “verdade” dominante perante corações e mentes. As campanhas, partidos e militâncias tentam capitalizar sobre interpretações específicas, ofuscando logros do adversário ao mesmo tempo em que promovem as suas próprias perspectivas.
3. Controle dos meios de comunicação
O terceiro elemento é a luta pelo domínio dos canais comunicacionais capazes de repercutir e amplificar narrativas. Esse controle abrange tanto as relações públicas tradicionais quanto as redes sociais e mídias digitais, onde o uso de fake news, pós-verdades e teorias da conspiração se tornou comum. Quem pauta a agenda social, define o ciclo noticioso e mantém uma militância engajada, conquista terreno na disputa real pelo imaginário coletivo e pela definição dos grandes temas da eleição.
Esses três elementos — polarização, disputa de versões dos fatos e domínio dos canais de comunicação — são os instrumentos centrais da guerra narrativa, e devem ser utilizados intensamente por todas as forças políticas em 2026, influenciando não apenas resultados eleitorais mas também a memória pública sobre cada acontecimento.
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/francisco-razzo/guerra-de-narrativas/
https://fundacaoastrojildo.org.br/revista-online-cenario-eleitoral-e-guerras-de-narrativas/
https://ojs.ufgd.edu.br/arredia/article/view/17916
https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/viewFile/251/250
https://revistaz.letras.ufrj.br/narrativas-conflagradas-e-a-polarizacao-politica-contemporanea/

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